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E o Rio de Janeiro, continua lindo?

Operação com mais de 120 mortos transformou o Rio em notícia internacional.

5 min de leitura
E o Rio de Janeiro, continua lindo?
Comunidade resgatou corpos na mata e os colocou em via pública para reconhecimento. Foto: Tomaz Silva - EBC

Aida Franco de Lima – OPINIÃO

Para uma parcela da população, o que houve no Rio, no Complexo do Alemão e Pena, na Zona Norte, foi uma faxina. Na visão do governador Cláudio Castro, 28 de outubro foi um dia histórico. O governador e seu secretário de Segurança consideram que houve somente quatro mortes, as de dois policiais civis e dois militares. Castro prometeu homenagens e até elevação de patente. Isso não vai diluir a dor das famílias. Um dos policiais tinha se formado havia apenas 40 dias. Foi chamado para as trincheiras.

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Segundo o secretário da Polícia Civil, Felipe Curi, na terça-feira foram confirmadas 58 mortes, sendo quatro delas de policiais. Mas naquela mesma noite, nas redes sociais, circulavam notícias de que os moradores estavam resgatando corpos em área de mata na região.

Durante a manhã da quarta, 29, os números saltavam a cada instante, chegando à “contabilidade mórbida” de 74 outros corpos, todos enfileirados em praça pública. A maioria dos cadáveres estava seminua. Para a polícia, um modo de interferir na cena do crime e descaracterizar as vestes usadas para confronto. Para outros, uma forma de os familiares mostrarem sinais de tortura e execução. Alguns estavam decapitados e com as mãos amarradas.

  • Os números oficiais dão conta de que foram presas 113 pessoas, com a mobilização de 2.500 agentes das forças de segurança do Rio. No total, 121 mortos, 15 policiais feridos, quatro deles em estado grave, além de populares também feridos, entre os quais morador de rua. Somente os policiais tiveram seus nomes confirmados e foram velados. Nenhum dos outros mortos, classificados como traficantes, foi identificado. Estão todos no Instituto Médico Legal.

Para Ricardo Balastreli, coordenador do Núcleo Urbanismo Social e Segurança Pública do Insper, se há policial morto já não se pode dizer que a ação foi um sucesso; que a matança de tantas pessoas equipara o Estado ao próprio motivo da ação: o bandido. Ele faz um comparativo entre a casa grande e a senzala, quando o Estado invade as favelas, entra com tiro, porrada e bomba, às portas de trabalhadores, arrasando a vida da comunidade de bem, em busca de alguns criminosos. Balastreli chama os bandidos dos morros de pés de chinelo. Afirma que eles não significam nada na hierarquia do crime e que os chefes moram em condomínios fechados e mansões e viajam de jatos particulares.

Enquanto a ação ocorria nas favelas, causando um caos no trânsito e deixando trabalhadores em meio a um cenário caótico, havia um palanque eleitoral sendo montado. De um lado, a violência servia como portfólio. De outro, como contra-ataque, até cães foram baleados dentro de residências de moradores. Uma das técnicas utilizadas na operação foi o chamado Muro do BOPE.

No Complexo da Penha, a estratégia foi seguir os suspeitos, forçando-os a irem até o ponto mais alto, na Serra da Misericórdia, onde os policiais do BOPE estavam posicionados no topo e formaram uma espécie de “muro” para cercá-los. Foi nessa área que os corpos foram recolhidos pelos moradores.

Os jornais dos mais variados países deram como destaque a anormalidade de uma operação policial ter deixado mais mortos que um dia de bombardeio na Faixa de Gaza, a qual está em um cessar-fogo que de vez em quando é retomado por Israel.

  • O estranhamento é o esperado. É inaceitável que esse seja um outro novo normal. O que é unanimidade entre os especialistas é que operações como essa não solucionam o problema. Elas promovem uma espetacularização, mas não interferem de fato no cerne da questão — pois, sendo o crime organizado, os homens tombados são substituídos facilmente.

E as perguntas que ficam: se você morasse na favela, voltasse de um dia de trabalho e encontrasse sua casa metralhada e o seu animal de estimação morto? Você apoiaria esse tipo de combate ao crime? Se essa forma de ação acontecesse nos condomínios fechados, de onde outros criminosos também barbarizam a sociedade, haveria a mesma aceitação? Como é que os outros países lidam com situações similares? Ou o crime organizado é outra jabuticaba, que só existe no Brasil?

Cento e dezessete fuzis foram apreendidos em um condomínio fechado no Rio, porém dessa notícia quem defende a chacina mais recente não se lembra. Esse tipo de ação, falando em dinheiro, vai ajudar o turismo no Rio? Esse tipo de ação, fez com que o Rio hoje amanhecesse mais seguro? Se fosse no seu bairro, você estaria mais seguro?

Este texto é de responsabilidade do autor/da autora e não reflete necessariamente a opinião do H2FOZ.

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    Aida Franco de Lima

    Aida Franco de Lima é jornalista, professora e escritora. Dra. em Comunicação e Semiótica, especialista em Meio Ambiente.

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