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Integração pela base

A cultura de base como motor de soberania latino-americana

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Integração pela base
O Cultura Viva Comunitária surgiu no Brasil em 2004, na gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura - Foto: Ilustração Claudio Siqueira

Por Claudio Siqueira

Enquanto a diplomacia oficial discute tratados comerciais e alinhamentos estratégicos, uma outra forma de integração já acontece na América Latina a partir da cultura de base. O programa Cultura Viva Comunitária, criado no Brasil e hoje inspiração para países vizinhos, mostra que a força de um continente não se mede em PIB ou barris de petróleo, também em rodas de capoeira, saraus periféricos, cineclubes de bairro, terreiros, quermesses e bibliotecas comunitárias.

O Cultura Viva Comunitária surgiu no Brasil em 2004, na gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura, com a criação dos Pontos de Cultura — coletivos, associações e grupos comunitários que já produziam cultura em seus territórios e passaram a ser reconhecidos e apoiados pelo Estado. Em 2014, a iniciativa foi consolidada como política de Estado pela Lei 13.018, a Política Nacional de Cultura Viva. Desde então, a proposta se expandiu pela América Latina, inspirando programas semelhantes em países vizinhos e articulando redes através do IberCultura Viva. Sua essência é simples e transformadora: não levar cultura à periferia, mas fortalecer a cultura que já existe, fazendo dela motor de cidadania e integração regional.

Esse movimento desloca a lógica da política cultural tradicional. Em vez de apostar apenas nos grandes centros, museus ou megaeventos, aposta na potência que nasce da comunidade. A periferia vira protagonista — não mais objeto de políticas de compensação, mas sujeito ativo de criação. E é isso que assusta, pois mexe na hierarquia simbólica e política que sempre centralizou poder e recursos.

Não por acaso, o programa é alvo de disputa interna no Brasil. De um lado, quem defende a cultura como direito universal, parte essencial da cidadania. De outro, setores que ainda enxergam a política cultural como gasto supérfluo, ou como moeda de troca para elites artísticas estabelecidas. A questão é menos estética e mais política. Quem controla os recursos? Quem fala em nome da “cultura nacional”? Quem define o que merece ser lembrado ou esquecido?

No plano latino-americano, a proposta é ousada: criar um tecido cultural integrado pela base. Trocar saberes entre comunidades indígenas do Brasil, Equador e Bolívia. Conectar periferias urbanas de São Paulo, Buenos Aires e Bogotá. Fazer da memória coletiva um instrumento de resistência contra o apagamento, mas também de projeção de futuro.

O desafio, claro, é transformar esse ideal em prática sustentável. Não haverá soberania brasileira e latino-americana sem cultura. E não haverá cultura plena sem a força das comunidades que insistem em existir e criar.

Apesar de tudo.

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    Claudio Siqueira

    Claudio Siqueira é um cidadão iguaçuense com sotaque da fronteira. É editor de vídeos e designer do H2FOZ.

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