Exilados pela pandemia, paraguaios ficam ao relento na fronteira

Governo do Paraguai obriga repatriados a fazer quarentena antes de voltar para casa. Parte dos que retornam do Brasil testa positivo.

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H2FOZ – Denise Paro 

Obrigados a deixar o Brasil pela pandemia da covid-19, uma legião de trabalhadores paraguaios se vê abandonada na fronteira de Ciudad del Este e Foz do Iguaçu ao fazer o caminho de volta para casa. Quase diariamente, ônibus fretados deixam São Paulo (SP) levando crianças, famílias e jovens que vieram ganhar a vida no lado de cá.  

Os ônibus costumam chegar pela manhã à Vila Portes, e logo os paraguaios tentam cruzar a Ponte da Amizade em direção a Ciudad del Este, porém, de cara, enfrentam a primeira barreira: um portão instalado no final da passarela de pedestres, que impede a entrada no próprio país.  

Quando têm sorte, eles são encaminhados de imediato para abrigos montados pelo governo. Ao contrário, precisam dormir ao relento, na Ponte da Amizade, o que é comum. Os repatriados não podem ir direto para casa porque no Paraguai quem volta do exterior é obrigado a cumprir uma quarentena de 15 dias e submeter-se a testes. 

O abandono dos paraguaios na fronteira indica a falta de ação humanitária. Com uma quarentena rígida, o Paraguai teme que os compatriotas alastrem a covid no país, até porque, segundo o ministro da Saúde do Paraguai, Julio Mazzoleni, os paraguaios que retornam do Brasil apresentam, provavelmente, elevada carga viral.

Desde o início da quarentena no Paraguai, pouco mais de 2.810 pessoas voltaram do exterior. Exilados pela pandemia, paraguaios ficam abandonados na fronteira

No último boletim divulgado pelo Ministério da Saúde, nesse sábado, 9, o país contabilizou mais 126 casos, dos quais 124 correspondem a pessoas que chegaram do Brasil e estão em albergues. O total de casos confirmados no Paraguai é de 689, boa parte importada do território brasileiro. 

Como medida profilática, o Paraguai instalou 45 albergues em diferentes cidades para receber os repatriados, 15 deles destinados a quem testa positivo para a doença – os chamados albergues covid-19. 

Quando têm sorte, paraguaios são encaminhados para abrigos. Ao contrário, precisam dormir ao relento, na Ponte da Amizade – Foto Paulo Lisboa

Quando estão na Ponte da Amizade, os paraguaios recebem ajuda voluntária de oficiais da Marinha do país, responsáveis pela vigilância do local, e de um grupo de voluntários brasileiros – o Sopão dos Anjos da Madrugada. 

O grupo, Associação dos Amigos do Johnson Anjos da Madrugada, já serviu 4.700 sopas e marmitas para as pessoas que precisam passar a noite na ponte, além de entregar cobertores em noites frias. Como tiveram contato com os paraguaios, os voluntários foram submetidos a testes de covid-19 em uma iniciativa que partiu de jornalistas de Foz do Iguaçu e da Itaipu Binacional, porém nenhum resultado foi positivo para a doença.  

Presidente da associação, Johnson Mateus dos Santos diz que os alimentos servidos são arrecadados de doações feitas pela Ceasa e por meio de auxílios eventuais. Vinte e seis pessoas se voluntariam diretamente na associação e há outros 46 parceiros.

Associação dos Amigos do Johnson Anjos da Madrugada, já serviu 4.700 sopas e marmitas para as pessoas que precisam passar a noite na ponte – Foto: Paulo Lisboa

 

Tensão toma conta de quem está voltando

A Rede de Direitos Humanos de Alto Paraná estima que mais de três mil pessoas retornaram do Brasil via Ponte da Amizade. Membro da rede, Victor Jara informa que a situação está cada vez mais difícil porque um clima hostil está sendo criado no próprio país em relação aos paraguaios que chegam e há um medo generalizado. “Há pessoas pedindo para que os paraguaios não voltem mais, fiquem no Brasil.” 

Por outro lado, os paraguaios confinados nos albergues também vivem uma situação de estresse, pois não recebem informações de quando farão testes e não sabem quem está contaminado, relata. 

Jara diz que é necessário apoio psicológico aos albergados porque há um quadro de tensão constante e inclusive casos de depressão, já que as pessoas querem voltar para casa e ao mesmo tempo temem a reação dos compatriotas. 

A reportagem do H2FOZ conversou por WhatsApp com um paraguaio que retornou de São Paulo, onde trabalhava no setor de costura. Ele pediu para não ter o nome revelado e disse que deixou a capital paulista porque ficou sem emprego em não tinha mais condições de bancar o aluguel. O paraguaio passou três noites na ponte, dormindo no chão só com um cobertor, até ser encaminhado a um albergue. 

Reabertura comércio 

Nesta semana, o ministro da Saúde, Julio Mazzoleni, disse que irá analisar as propostas recebidas de comerciantes e lideranças para a reabertura do comércio fronteiriço, porém adiantou que a situação existente hoje no Brasil não permite pensar em uma abertura rápida em razão do grande risco, principalmente na região de fronteira. “O problema que temos é que a situação do outro lado da ponte não é a mesma que deste lado.” Mazzoleni afirma que o Brasil não chegou ao pico da pandemia, por isso é preciso administrar muito bem a abertura da fronteira. 
 

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