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“Invisíveis”: conheça os desafios das pessoas com deficiência visual em Foz do Iguaçu

Parcela representa mais de nove mil pessoas em Foz do Iguaçu. Confira o relato de Leonardo Silgueiro, presidente da Associação de Deficientes Visuais de Foz do Iguaçu (Adevifoz).

9 min de leitura
“Invisíveis”: conheça os desafios das pessoas com deficiência visual em Foz do Iguaçu
Mais de 9 mil moradores de Foz do Iguaçu relataram ao Censo dificuldade permanente para enxergar, mesmo usando óculos ou lentes de contato. Foto ilustrativa: Pexels

O Censo 2022 divulgou dados que o H2FOZ repercutiu em uma reportagem especial mostrando que 13.148 moradores de Foz do Iguaçu têm algum tipo de deficiência. Desse total, 9.184 (69,8%) apresentam deficiência visual. Ou seja, essas pessoas relatam dificuldade permanente para enxergar, mesmo usando óculos ou lentes de contato.

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Esse é o caso de Leonardo Silgueiro Pimentel, presidente interino da Associação de Deficientes Visuais de Foz do Iguaçu (Adevifoz). Em 2011, um grupo de pessoas criou a associação para dar voz a essa parcela da população.

Leonardo perdeu completamente a visão aos 4 anos de idade porque desenvolveu um glaucoma congênito e sofreu um acidente após uma cirurgia. Atualmente, ele cursa o sétimo período de Relações Internacionais na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila).

Apoio familiar

Leonardo: “Infelizmente, a sensação que temos em Foz do Iguaçu é a de que somos invisíveis”.


Leonardo reconhece que a família e os professores com quem conviveu fortaleceram sua confiança. Esses profissionais sempre o incentivaram a acreditar em si mesmo, mostrando que ele poderia levar uma vida normal e conviver com a deficiência sem limitações. Além disso, as dificuldades que enfrentou motivaram sua mãe, a empresária Manoélida Silgueiro Pimentel, a atuar voluntariamente em prol da causa.

Ela participa ativamente do projeto de goalball em Foz do Iguaçu. O esporte utiliza as percepções tátil e auditiva. Manoélida afirma: “Escolhi ser voluntária para ajudar outras pessoas a não passarem pelo que meu filho e eu passamos.”

Leonardo detalha, em entrevista ao H2FOZ, o panorama local das pessoas com deficiência visual e aborda temas importantes como a invisibilidade e o preconceito. Confira o relato completo:

Panorama local

Eu não conhecia a quantidade de pessoas com deficiência visual em Foz do Iguaçu. Embora façamos parte de uma associação, muitas dessas pessoas não procuram nenhum tipo de reabilitação ou atendimento oftalmológico.

A reabilitação desempenha um papel importante ao preparar a pessoa com deficiência visual para viver com independência e autonomia. Nesse processo, os profissionais oferecem aulas como orientação e mobilidade, nas quais os deficientes visuais aprendem técnicas para caminhar e se locomover com independência, contornar obstáculos e utilizar ferramentas como a bengala branca, além de aprender leitura e escrita no sistema Braille, informática para deficientes visuais, entre outras habilidades.

Invisibilidade

Infelizmente, a sensação que temos em Foz do Iguaçu é a de que somos invisíveis. As calçadas são completamente esburacadas, mesmo em regiões como o centro da cidade, que deveriam ser mais acessíveis.

O piso tátil, cuja implementação em novas calçadas é obrigatória por lei municipal, é instalado apenas para cumprir a lei, sem seguir as recomendações para sua instalação adequada. A ABNT, por meio da NBR n.º 16537, regulamenta a instalação correta do piso tátil, de modo que ele realmente cumpra sua função: permitir ao deficiente visual se orientar e se locomover com segurança.

Atualmente, muitos desses pisos não possuem qualquer referência, conduzindo-nos diretamente a obstáculos como árvores, postes de iluminação, placas etc.

Além disso, percebemos que o município não cria políticas públicas que nos incluam. Mesmo quando existem políticas públicas, as autoridades não as implementam. Na rede de saúde pública, por exemplo, a maioria dos profissionais não se prepara e demonstra total desconhecimento sobre a deficiência visual.

Se precisamos de atendimento emergencial ou queremos agendar uma consulta médica em uma unidade básica de saúde, os profissionais exigem que levemos um acompanhante. Se, por algum motivo, vamos sozinhos, eles se recusam a nos atender ou nos tratam de maneira capacitista. Eles costumam dizer coisas como: “Onde estão seus pais, sua esposa, seus filhos?” Ou: “Você não pode andar sozinho, é perigoso.”

Comparação com outras cidades

Cascavel, município próximo e com tamanho e população um pouco maiores que os de Foz do Iguaçu, já avançou muito nas pautas da pessoa com deficiência. Na realidade dos deficientes visuais, as pessoas caminham pelas ruas, trabalham tanto no serviço público quanto no setor privado, estudam e vivem uma vida completamente normal, sem que a sociedade tente limitar ou discriminá-las.

Mesmo o município de Francisco Beltrão, localizado no Sudoeste do estado e consideravelmente menor, já adota mais políticas públicas e registra menos casos de capacitismo e discriminação. Municípios maiores, como Londrina, Maringá e Ponta Grossa, também oferecem apoio do poder público aos deficientes visuais. Lá, eles conseguem viver de forma independente e autônoma, embora ainda exista discriminação e capacitismo.

Centro de Reabilitação

No geral, o poder público municipal não nos oferece qualquer apoio. O Centro Especial de Reabilitação (CER IV), por exemplo, não disponibiliza um médico oftalmologista para acompanhar os pacientes com deficiência visual em nosso município.

Precisamos recorrer à unidade básica de saúde, onde esperamos por meses ou até anos na fila por uma única consulta. Além disso, no CER IV, os gestores não disponibilizam psicólogo com formação na área da pessoa com deficiência e também não oferecem aulas de Braille, por exemplo.

O CER IV oferece apenas as aulas mais básicas, insuficientes para que um deficiente visual consiga se locomover com autonomia.

Mudanças e falta de qualificação para os deficientes visuais

A Escola Municipal Ponte da Amizade oferecia essas aulas anteriormente em uma sala de recursos, onde os professores têm formação específica na área da deficiência visual e dominam o sistema Braille de escrita, além de orientação e mobilidade.

A escola fornecia as aulas a qualquer pessoa com deficiência visual que a procurasse. Contudo, desde outubro de 2024, a Secretaria de Educação autorizou a escola a atender apenas alunos com deficiência visual matriculados na rede municipal de ensino. Dessa forma, pessoas que já concluíram o ensino fundamental e não podem se matricular na rede municipal ficam sem qualquer reabilitação.

Também percebemos que a região não oferece oportunidades de estágio nem cursos de qualificação que, mesmo não sendo voltados especificamente aos deficientes visuais, nos incluam de alguma forma. Atualmente, quando buscamos realizar qualquer atividade, como um curso de idiomas ou técnico, as instituições nos desencorajam.

A associação

Sou vice-presidente da Adevifoz, e nosso presidente, Marcio Cichorski, está afastado por motivos de saúde. Assim, atualmente, sou o presidente interino. A Adevifoz foi fundada em setembro de 2011. Trata-se de uma associação civil de caráter beneficente e filantrópico.

Nosso principal objetivo é a defesa dos direitos das pessoas com deficiência visual. Lutamos para que seus direitos sejam assegurados e respeitados, fornecendo também orientações e encaminhamento aos serviços públicos, como o CER IV, unidades básicas de saúde e salas de recurso, conforme as necessidades de cada deficiente visual que nos procura.

Nosso maior objetivo é garantir a reinserção da pessoa com deficiência visual na sociedade, no mercado de trabalho, nos estudos etc. Embora a Adevifoz não ofereça diretamente aulas ou programas que garantam essa reinserção, realizamos o encaminhamento dos deficientes visuais às instituições que fornecem atividades nesse sentido.

Preconceito

Infelizmente, o preconceito é uma realidade, apesar dos avanços constantes na conscientização da sociedade, bem como nas políticas públicas para pessoas com deficiência.

Em Foz do Iguaçu, contudo, ainda notamos muita falta de conhecimento por parte da sociedade em relação à deficiência visual, e isso é algo que vem desde o comércio, dos motoristas do transporte público até integrantes do poder público municipal ao abordarem nossas pautas.

Em geral, a sociedade fica surpresa ao ver um deficiente visual caminhando totalmente sozinho pelas ruas, fazendo compras e utilizando o transporte coletivo sem um acompanhante normovisual. O grande problema de Foz do Iguaçu, em minha opinião, é que esse preconceito leva a atitudes discriminatórias absurdas. Isso está na maneira como as pessoas nos repreenderem por estarmos sozinhos ou em atitudes como ao segurar com força em nosso braço tentando nos levar ao lugar que acreditam que queremos ir.

Por isso, ao apresentarmos nossas pautas ao poder público, somos constantemente cobrados sobre o motivo pelo qual os deficientes visuais não são vistos. A verdade é que essas atitudes discriminatórias nos fazem sentir desconfortáveis ao imaginar sair de casa, mesmo que seja para ir até um mercado na esquina comprar pão para o café da manhã.

Se atravessarmos uma faixa de pedestre com a bengala branca na posição que indica que queremos fazer a travessia, o errado não é o motorista que não para, mas sim o deficiente visual que está desacompanhado.

Esporte

O esporte exerce um papel muito poderoso na inclusão. Quando praticamos uma atividade física, adquirimos hábitos saudáveis e cuidamos da nossa saúde. Além disso, sentimos pertencimento e fortalecemos nossa autoconfiança.

No ambiente esportivo, fazemos amizades, trocamos experiências e conquistamos mais autonomia. O goalball estimula todos os nossos sentidos — e, com a prática esportiva, melhoramos significativamente nossa percepção espacial, orientação, concentração e equilíbrio.

Nós mesmos formamos uma equipe, ajudamos uns aos outros e construímos uma verdadeira família. Vivenciamos momentos de lazer e descontração, mas também participamos de competições de alto rendimento, o que nos leva a criar uma rotina, desenvolver disciplina e aproveitar outros benefícios do esporte.

Para muitos, o goalball representa a única atividade que nos permite viajar para outras cidades, fazer amizades e viver de maneira independente, além de realmente nos sentirmos parte da sociedade. Sem dúvida, o goalball inclui e transforma não só minha vida, mas também a vida de todos os atletas deficientes visuais da nossa equipe.

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Vacy Álvaro

Vacy Alvaro é jornalista e coordenador do núcleo de Jornalismo de Dados/Infográficos do H2FOZ.

1 comentário em ““Invisíveis”: conheça os desafios das pessoas com deficiência visual em Foz do Iguaçu”

  1. Maria Victoria González Peña

    Excelente reportagem. Me senti incluída nos relatos e vivências. Sou PCDV (visão monocular) e encontro muito capacitismo, exclusão e invisibilidade.
    Moro em Foz a mais de um ano e ainda não consegui continuidade cirúrgico iniciada pelo SUS no estado de MG na cidade de BH. Tbm não consegui consulta no CER IV de reabilitação de oftalmologista. Espero pertencer a associação em algum momento. Obrigada pela oportunidade. Maria Victoria.

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