União quer que indústria do cigarro pague os gastos com saúde. E o cigarro paraguaio?

Alegação dos fabricantes brasileiros faz sentido: e o que acontece com os cigarros paraguaios, que já dominam 50% do mercado?

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Cláudio Dalla Benetta

A princípio, está correto. Quem fabrica cigarros deve ressacir o governo dos gastos de saúde pública com as enfermidades provocadas pelo vício do tabagismo.

E é isso que a Advocacia Geral da União pretende: fazer que a Justiça exija das maiores fabricantes que arquem com estes custos.

O argumento de uma dessas fábricas, no entanto, é avassalador: se metade dos cigarros consumidos no Brasil vem do Paraguai, quem vai então pagar a outra metade dos custos?

Eis o dilema. O Brasil aumentou os preços dos cigarros, progressivamente, até que o preço alto – considerado fator fundamental – desestimulasse cada vez mais e mais fumantes. Hoje, eles representam oficialmente 10% do total de brasileiros, um terço do que representavam há uns 30 anos.

O problema é que o cigarro paraguaio, mesmo com toda a repressão, entra no Brasil por um preço que no máximo chega à metade do menor preço praticado no país. 

Dentro do próprio Brasil há fábricas clandestinas de cigarros paraguaios, que usam maquinários vindos sabe-se lá de onde e matéria-prima do país vizinho. Os paraguaios têm “filiais” pra todo lado.

É um negócio extremamente rentável. Tanto que os traficantes utilizam o contrabando de cigarros pra se fortalecer no tráfico de drogas, que rende muito mais, mas envolve mais riscos.

Pena branda

Contrabandista de cigarro, se for primário (o “mula” que às vezes cai) nem vai preso, com bom advogado.

Foi o caso de um homem que levava mais de mil pacotes de cigarros. Condenado a um ano de prisão, entrou com recurso e a prisão foi substituída por pena restritiva de direito. Deve continuar na ativa.

Se é um produto que todos sabem que faz mal à saúde, a pena não deveria ser maior? O Código Penal Brasileiro precisa ser revisto.

Não só pelo mal que o cigarro faz à saúde, mas pelo dinheiro que as quadrilhas de traficantes amealham e na cada vez maior experiência que adquirem para entrar com drogas ilícitas. Onde vai o cigarro, vão a maconha e a cocaína. Onde cai o cigarro, muda-se a rota das drogas.

Quando prendem contrabandistas de cigarros, os delegados tentam fazer com que ao contrabando se some outro crime, bem mais grave perante a lei: formação de quadrilha. Nem sempre conseguem, mas é um bom caminho pra evitar mais e mais brasleiros com doenças graves provocadas pelo tabaco.

Quanto à punição aos fabricantes de cigarros, é justa. Que paguem pelo que seus produtos provocam. Mas também deveriam ser processados os fabricantes paraguaios, na mesma proporção do que deveriam pagar as fábricas instaladas no Brasil e suas matrizes.

Aliás, é fácil identificar pelo menos quem é o maior “tabacalero” paraguaio: é o ex-presidente Horacio Cartes. As marcas de cigarros de sua fábrica hoje são tão conhecidas entre os fumantes quanto as mais traficionais produzidas no Brasil

Principalmente, claro, entre as classes mais pobres. Os cigarros são mais acessíveis e, com isso, estimulam o consumo justamente entre as pessoas com assistência médica muitas vezes deficiente, em rincões Brasil afora.

Se provoca doenças, o castigo pra quem contrabandeia cigarros paraguaios deveria ser mais ou menos semelhante à de quem faz contrabando de medicamentos, que se sujeita a penas entre dez e 15 anos de prisão, além de multa.

Lógico que, no caso de medicamentos, nem sempre a Justiça é tão rigorosa, muitas vezes dando penas mais breves quando são remédios menos danosos, por exemplo. Mas existe a possibilidade de o juiz usar o rigor, se achar justo.

Subir o preço?

A questão dos cigarros, que levou o ministro da Justiça, Sérgio Moro, a propor (erroneamente) um barateamento dos cigarros brasileiros, para reduzir o contrabando dos paraguaios, merece uma análise mais aprofundada do governo.

Não dá pra baratear o cigarro brasileiro, já que foi um dos fatores que levaram à redução do consumo. E é0 impossível, praticamente, eliminar o contrabando. 

A linha de ação deve passar, necessariamente, por pressões sobre o Paraguai, onde o Congresso, recentemente, deixou de aplicar um aumento de tributos sobre o cigarro, deixando de atender recomendações internacionais e cedendo ao “apelo” da indústria tabacalera e seu maior porta-voz, Horacio Cartes.

Sem a participação do Paraguai, a guerra contra o cigarro e seus malefícios está perdida, porque a repressão apenas diminui o lucro dos contrabandistas, mas não os tira do mercado brasileiro.

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