Por que a margem paraguaia de Itaipu deveria, mas não contém gastos? Parte II

Vez em quando, o Brasil precisa fazer ajustes. Como em 1994, quando Itaipu não tinha verba pra pagar as dívidas.

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Cláudio Dalla Benetta

Dando sequência ao tema do título, vamos para um pouco da história de Itaipu.

Em 1994, a usina devia US$ 16,8 bilhões a bancos brasileiros e US$ 1,8 bilhão a bancos estrangeiros. A receita, naquele ano, foi de US$ 2,03 bilhões. 

Em 1995, quando Euclides Scalco assumiu como diretor-geral brasileiro, encontrou uma situação financeira caótica. As tarifas fixadas para a energia da binacional eram “irrealistas”, e a empresa acumulava dívidas e mais dívidas, principalmente em dólares, que se somavam aos juros crescentes no mercado internacional.

O déficit operacional previsto para 2023, se nada fosse feito, atingiria US$ 88 bilhões, como escreveu Scalco à época, em artigo no jornal (extinto) Gazeta Mercantil. Em 40 anos de operação comercial da hidrelétrica, só seriam amortizados 4/5 do custo de construção.

A Diretoria Executiva (ambas as margens) e o Conselho Administrativo de Itaipu apresentaram a situação à Eletrobras e à Ande. A Eletrobras trouxe então a proposta, depois de muitas análises, de assumir toda a dívida de Itaipu, com base no dólar, a juros quase metade inferiores aos que Itaipu pagava aos credores (depois, ainda foram revistos para baixo).

A Eletrobras propôs um aumento de 7% na tarifa da energia elétrica de Itaipu e, a partir dali, correção anual baseada no índice de inflação dos Estados Unidos.

E ainda sugeriu que Itaipu adotasse uma política de contenção de suas despesas de exploração, de modo a adequá-las às metas fixadas pelo Conselho de Administração.

Saneada financeiramente, Itaipu passou a contar com uma tarifa que permitia o pagamento da dívida, agora tendo como credora apenas a Eletrobras, e não mais dispersa entre diversos bancos nacionais e internacionais. A tarifa ainda garantia o custeio, o pagamento de royalties e outras despesas previstas em orçamento.

Sempre aqui

Note-se que, sempre, a iniciativa de propor e discutir questões relativas às finanças de Itaipu partiu da margem brasileira. O motivo é simples: foi o Brasil que contraiu as dívidas da construção, e se Itaipu não tivesse dinheiro para bancar o débito com a venda de eletricidade, caberia ao governo quitá-las.

Da mesma forma, hoje acontece de a Itaipu Binacional precisar enxugar despesas para baixar o custo da tarifa, paga quase integralmente pelo consumidor brasileiro de eletricidade. Em números redondos, o Brasil consome cerca de 90% da energia produzida por Itaipu. Por isso, os brasileiros bancam 90% dos custos totais da binacional. 

Quanto mais Itaipu gastar, maior será a tarifa e menor a condição de o brasileiro ter vantagem com o custo da usina que mais oferta energia ao mercado nacional. 

Escritórios

Alguns diretores de Itaipu se destacaram pela coragem de enfrentar sindicatos, espírito de corpo e outras condições complicadas. Se Fernando Gomide (1993-1995) conseguiu a proeza de propor e conseguir a aprovação do Conselho Administrativo de Itaipu para enxugar o quadro de pessoal, antes dele Fernando Xavier (1990-1991) brigou com meio mundo para fechar os escritórios que Itaipu mantinha em São Paulo e no Rio de Janeiro.

No auge da construção e da compra de equipamentos, os escritórios eram, digamos, necessários para facilitar as negociações, o desembaraço aduaneiro e a fiscalização inicial do que era comprado. E, também, para os pagamentos pelas compras.

Em 1990 já não se justificavam. Quem quis permanecer em Itaipu tinha que escolher entre vir para Foz ou para o escritório de Curitiba. Muita gente pediu demissão, mas a maioria se transferiu, especialmente pro escritório de Curitiba, que mais tarde ficaria “inchado” (três vezes mais que o número atual, de 150 empregados).

Depois de Scalco, veio Jorge Samek como diretor-geral brasileiro. Ele não fez nada em relação ao escritório, mas manteve o quadro próprio do lado brasileiro rigorosamente dentro do que havia sido estabelecido lá no passado.

Tanto na gestão dele como na dos que o sucederam, houve indicações políticas para alguns cargos importantes, mas permaneceu o quadro mais enxuto que o paraguaio, onde aliás as indicações de políticos são ainda mais impactantes, talvez porque a diretoria da binacional fique bem próximo aos poderes paraguaios. E tenha um escritório que pode abrigar esses apaniguados.

Agora, vivemos a era de Joaquim Silva e Luna. Até aqui, irrepreensível. Reduziu gastos, sem prejudicar programas sociais. Vai construir obras, mas com o firme empenho de não alterar a tarifa. E vai praticamente fechar o escritório de Curitiba.

Ele quer reduzir os custos, ao longo de sua gestão, para que a tarifa possa finalmente baixar. Se houver apoio dos paraguaios, será mais fácil obter êxito.

A começar pela transferência do escritório de Assução para Hernandarias, onde fica a parte paraguaia da usina. Por que Assunção? Apenas por interesses políticos. Pra isso, bastaria uma representação, como Itaipu tem em Brasília.

Fica a dica, mais uma vez.

No Facebook

Em artigo recente, sobre a possibilidade que aventamos de a Itaipu do lado paraguaio transferir seu escritório para Hernandarias, muitos leitores, no Facebook, fizeram críticas.

Houve alegações como “o Paraguai é soberano”, “o Paraguai faz lá o que bem entende”, “o Brasil não pode interferir”, etc, sem contar ofensas pessoais.

Claro que o Paraguai é soberano. Mas nem o Brasil e nem o Paraguai podem fazer o que bem entendem em Itaipu, que é uma empresa binacional “indivisível”, como diz recente matéria distribuída pela assessoria de imprensa do paraguaio de Itaipu.

Ou “una e única”, como diz o diretor-geral brasileiro, Joaquim Silva e Luna.

Itaipu funcionaria bem melhor com uma linha única de fato. Sem ingerências políticas, daqueles que só querem usufruir o bem-bom do dinheiro público. E voltada aos interesses do consumidor de energia elétrica, que paga caro por ela, e do cidadão, seja ele brasileiro ou paraguaio.

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