Se depender só do vírus, fronteiras nunca mais vão reabrir. Ou vão?

No Paraguai, falar em reabrir fronteiras agora é assunto tabu. O que os paraguaios torcem é pra que não feche tudo novamente.

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* Cláudio Dallal Benetta – OPINIÃO

Você notou que, nos últimos dias, os jornais paraguaios já não tocam mais no assunto “reabertura de fronteiras”? E, como por lá não se fala nada, aqui também não há repercussão.

O que está acontecendo no Paraguai, hoje, é que a população já nem pede fronteiras abertas, a não ser as pessoas diretamente afetadas. O que se torce é pra que o país não volte à estaca zero, à quarentena total, como querem muitos médicos.

Politicamente, o presidente Mario Abdo Benítez apostou todas as suas fichas no ministro de Saúde Pública, Julio Mazzoleni, e no diretor de Vigilância Sanitária, Guillermo Sequera, praticamente pioneiros no mundo em sugerir o isolamento total para reduzir a proliferação do novo coronavírus.

Deu muito certo nos primeiros meses. O Paraguai chegou a ser o país com o menor número de casos e, por consequência, de mortes na América do Sul. Ganhava até do Uruguai.

Mas veio outra invenção paraguaia, a “quarentena inteligente”, que, na teoria, significa flexibilizar gradualmente as atividades e a circulação de pessoas, já que se dividia em quatro fases.

Se deu certo, não se sabe, porque se desconhece qual seria a meta pretendida pelo governo no sentido de número máximo de casos e de mortes. Recentemente, Sequera disse que seria tolerável o Paraguai ter de 300 a 500 mortes por covid-19, aparentemente inevitável ante o aumento dos casos com a flexibilização da economia.

Sempre em alta

O próprio Mazzoleni admite que os números tendem a crescer ainda mais ao longo de agosto. Foto Agência IP

O Paraguai fechou a sexta-feira, 21, com mais 12 mortes e o total já atingiu 182. E nada menos que 719 novos casos da doença, que agora somam 12.536 pessoas, das quais 7.007 se recuperaram. O índice de recuperados vem diminuindo gradativamente, agora está em 55,8% do total. No Paraná, para comparar, o índice é de 64,1%, e em Foz de 93%.

O número de pessoas internadas aumenta muito, diariamente. De quinta para sexta, mais 35 pessoas baixaram hospital. Agora, há 253 internados, dos quais 62 em unidades de terapia intensiva (eram 63 no informe anterior, o que indica um provável falecimento em UTI).

A taxa de letalidade no Paraguai, isto é, o percentual de mortes em relação ao total de casos, também vem subindo gradativamente. Sempre esteve abaixo de 1%, agora está em 1,4%.

Em relação ao percentual no mundo, a taxa ainda é baixa. A média mundial é de 3,4% e a brasileira é de 3,2%. Mas a preocupação não é com taxas mundo afora, mas com o crescimento dela internamente.

E é por isso que, pelo menos nos últimos dias, a fronteira saiu do destaque na imprensa paraguaia, que volta sempre a repetir a posição do presidente Mario Abdo Benítez. Desde o início, ele se disse “pela vida”, já que não há recuperação pós-morte; e que a economia, ao contrário, se recupera.

Abdo Benítez sempre destacou, também, que a fronteira seria a última etapa depois da quarta fase da quarentena inteligente. Mas a quarta fase já sofreu retrocessos e ainda nem chegou à maioria do país.

Lado de cá preocupa

Indicadores do Brasil, segundo Ministério da Saúde.

O presidente também sempre alegou que não poderia abrir a fronteira, especialmente com o Brasil, porque é o país com o segundo maior número de casos e de mortes no mundo. E é um fato. O Brasil tem confirmados nada menos que 3.532.330 casos e 113.358 mortes.

Só no último informe, de sexta-feira, 21, o Ministério da Saúde registrou mais 30.355 pessoas infectadas e outras 1.054 mortes. O número de recuperados é de 2.670.755, ou seja, um índice de 75,6%. Se serve de consolo, ante números tão assustadores, a recuperação de nossos portadores dovírus é bem superior à do Paraguai.

O vizinho Paraná

Os casos e mortes do lado de cá da fronteira também deixam insones os governantes paraguaios. Foto Marcos Labanca

Mas os paraguaios não estão de olho apenas nos casos e mortes no Brasil como um todo. A preocupação maior é com o Paraná e com Foz do Iguaçu, os vizinhos.

O Paraná não vai nada bem. A Secretaria de Estado da Saúde informou, na sexta-feira (21), que houve 2.328 novos casos de covid-19 e mais 37 óbitos. O Estado soma 113.335 casos e 2.894 mortos em decorrência da doença.

No ranking brasileiro, o Estado até que está em posição razoável: 12º em casos e 11º em mortes.

(São Paulo, em 1º, tem 735.960 casos e 28.155 mortes. Se fosse um país, seria o 8º no mundo em mortes e o 5º em casos, muito à frente da Argentina, que tem população praticamente igual e está em 12º em casos e em 19º em mortes).

Fechado o parênteses, voltemos à questão de fronteiras. Se no Paraná parece haver uma tendência de queda, os números são muito elevados para se confiar que a pandemia está controlada.

Os números do Brasil, por estados, em tabela feita pela Agência Brasil.

Em Foz, estabilidade

Conforme o H2FOZ noticiou ontem, com base em dados da Vigilância Sanitária, Foz do Iguaçu registrava, na sexta-feira, 4.390 casos e 49 mortes. O número de casos está estável, mas é alto.

Embora muitos leitores odeiem isto, é necessário comparar Foz com o Paraguai, já que é isso que o governo paraguaio faz quando se discute a questão das fronteiras.

Com 7,2 milhões de habitantes, aproximadamente, segundo projeção da Direção de Estatística, Pesquisa e Censos do Paraguai, o país vizinho tem 26,6 vezes mais habitantes que Foz do Iguaçu (pra este cálculo, consideramos 270 mil habitantes).

O número de casos de covid-19 no Paraguai é apenas 2,8 vezes maior que o de Foz. E o de mortes, 3,7 vezes maior que as registradas aqui.

Se depender dos números de Foz, do Paraná e do Brasil, o Paraguai não vai reabrir a fronteira tão cedo. Mas, quando no próprio país aumenta a preocupação com a incidência crescente de covid-19 e com o aumento das mortes, aí, esqueça.

O argumento

O que pode acontecer, se o governo brasileiro concordar – e há disposição para isso -, é funcionar o sistema de delivery fronteiriço, em que os brasileiros compram pela Internet em lojas paraguaias e vão buscar as mercadorias em pontos pré-determinados. Isso está sendo pensado inclusive para Ciudad del Este.

Pode ser uma boa ajuda para os comerciantes, que hoje não arrecadam praticamente nada, mas não vai resolver a vida dos iguaçuenses que perderam emprego no comércio paraguaio e nem vai ajudar a movimentar a economia de toda a fronteira, que na verdade depende das duas margens.

Vinda de Bolsonaro

O H2FOZ também noticiou que o presidente Jair Bolsonaro vem a Foz do Iguaçu, na quinta-feira da semana que vem, quando vai lançar a pedra fundamental da nova pista da Rodovia das Cataratas (uma boa notícia!).

E estará acompanhado de vários ministros, inclusive o de Relações Exteriores, o que pode indicar uma predisposição para conversar sobre o tema fronteiras.

Sobre a visita de Bolsonaro, leia: Presidente e ministros lançam em Foz pedra fundamental da duplicação da BR-469

Posição política

Da parte do Brasil, aparentemente não haveria qualquer empecilho para reabrir a Ponte da Amizade, mediante protocolos sanitários rigorosos. O problema é o medo dos paraguaios e, principalmente, a posição política do presidente do país vizinho.

Abdo teria que ceder e, com isso, reconhecer que seu governo falhou no combate à pandemia ou que falhou ainda mais nos ajustes para a economia não sofrer tanto.

E o pior é que sobre esse combate à pandemia ainda paira, lúgubre e malcheirosa, a sombra da corrupção, com várias denúncias de superfaturamento de itens de proteção contra a covid-19 e de políticos que se beneficiaram justamente de um período tão terrível para enriquecer ainda mais.

Não foi só no Paraguai, é claro. Tanto que o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, descreveu os atos de corrupção envolvendo equipamentos de proteção usados no contexto da pandemia como “assassinatos”.

Até na compra de respiradores houve corrupção. “Assassinato”, segundo a OMS.

Pandemia “dura menos que dois anos”

Na mesma entrevista, concedida na sexta-feira, Ghebreyesus disse que a Organização Mundial da Saúde estima que a pandemia deve durar “menos de dois anos”. Ou menos que os dois anos que durou a Gripe Espanhola, pandemia que começou em 1918 e foi responsável pela morte de milhões de pessoas em todo o mundo.

Será que pra reabrir a fronteira o Paraguai vai esperar até a pandemia acabar? Então, só vai reabrir lá pelo final de 2021 ou inicio de 2022, se a previsão da OMS estiver certa.

Até lá, não sobrará muita coisa da economia da fronteira, no lado de cá, no lado de lá e no lado argentino.

É nisso que a gente precisa pensar. É preciso achar um jeito de conviver (sem morrer) com esta praga que assola o mundo e garantir a sobrevivência econômica principalmente das classes mais vulneráveis, das pessoas que não têm o Estado como provedor garantido.

* Cláudio Dalla Benetta é jornalista em Foz do Iguaçu

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