Por Claudio Siqueira
As artes plásticas brasileiras sofrem a mesma injustiça de crítica que a nossa culinária. O olhar dominante continua sendo eurocêntrico, e a régua de valor vem sempre de fora. Quando avaliam a cozinha ou a produção plástica brasileira, os críticos “sofisticados” classificam como “primitivo” aquilo que não se enquadra nos tratados e manuais das suas academias. Mas o que chamam de sofisticação, no fundo, não passa de pasteurização — uma repetição estilizada de tradições e tratados cristalizados (reprodução manual do que qualquer IA faz usando estatísticas).
O problema é que essa lógica não fica só lá fora. É aqui, dentro do Brasil, que ela encontra terreno. A pequena burguesia brasileira, sedenta por legitimação, adota sem filtro o discurso da crítica eurocêntrica. Resultado: despreza a brasilidade, relega a potência criativa da periferia e do povo ao rótulo de “folclore” ou “artesanato”, e só reconhece como arte aquilo que vem carimbado por curadores do norte global. É o velho complexo de (vira-lata) colônia: se eles dizem que é arte, então é arte!
Mas a contradição é gritante. A arte periférica brasileira, tantas vezes invisibilizada aqui, já é referência e matriz de escola lá fora. O concretismo e o neoconcretismo — de Hélio Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape — são tratados como fundamentais em museus como MoMA e Tate. A música brasileira moldou o jazz contemporâneo universal, reinventou o pop europeu em grandes aspectos e exportou o funk carioca que é tocado até em festas de casamento na Turquia. E na culinária, aquilo que aqui é prato cotidiano — mandioca, açaí, tucupi — vira “novidade gourmet” nas cozinhas estreladas do hemisfério norte.
Ou seja: o que nasce da periferia brasileira já alimenta o mundo. É original, é sofisticado, é contemporâneo, é contemplado. O que falta é reconhecer isso sem precisar da chancela externa. O que falta é descolonizar o olhar.
Criar com nossas próprias referências, amar os nossos sabores, afirmar nossos traços, cores e sons sem pedir licença. Esse é o desafio — e também a libertação.
Para quem se interessar, referências sobre o tema:
1 – Concretismo e Neoconcretismo Brasileiro:
- Bessa, Antonio Sergio (ed.). “Form and Feeling: The Making of Concretism in Brazil”
- Movimento Neoconcreto: https: //en.wikipedia.org/wiki/Neo-Concrete_Movement
- Oxford Research Encyclopedias – Contemporary Art in Brazil: https://oxfordre.com/latinamericanhistory/display/10.1093/acrefore/9780199366439.001.0001/acrefore-9780199366439-e-870
- JSTOR – Estudos sobre arte concreta brasileira: https://www.jstor.org/stable/jj.4908209
2 – Gastronomia Brasileira Contemporânea: - Alex Atala e ingredientes regionais brasileiros: https://en.wikipedia.org/wiki/Alex_Atala
- Estudos sobre biodiversidade culinária brasileira disponíveis em repositórios acadêmicos