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Por que temos medo da morte?

Professor Caverna convida Felipe Krefta Bardelli para refletir sobre o por que nós temos tanto medo da morte?

7 min de leitura
Por que temos medo da morte?

Por: Felipe Krefta Bardelli

O medo da morte é, talvez, a emoção mais profunda e universal que existe. Não se trata apenas de um produto da cultura ou da religião, mas de algo enraizado na própria estrutura da vida. Desde os organismos mais simples até os seres humanos mais conscientes, todos os seres vivos compartilham um impulso primordial: preservar a própria existência.

Na biologia, esse impulso é explicado pelo instinto de sobrevivência, mecanismo que garante a continuidade da vida e da espécie. Uma planta volta suas folhas em busca de luz; um animal foge de um predador; o ser humano se protege de perigos e investe tempo e energia em cuidados com a saúde. Por trás de todas essas ações está o mesmo princípio: evitar a aniquilação.

No entanto, no ser humano, esse medo ganha uma dimensão singular: a consciência da finitude. Somos capazes de antecipar mentalmente a inevitabilidade do fim, o que gera não apenas uma reação instintiva, mas também uma inquietação existencial. Epicuro buscou dissipar esse temor dizendo: “A morte não é nada para nós, pois quando existimos, ela não está presente, e quando ela está presente, já não existimos”. Ainda assim, a lógica filosófica não anula a força bruta da emoção que nos invade diante da ideia do não-ser.

Paradoxalmente, esse medo é também um motor da vida. Ele nos leva a buscar segurança, criar laços, perpetuar nossa memória e até desenvolver sistemas religiosos e filosóficos que prometem superar ou explicar o fim. Como observou Martin Heidegger, viver é, inevitavelmente, “ser-para-a-morte” — e é justamente essa certeza que dá urgência e profundidade à nossa passagem pelo mundo.

Embora o medo da morte seja um instinto partilhado por todos os seres vivos, há circunstâncias em que ele se enfraquece ou se dissolve por completo. Essa mudança não é casual: nasce de experiências-limite, de transformações na consciência ou de decisões deliberadas que atravessam a fronteira entre viver e morrer.

Para alguns, a serenidade diante da morte surge de um amadurecimento existencial. Montaigne, que via na filosofia um aprendizado constante para morrer, afirmava: “Filosofar é aprender a morrer”. Ao contemplar a inevitabilidade do fim, o homem pode deixar de vê-lo como inimigo e aceitá-lo como parte natural do ciclo da vida. Esse movimento de aceitação, comum em idosos e enfermos terminais, não é fruto de resignação passiva, mas de uma compreensão mais ampla da finitude.

Também há quem perca o medo ao experimentar de perto a presença da morte. Heidegger descreve que o ser humano, ao assumir a condição de “ser-para-a-morte”, pode libertar-se da angústia difusa e viver de modo mais autêntico, pois compreende que cada instante é precioso justamente porque é limitado. Soldados em combate, sobreviventes de acidentes e indivíduos que passaram por experiências de quase-morte muitas vezes relatam uma mudança radical na relação com a vida, marcada por desapego ao medo e valorização do presente.

Entretanto, a decisão consciente de morrer introduz uma dimensão ainda mais complexa. Albert Camus, no início de O Mito de Sísifo, afirmou: “Só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio”. Para ele, diante do absurdo da existência, o homem se vê diante de duas possibilidades: resignar-se e continuar vivendo, ou romper com o absurdo e pôr fim à própria vida. Camus opta por defender a revolta contra o absurdo, a escolha de viver mesmo sem garantias de sentido. Mas reconhece que, para alguns, a dor física ou existencial torna a vida insuportável.

Viktor Frankl, sobrevivente de campos de concentração e criador da logoterapia, contrapõe essa visão lembrando que mesmo no sofrimento extremo é possível encontrar um “porquê” para viver: “Quem tem um porquê enfrenta quase qualquer como”. Contudo, quando esse “porquê” se perde seja pela exaustão da esperança, pela dissolução dos vínculos ou pelo colapso da identidade, a morte pode ser percebida não como tragédia, mas como libertação.

Há ainda aqueles que, longe do desespero, escolhem a morte por fidelidade a um valor supremo. Sócrates, condenado a beber cicuta, recusou-se a fugir, afirmando que a filosofia exige coerência entre palavra e ato. Mártires religiosos, combatentes pela liberdade e indivíduos que se sacrificam por outros também revelam essa dimensão: a vida física é abandonada não por negação, mas por afirmação de algo considerado mais digno e eterno que o próprio existir biológico.

Em todos esses casos, a ausência do medo da morte não é indiferença, mas resultado de uma profunda reorganização do sentido. Seja pela aceitação da finitude, pela libertação da angústia, pela escolha de se rebelar contra o absurdo ou pelo sacrifício em nome de um valor, o momento em que o medo cede espaço a outra força revela tanto a vulnerabilidade quanto a potência do espírito humano. Afinal, como disse Sêneca, “Aquele que aprendeu a morrer desaprendeu de ser escravo”.

O medo da morte é, ao mesmo tempo, a nossa prisão e o nosso impulso vital. Ele nos mantém vivos, mas também nos recorda que estamos sempre à beira do desconhecido. Alguns aprendem a conviver com essa presença silenciosa; outros a encaram e, por razões diversas, decidem atravessar seu limiar. Entre o instinto biológico e a filosofia, cada um de nós constrói sua própria relação com o fim. Talvez, mais do que temer a morte, devêssemos temer viver sem ter realmente vivido. Pois, como disse Sêneca, “não é que tenhamos pouco tempo, mas que perdemos muito dele”.

Por: Felipe Krefta Bardelli
Email para contato: Felipe.bardelli23@gmail.com
Redes sociais: krefta_bardelli

Convite Especial: Café Filosófico

Reflexões para Pais e Filhos


Prezadas famílias!
Temos o prazer de convidá-los para o V Café Filosófico, um encontro especial onde pais e filhos poderão compartilhar um momento de reflexão e diálogo sobre os dilemas da vida.


Em um mundo repleto de desafios e mudanças constantes, criar espaços para conversas significativas fortalece os laços familiares e amplia nossa visão de mundo. Neste evento, vamos explorar juntos questões que nos fazem pensar, crescer e nos conectar de maneira mais profunda.


Por que participar?
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Data e local: Zeppelin

Contaremos com um ambiente descontraído e um delicioso café para tornar este momento ainda mais especial!
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Esperamos você e sua família!

Ingressos para o V Café Filosófico:

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Comunidade do “Café Filosófico” no WHATSAPP:

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Obs. Caro leitor, o objetivo aqui é estimular a sua reflexão filosófica, nada mais! mais nada!

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    Professor Caverna

    Caverna é professor de Filosofia, criador de conteúdo digital e coordenador do projeto “Café Filosófico” em Foz do Iguaçu.