Uma avenida histórica

A Avenida Brasil, no centro da cidade, sempre foi um local de muitos acontecimentos; até mesmo o então Presidente da República em exercício, Café Filho, fez parte de sua história

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A Avenida Brasil, no centro da cidade, sempre foi um local de muitos acontecimentos; até mesmo o então Presidente da República em exercício, Café Filho, fez parte de sua história 

Elaine Rodinski Mota Mello
 
Relatos do 2º Sargento do Exército José Maria de Brito, em sua publicação “Descoberta e Fundação da Colônia Militar”, de 1937, informam que uma expedição nomeada para fundar a Colônia Militar nesta região tinha a missão de se instalar onde atualmente encontra-se o Colégio Agrícola, na Avenida General Meira. 

A Comissão Estratégica do Paraná, chefiada pelo Engenheiro Militar Capitão Belarmino de Mendonça Lobo deu as coordenadas para que a colônia fosse fundada no local previsto. A expedição, chefiada pelo Tenente Engenheiro Militar José Joaquim Firmino e que tinha como auxiliar o Sargento José Maria de Brito, chegou à região em 22 de novembro de 1889, procedente de Guarapuava. Inicialmente, seguiu as determinações para o local de instalação, mas a falta de água, aliada a problemas de saúde, ocasionaram uma mudança temporária de local, para as redondezas do rio M’Boicy, no atual bairro de mesmo nome. Só que os comandantes e seus comandados acabaram não retornando mais ao local anteriormente indicado. 

Com isso, o núcleo populacional que foi se sucedendo ao longo dos anos, foi se estabelecendo nas proximidades do rio M’Boicy e do arroio Monjolo. Este último, cortava a cidade desde o atual Parque do Monjolo, passando por baixo da avenida Brasil, onde encontra-se canalizado. É por esse motivo que o centro da cidade está estabelecido no local atual e a avenida Brasil acabou se tornando a artéria principal da cidade. 

A Avenida Brasil 
Contar a história de Foz do Iguaçu e não citar a avenida Brasil, é praticamente impossível. Inúmeros são os fatos a respeito dessa via mais importante da cidade. A avenida presenciou os primeiros namoros, os primeiros casamentos, e ainda, todas as formas de entretenimento existentes nos primórdios da localidade. A vida cultural acontecia nos estabelecimentos localizados na avenida. 

Lojas comerciais foram surgindo ao longo dessa via, que passou por inúmeras mudanças. Inicialmente, era uma via de mão única, passou a mão dupla e voltou a ter mão única novamente. Recebeu sua primeira camada de asfalto na década de 60, no governo de Ozires Santos. Mas antes disso, o barro imperava, principalmente no trecho entre a rua Jorge Sanways e Bartolomeu de Gusmão, conhecida como “a subida do bota-fogo”, porque segundo os moradores da época, tinha que colocar fogo nas pernas para poder vencer o lamaçal. 

Uma das famílias mais tradicionais a se instalar na avenida Brasil foi a família Basso. Irineu Basso, filho de Pedro e Assunta Maria Basso, é um dos ilustres personagens da história de Foz do Iguaçu que guarda muitas lembranças da avenida. Seus pais, italianos, vieram ao Brasil para trabalhar na plantação de café em 1920 e em Foz chegaram em 1934. A atividade inicial de Pedro Basso foi uma pensão, que recebia principalmente turistas argentinos. 

Depois, a família abriu um estabelecimento comercial que vendia de tudo, tecidos, secos e molhados e armarinhos. Depois veio o cinema, o Cine Star, em 1951, funcionando até 1980. Sua localização era onde atualmente se encontra o Calce Pague, em frente à Travessa Oscar Muxfeldt. 

Irineu Basso tem a lembrança do primeiro filme exibido no cinema. Era “A Rainha do Nilo”. E ressalta que o Cine Star, apesar de antigo, não foi o primeiro cinema da cidade. O primeiro foi do sr. Paulo Schwartz, também na Avenida Brasil, no prédio do Hotel Progresso, conhecido como “Balança mas não cai”. 

O cinema acabou sendo fechado e Pedro Basso então abriu o Cine Star. Segundo Irineu, toda a população de Foz praticamente cabia dentro do cinema. Inclusive uma cadeira era reservada para D.Otília Schimmelpfeng, que não perdia nenhum filme. Os filmes vinham de ônibus. Se chovia, não chegavam e por esse motivo, havia muito filme reprisado, até que chegassem outros. 

A divulgação dos filmes se dava por meio do serviço de alto-falante, sistema que existia no “Balança mas não cai”. E também eram colocados cartazes no Batalhão do Exército e na Avenida Jorge Schimmelpfeng. As sessões aconteciam todos os dias e nas quartas e sábados à tarde, eram reservadas aos militares. O cinema lotava quase sempre. 

Sistema de som 
O primeiro meio de comunicação da cidade foi instalado na avenida Brasil. Era um sistema de som, que funcionava no “Balança”. “Era uma torre de madeira, de 15, 20 metros de altura, com alto-falantes e o locutor na rua falando com microfone”, lembra Irineu. Os locutores eram Alexandre Lemanski, Augusto Araújo e Bruno Fischt, que não recebiam nada pelo trabalho. Todos os dias, a partir das 18 horas, o sistema de som era colocado em funcionamento. Começava tocando a Ave Maria, depois vinha uma programação musical, propagandas de casas comerciais, a programação do cinema, homenagens a aniversariantes, além de notícias da comunidade. Isso tudo na década de 50. 

Outras diversões e casas comerciais 
O bar do sr. Palma era muito freqüentado, localizado onde hoje está a Justiça do Trabalho. Além da casa comercial da família Basso, tinha o Armazém Secos e Molhados, Padaria e Açougue de Pedro Rodinski, além do comércio do sr. Lau Singer, que funcionava em frente. Irineu Basso lembra ainda de Dona Tita Bernardes, também nas proximidades, da família Risden, onde hoje encontra-se a Galeria Wadipel. Depois da subida do bota-fogo, havia a loja do sr. Lázaro, que vendia calçados e roupas. Na avenida Brasil, esquina com a rua Rio Branco, morava ainda Bonifácio Palma, conhecido como “Pica-Pau”, enfermeiro, que dava injeção em toda a população da cidade. 

Uma das diversões anuais nas proximidades era a festa junina da Igreja Matriz, que movimentava toda a comunidade. A festa era à tarde e famílias inteiras participavam das brincadeiras. Outra festa junina que surgiu foi a do Batalhão, em que na década de 50, tudo era gratuito: quentão, pinhão, batata doce, milho verde. Tinha muita música e o destaque era uma fogueira gigante. 

O primeiro hotel da cidade, o “Brasil”, também localizava-se na avenida Brasil. Era de propriedade de Frederico Engel e o local é onde atualmente se encontra o HSBC e é o mesmo local que posteriormente funcionou o Hotel Progresso. 

Segundo Irineu Basso, a primeira camada de asfalto que a avenida Brasil recebeu foi no trecho entre a Av. Jorge Schimmelpfeng e a rua Rio Branco, nos anos 60. Naquela época, a avenida Brasil possuía alguns trechos muito estreitos. Irineu lembra que a propriedade de Ignácio Batista vinha no meio da rua, na esquina com a atual Travessa Oscar Muxfeldt. Anos depois é que a Prefeitura fez o alargamento. 

Pedro Rodinski 
Ana Rodinski Mota guarda lembranças de seu pai, outro pioneiro da avenida Brasil, Pedro Rodinski, que veio a Foz trazendo gado de Laranjeiras, com Otávio Vaz, no início da década de 30. Estabeleceu-se aqui e montou o Armazém Secos e Molhados, em sociedade com Gregório Dotto, inicialmente onde hoje se encontra a loja Ponto Frio. Posteriormente, o estabelecimento se transferiu para a esquina da Brasil com a Jorge Sanways, ampliando o negócio para padaria e açougue. Conheceu Felícia Martins, que trabalhava no Hotel Progresso e se casaram em 1937. 

No comércio estabelecido na avenida, especificamente no caso da padaria, a massa era feita com cilindros manuais e a produção de pães era artesanal. O trigo vinha de Ponta Grossa e da Argentina. O estabelecimento vendia desde produtos alimentícios até querosene em litro, graxa para carro, soda cáustica, armarinhos, sapatos, roupas, acessórios como capas e chapéus. As mercadorias vinham de Ponta Grossa de caminhão do sr. Fardoski, que eram encomendadas de caixeiros viajantes. Ana Mota, que atendia no armazém, lembra que como ali se vendia de tudo, era comum vender querosene, por exemplo e ter que ir correndo lavar as mãos para vender pão logo em seguida. 

O senhor Pedrinho, como era conhecido, atendia os moradores da região e das localidades – 2º Distrito, próximo onde atualmente encontra-se a Igreja São José Operário e Arroio do Tigre – região das proximidades do rio Tamanduá. Também se fornecia para a Polícia Civil e Departamento de Estradas e Rodagens (DER). 

Segundo Ana Mota, nas proximidades do Armazém havia alguns bares, como o do sr. José Bernardi e Pensão da Dona Tita, que recebeu os primeiros fuzileiros navais e militares do então 1º Batalhão de Fronteira, além de viajantes em geral. Havia também o Bar Café com Leite. Onde hoje está a loja Magazine Luiza, existia o Bar da Dona Filomena Villordo. 

Ana Mota lembra que na avenida, em 1946, circulavam apenas dois carros, o da família Schinke, um carro Crysler 38 e o da Mate Laranjeiras, um carro inglês. Havia ainda a carroça do Dadá, que fazia frete. Os meios de transporte mais comuns eram as carroças e cavalos. As carroças, aliás, sempre acabavam protagonizando muitos sustos, uma vez que disparavam morro abaixo, chegando muitas vezes a tombar. 

Outro estabelecimento comercial da avenida era a padaria da Dona Olga, que funcionava onde atualmente encontra-se a loja Sadi Magazin, em frente a alfaiataria de Francisco Ferreira Mota, com quem Ana se casou em 1955. 

Motinha, como é conhecido, chegou a Foz em 1948, vindo de Igreja Nova, Alagoas. Sobrinho de José Vicente Ferreira, aqui se estabeleceu trabalhando inicialmente na alfaiataria de Idalino Favassa, na esquina da avenida Brasil com a rua Quintino Bocaiúva. Em 1954 montou sua própria loja de confecção, na avenida, no prédio onde funcionou o açougue de Pedro Rodinski. 

Em 1957, passou a trabalhar com caminhão e depois com táxi. Em 1976, foi criada a Associação dos Condutores Autônomos de Foz do Iguaçu, transformada em Sindicato em 1978. Sua sede funcionou por muitos anos também na avenida, no piso superior da então Farmácia Universal, hoje Farmácia União. 

Um dos momentos mais marcantes da história da avenida Brasil ocorreu em 1951 e é lembrado por Motinha. O então presidente em exercício Café Filho, em visita oficial, ao passar pela avenida Brasil em direção ao aeroporto, localizado onde hoje está o clube Gresfi, teve o veículo que o conduzia atolado na “subida do bota-fogo”. O veículo, uma caminhonete Chevrolet, da Marinha, foi empurrado por populares e soldados do Exército, até que conseguiram vencer o lamaçal. Chovia há dias na cidade, inclusive tendo ocasionado a permanência forçada do presidente, que ficou hospedado no antigo hotel Cassino. 

A Brasil de hoje 
A atual avenida Brasil tornou-se um emaranhado de veículos e pedestres. O barro deu lugar ao asfalto, as casas de madeira deram lugar a prédios imensos. Muitos hotéis e uma variedade de estabelecimentos comerciais se instalaram nessa via. 

Muita coisa mudou nesses longos anos de história. E essa mudança deve continuar. Um projeto de revitalização, coordenado pela Secretaria Municipal de Planejamento e que deve estar definido e colocado em prática nos próximos meses, dará uma nova roupagem à avenida. Segundo o secretário de planejamento Rodiney Alamini, a intenção é fazer com que a avenida Brasil se torne um shopping horizontal, que os cidadãos iguaçuenses e os turistas, principalmente os estrangeiros, usufruam de um local agradável e com muitas opções de compras, com segurança e conforto. 

Mesmo com tantas modificações, aquela avenida de barro ficará guardada na memória dos pioneiros de uma Foz do Iguaçu precária nas suas condições, mas atenta para o progresso. E que sua história seja contada e preservada sempre, para que as gerações futuras possam conhecê-la e valorizá-la. 

Fonte: Revista Cabeza, edição nº 12, julho de 2003

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