Por Claudio Siqueira
A inteligência artificial já compõe sinfonias, pinta retratos e escreve poemas em segundos. Enquanto isso, há quem leve uma vida para aprender o toque certo no atabaque. A diferença é de sentido, não de velocidade. O Brasil discute agora o que está em jogo: quem cria, afinal? E a quem pertence a criação?
Na Mondiacult 2025, conferência global da Unesco, Margareth Menezes (ministra da Cultura) defendeu que a cultura não pode ser devorada por algoritmos. O avanço da IA generativa — que se alimenta de repertórios coletivos e devolve versões sintéticas sem origem — é a nova fronteira de exploração simbólica. O Brasil propôs um marco regulatório latino-americano para proteger os direitos de autor e os saberes tradicionais, reconhecendo a criação popular como patrimônio imaterial, não como banco de dados para máquinas.
A questão é civilizatória. Não é pelos royalties, mas pela preservação da alma coletiva da criação. Plataformas e sistemas de IA, quase todos controlados por corporações do norte global, capturam vozes, ritmos e imagens para fabricar “conteúdo”. Apagam autoria, descontextualizam origem e transformam cultura viva em mercadoria.
O mecanismo é antigo: o colonialismo sempre extraiu símbolos antes de extrair riquezas. A diferença é a escala e a velocidade. A IA é o novo engenho — processa criatividade humana em série, empacota e exporta.
Mas há resistência. Nas periferias descentralizadas a arte continua sendo gesto coletivo, feito de corpo e memória. É ali que o Brasil ainda produz o que nenhuma máquina consegue replicar: a vibração do pertencimento.
O discurso de Margareth Menezes aponta o caminho certo: reconhecer e proteger os saberes que antecedem o digital.
O desafio é transformar a ideia em política — fomento, educação midiática, plataformas cooperativas e tecnologia sob controle público.
A disputa pela autoria é também disputa por soberania.
A inteligência pode ser artificial.
A arte, não (jamais).

