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A quem pertence a criação?

Autoria, autoridade e soberania

2 min de leitura
A quem pertence a criação?
Nas periferias descentralizadas a arte continua sendo gesto coletivo, feito de corpo e memória - Foto: Ilustração Claudio Siqueira


Por Claudio Siqueira

A inteligência artificial já compõe sinfonias, pinta retratos e escreve poemas em segundos. Enquanto isso, há quem leve uma vida para aprender o toque certo no atabaque. A diferença é de sentido, não de velocidade. O Brasil discute agora o que está em jogo: quem cria, afinal? E a quem pertence a criação?

Na Mondiacult 2025, conferência global da Unesco, Margareth Menezes (ministra da Cultura) defendeu que a cultura não pode ser devorada por algoritmos. O avanço da IA generativa — que se alimenta de repertórios coletivos e devolve versões sintéticas sem origem — é a nova fronteira de exploração simbólica. O Brasil propôs um marco regulatório latino-americano para proteger os direitos de autor e os saberes tradicionais, reconhecendo a criação popular como patrimônio imaterial, não como banco de dados para máquinas.

A questão é civilizatória. Não é pelos royalties, mas pela preservação da alma coletiva da criação. Plataformas e sistemas de IA, quase todos controlados por corporações do norte global, capturam vozes, ritmos e imagens para fabricar “conteúdo”. Apagam autoria, descontextualizam origem e transformam cultura viva em mercadoria.

O mecanismo é antigo: o colonialismo sempre extraiu símbolos antes de extrair riquezas. A diferença é a escala e a velocidade. A IA é o novo engenho — processa criatividade humana em série, empacota e exporta.

Mas há resistência. Nas periferias descentralizadas a arte continua sendo gesto coletivo, feito de corpo e memória. É ali que o Brasil ainda produz o que nenhuma máquina consegue replicar: a vibração do pertencimento.

O discurso de Margareth Menezes aponta o caminho certo: reconhecer e proteger os saberes que antecedem o digital.

O desafio é transformar a ideia em política — fomento, educação midiática, plataformas cooperativas e tecnologia sob controle público.

A disputa pela autoria é também disputa por soberania.

A inteligência pode ser artificial.

A arte, não (jamais).

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    Claudio Siqueira

    Claudio Siqueira é um cidadão iguaçuense com sotaque da fronteira. É editor de vídeos e designer do H2FOZ.