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Galhos, cortes, cicatrizes e paracetamol

A cidade que abriga um dos maiores monumentos naturais do mundo poderia ser um modelo de sustentabilidade, mas caminha na contramão.

3 min de leitura
Galhos, cortes, cicatrizes e paracetamol
A preferência pelo corte de árvores ao invés da poda e manutenção responsável é uma realidade em Foz do Iguaçu.

Por Danielle Araújo | OPINIÃO

A sonoridade matutina de uma das principais ruas do centro já não é mais a mesma. A comunidade de pássaros e a sombra frondosa de uma árvore, que protegiam um prédio e os carros do sol, desapareceu bruscamente. Os motivos do corte da árvore não se sabem. A árvore em questão não apresentava sinais de doença, debilidade ou perigo; ainda assim, não escapou da lâmina faminta da motosserra.

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Realidades como essa multiplicam-se em Foz do Iguaçu com uma velocidade assustadora. Para governantes e empresários que defendem o desenvolvimento sem agressão ambiental, não há dúvidas de que Foz é um péssimo exemplo. É difícil traduzir o que passa na mente do empresariado do setor de turismo local, das autoridades e de todos aqueles que poderiam, de alguma forma, frear essa sede de concreto, que alguns chamam de progresso.

Na Rodovia da Cataratas a obra de duplicação segue a todo vapor com a implantação de viadutos e pontes, e o indispensável asfalto. É uma obra típica dos anos 60 e 70, quando a voracidade do capital se associou ao autoritarismo dos militares para desbravar fronteiras.

Mas estamos em 2024, e as necessidades humanas e do planeta são outras. Em todas as matérias e informações sobre a duplicação da rodovia, observo maquetes e imagens asfálticas, mas nunca foi citado que poderia ser uma rodovia sustentável, que o asfalto poderia e deveria ser aposentado.

A cidade que abriga um dos maiores monumentos naturais do mundo – as Cataratas do Iguaçu, poderia ser um modelo de sustentabilidade, mas caminha na contramão em vias asfaltadas e sobre viadutos, faz um percurso contrário às prioridades mundiais.

É imaginável a frustração dos turistas internacionais que buscam a terra das Cataratas, um dos maiores monumentos naturais do mundo, que atrai pessoas de todo o planeta, e ao chegar na cidade têm que levar no pacote a visita a atrativos “hollywoodianos”. “Símbolos tão emblemáticos em nossa região”! Com o passar dos anos, a cidade de antes vai se tornando gloriosa, enquanto a atual, com suas obras, rodovias, viadutos etc., corre para o passado.

As Cataratas do Iguaçu, talvez fosse melhor dizer, Waterfalls of Iguassu estão cada vez mais sitiadas na lógica predadora desse tipo de turismo, que ignora os valores e saberes locais e prefere copiar as fachadas de Miami.

As obras de duplicação da Rodovia das Cataratas são um recurso público estadual e federal que beneficia principalmente os magnatas do turismo e o empresariado local; antes mesmo de sua conclusão, já é visível a multiplicação de condomínios ultra fechados, hotéis e atrativos turísticos cuja temática destoa e agride a cultura local.

O que certamente essas pessoas não percebem é que, mais do que o equívoco e o crime ambiental violento, estão construindo uma paisagem grotesca que beira o ridículo. Paralelamente a tudo isso, a especulação imobiliária avança em toda cidade.

Um fato curioso é observar que na mesma proporção dos crimes ambientais, nas esquinas da cidade brotam farmácias numa espécie de encruzilhada medicamentosa, onde galhos, cortes, cicatrizes e paracetamol são apenas sinais dos tempos de nossas sociedades adoecidas.

Danielle Araújo é antropóloga e docente da UNILA (Universidade Federal da Integração Latino-Americana).

Este texto é de responsabilidade do autor/da autora e não reflete necessariamente a opinião do H2FOZ.

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