Por que Ciudad del Este, que era a 3ª maior zona franca do mundo, parou no tempo?

Os edifícios comerciais de luxo não escondem a miséria e a sujeira nas ruas malcuidadas

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Por Cláudio Dalla Benetta

Primeiro, vem Miami, meca do consumo mundial, com mais de 12 milhões de visitantes por ano. Depois, Hong Kong, que de uma zona de pescadores nos anos 1960 transformou-se numa das cidades mais ricas do mundo.

Aí, chegamos a Ciudad del Este, que detinha o terceiro lugar das zonas francas, mas traz duas realidades distintas: a do interior das lojas de luxo, com decoração sofisticada, e a das ruas sujas, até com esgoto a céu aberto, milhares de ambulantes e uma população extremamente pobre na periferia, que não se beneficia dos milhões de dólares injetados no comércio.

Ah, sim, "detinha" o terceiro lugar. Parece ter perdido o posto para Colón, no Panamá, que abriga a zona livre de comércio das Américas, que só perderia para Hong Kong, com 2.500 empresas instaladas e um movimento de US$ 30 bilhões por ano, graças à não cobrança de impostos.

Comparação

Uma análise do filósofo Jorge Alcaráz, publicada no. jornal Vanguardia, faz o comparativo entre Miami, Hong Kong e Ciudad del Este, com a pergunta: "No que fracassamos?".

O artigo lembra que, entre 1961 e 1971, o Ministério da Fazenda de Hong Kong, que ainda era colônia britânica, consolidou a segurança jurídica para atrair investidores. Em poucas décadas, tornou-se a zona mais livre do mundo para criar, produzir e comercializar.

A renda per capita de Hong Kong supera US$ 40 mil, a dívida pública é quase zero (0,06%) e a taxa de desemprego não passa de 3%. A esperança de vida ao nascer é de 85 anos.

Mas, no Ocidente, é Miami o epicentro do comércio internacional. Sua zona comercial privada, fundada em 1977, com atrativos fiscais e jurídicos, fez da cidade o centro de operações para a América Latina de mais de 1.400 multinacionais.

Miami recebe, em suas praias, hotéis, congressos, festivais e diversos eventos, mais de 12 milhões de visitantes (o dobro da população do Paraguai, lembra o Vanguardia. E seu comércio vende às toneladas para esses turistas.

É a cidade mais limpa dos Estados Unidos pela qualidade do ar, grandes espaços verdes, águas e ruas limpas, com diversos programas de reciclagem.

E Ciudad del Este? Era considerada a terceira zona mais poderosa do mundo em livre comércio nos anos 1990. E ainda é "respeitável" nesse aspecto. "Todavia, até agora, não teve a mesma sorte que os exemplos citados acima. Está suja, desordenada e em decadência econômica", diz o Vanguardia.

As causas, para o analista (que não publicou o nome), seriam a extrema centralização por Assunção, pouco respeito à propriedade privada e acumulação de poder nas mãos de poucos. 

O artigo termina desejando que Ciudad del Este possa ter outra chance, já que dispõe de muita energia, mão de obra ociosa e criativa, clima agradável, geografia estratégica, água em abundância e até potencial turístico. 

Colón

Lembra que falamos de Colón, no Panamá, que teria ultrapassado Ciudad del Este pela sua zona de livre comércio? Pois um artigo do site Opera Mundi mostra que, fora da zona franca, a cidade vive imersa na pobreza. 

Quase 40% da população, de 90 mil habitantes, vive na extrema miséria, o índice de desemprego é de 30% e mais de um terço dos moradores não têm acesso a água encanada.

O dinheiro da zona franca fica por ali mesmo, dando mais lucro às empresas, que cada vez mais crescem e comercializam. É um "bunker" do dinheiro, que só entra e sai sem passar pelas imediações.

Semelhança

Não lembra nossa vizinha? Além do que foi considerado na análise do Vanguardia, há outros fatores que fazem de Ciudad del Este o que é: um centro comercial terceiro-mundista com grifes famosas do mundo inteiro cercadas pela miséria, desemprego e sujeira, muita sujeira. Inclusive sujeira política.

Mas por que, se movimenta tanto dinheiro com as vendas (deixemos de lado o dinheiro amealhado pelo crime organizado, pelo contrabando de todo tipo e pela lavagem de dinheiro), Ciudad del Este tem uma infraestrutura caótica, com cabos de energia, de internet e telefone que se misturam de forma perigosa até em frente a luxuosos shoppings? Por que há tantos ambulantes e por que tantos moradores precisam vir a Foz do Iguaçu para vender nas esquinas ou – o que é pior – pedir esmolas?

Pra onde vai esse dinheiro? Mesmo que a taxa de impostos seja baixa, as vendas são tão elevadas que representariam recursos vultosos para a administração pública. No entanto o comércio rende pouco, migalhas.

A explicação está na sonegação pura e simples, aliada a subornos de autoridades, que assim fazem vistas grossas a carregamentos que valeriam milhões de dólares e passam como se fossem de milhares. 

Contabilidade criativa

Muitas casas de comércio de porte têm sistemas de contabilidade criativos. Um produto adquirido por US$ 100 aparece na nota de compra da loja como se tivesse custado US$ 10, esquema já acertado com o importador. Na hora de vender, o preço ao consumidor é US$ 150, mas na contabilidade criativa vai aparecer como US$ 15, para o fisco. Paga-se, portanto, o imposto de 6% apenas sobre a diferença, isto é, sobre US$ 5. 

E todo o lucro da operação de compra e venda, isto é, os US$ 45 do exemplo? Soma-se ao lucro de todas as operações, forma um bolo de dinheiro considerável e, a partir dali, entra no processo de lavagem. Vai acabar num paraíso fiscal. Ciudad del Este fica com a ninharia.

O pior é que qualquer um que conhece o comércio de Ciudad del Este sabe disso. Alguém toma providências? É aí que entra a corrupção.

A corrupção não foi inventada pelos paraguaios. Nós, aqui no Brasil, sabemos bem o que é isso. O problema, em Ciudad del Este, é que ela é favorecida pelos grandes volumes importados, a enorme procura por brasileiros e até argentinos e, principalmente, por uma expertise do crime que já atende ao crime organizado de outros países. Inclusive e principalmente do Brasil.

Não é por acaso que o "doleiro dos doleiros" (ainda foragido) Dario Messer seja um brasileiro que se naturalizou paraguaio e ajudou doleiros do Brasil a juntar a dinheirama que formou o propinoduto localizado pelas várias fases da Lava Jato.

Isso explica tudo. Há solução para Ciudad del Este? Talvez se adotar o rigor das leis de Hong Kong, por exemplo. Ou mesmo de Miami, onde certamente também há corrupção, mas em menor nível, e que, quando descoberta, azar de quem a cometeu. 

Que os impostos sejam baixos é uma virtude no Paraguai. Mas que mesmo este imposto baixo seja sonegado, aí já é uma situação que parece coisa da máfia (por sinal, Al Capone foi preso por sonegação, já que não se conseguia prendê-lo pelos outros crimes, inclusive assassinatos. E a pena foi pesada).

Fontes: citadas ao longo do texto

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