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O que é Axiologia?

Professor Caverna convida Marcos Gabriel Tragueta para refletir sobre o que é Axiologia

12 min de leitura
O que é Axiologia?

Por Marcos Gabriel Tragueta

O conceito de valor está presente em praticamente todas as dimensões da existência humana. Do ponto de vista da taxologia, existe por aí, uma grande quantidade de classes de valor, por exemplo: valores familiares; éticos; espirituais; ambientais; políticos; econômicos, entre outros. É muito comum, ouvir a afirmação de que “a saúde vale mais do que o dinheiro”, ou, “o tempo é o bem mais precioso”. Mas o que significa dizer que algo “tem valor”?

De onde surge esse juízo crítico avaliativo? O valor é algo objetivo, intrínseco à realidade, ou é apenas uma projeção subjetiva da consciência? Além disso, os valores adotados pelas pessoas são universais e originais? Ou seriam construções institucionalizadas, apropriadas pelos indivíduos como formas de autodeterminação?

Responder a essas perguntas faz parte do escopo da Axiologia, o ramo da Filosofia que se dedica ao estudo teórico e prático dos valores. Ao contrário do que o senso comum possa imaginar, o valor não é um conceito meramente utilitário ou sentimental. Trata-se de uma categoria filosófica e científica complexa e estruturante da vida humana. Etimologicamente, o termo axiologia que combina dois radicais gregos, embora popularizado por autores como Paul Lapie (1902), seu uso sistemático em filosofia é frequentemente atribuído a pensadores neokantianos com oWilhelm Windelband, na década de 1890.

O prefixo axio deriva do idioma Grego, axío, “valor; digno de ser estimado”. O elemento de composição logia provém do idioma Grego, lógos, “Ciência; Arte; tratado; exposição cabal; tratamento sistemático de um tema”. 1.1A Valoração como Fenômeno Humano Fundamental Antes mesmo de formular uma teoria, o ser humano valoriza. Ele escolhe, rejeita, prefere, estima, repudia.

Esses atos de valoração não são periféricos, são constitutivos da existência consciente. Ninguém vive sem operar com valores, mesmo que não o faça de modo explícito, lúcido, consciente ou racionalizado. Desde a infância, valores são ensinados e manifestados em todos os contextos da vida humana, tais quais: familiares, religiosos, culturais, regionais, políticos e ideológicos. Valores como: obediência, coragem, esforço, solidariedade; ou, em contrapartida, da esperteza, da competição, da aparência, submissão; são assimilados por repetição e imitação. Eventualmente, ao longo do tempo, os valores adquiridos por mimetismo, imposição ou pela própria vontade, podem ser criticados, ressignificados ou mantidos com mais consciência.

É nesse ponto que a Axiologia se torna relevante: ela não apenas descreve quais valores estão presentes em determinada cultura ou pessoa, mas interroga sua origem, validade, estrutura e hierarquia. Enquanto a Sociologia pode mapear os valores de uma sociedade e a Psicologia pode investigar como esses valores moldam a personalidade, cabe à Axiologia perguntar: Esse valor é legítimo? É universal ou relativo? É superior ou inferior? Tem fundamento racional, afetivo ou ontológico?

Quem criou este valor? Qual a etimologia da palavra que o identifica? Quais são as instituições ou grupos de indivíduos que sustentam tais valores? Estes indivíduos vivenciam, de fato, os valores, ou apenas falam sobre eles de forma romantizada? 1.2Um campo filosófico transversal A reflexão sobre os valores, durante séculos, esteve diluída em outros ramos da filosofia, em especial na Ética e na Estética.

Na Grécia antiga, embora o termo “valor” ainda não fosse utilizado com a acepção moderna, já se discutiam princípios próximos: Em A República [1], Platão apresenta a Ideia do Bem Supremo ou to aghatón como princípio máximo que ilumina todas as outras Ideias, comparando-o ao Sol que dá vida e visibilidade ao mundo sensível.

Embora não utilize o termo “valor”, Platão já antecipa a noção de um fundamento universal e normativo: é do Bem que derivam a justiça, a verdade, a beleza e demais virtudes. Assim como os valores, o Bem fornece critério, hierarquia e finalidade às ações humanas, orientando escolhas e dando sentido à vida. Por isso, associar o Bem Supremo aos valores significa reconhecer em Platão um precursor da axiologia, pois sua concepção do Bem cumpre a mesma função que os valores exerceriam na filosofia moderna — ser referência objetiva para avaliar e guiar a existência.

Em Ética a Nicômaco [2], Aristóteles estabelece a eudaimonía como o fim último e o bem supremo da vida humana, alcançado pela prática da areté (virtude), entendida como excelência moral e racional. Para ele, viver bem significa realizar o potencial humano de forma equilibrada, guiando as ações pela razão e pela busca do meio-termo entre os extremos. Nesse sentido, a eudaimonía pode ser associada diretamente à noção de valores, pois ela fornece o critério pelo qual avaliamos a qualidade da vida e das escolhas: não basta possuir virtudes em teoria, é preciso praticá-las de modo a produzir uma existência plena e significativa.

Assim, vincular a eudaimonía aos valores permite compreender que, em Aristóteles, o valor não é apenas algo contemplado, mas algo vivido — uma medida prática e objetiva para orientar a conduta humana rumo à felicidade como realização integral. Contudo, somente no final do século XIX, com autores neokantianos e filósofos como Eduard von Hartmann, o termo “axiologia” começou a ser usado sistematicamente para designar o estudo dos valores como categoria distinta [3].

Franz Brentano abriu caminho ao explorar como os juízos de valor se relacionam com atos psíquicos intencionais, entendendo valores intrínsecos como ligados a estados conscientes. Em outras palavras, mostrou que os valores estão ligados aos nossos pensamentos e sentimentos: por exemplo, quando julgamos que algo é bom ou ruim, isso não é só uma opinião qualquer, mas faz parte do funcionamento da nossa mente [4].

Max Scheler, por sua vez, defendeu que os valores existem de forma independente das preferências individuais. Para ele, podemos perceber os valores por meio das nossas emoções — como quando sentimos que algo é justo, belo ou sagrado — e esses valores seguem uma ordem hierárquica: primeiro os mais básicos (prazer e dor), depois os vitais (saúde, força), em seguida os espirituais (verdade, beleza, justiça) e, por fim, os religiosos (o sagrado) [5].

Nicolai Hartmann aprofundou essa perspectiva, propondo uma verdadeira ontologia dos valores. Para ele, os valores pertencem a um plano de existência ideal, independente da subjetividade humana, mas só encontram realização concreta por meio da ação.

Desse modo, complementa e amplia a visão de Scheler: enquanto este destacou a possibilidade de captar a objetividade dos valores pela via da intuição afetiva, Hartmann buscou mostrar sua estrutura ontológica, articulando o espaço entre o ser ideal dos valores e a efetividade prática de sua realização [6].

As elaborações de Scheler e Hartmann mostram que, mesmo defendendo a objetividade do valor, sua manifestação concreta só se dá através da ação humana e de sua interpretação, que passa inevitavelmente pelo crivo da subjetividade e da intersubjetividade, podendo exibir características únicas, principalmente quando se trata de valores universais.

A Axiologia, portanto, situa-se entre várias áreas do saber filosófico. Ela está na raiz da Ética, ao fundamentar os critérios de certo e errado. Está no cerne da Estética, ao discutir o que torna algo belo, sublime ou significativo. Está presente na Filosofia Política, ao sustentar valores como liberdade, igualdade e justiça.

E se insinua na Metafísica, quando se indaga se há valores universais absolutos, como a benevolência, conhecimento, cooperação, gratidão, ou se tudo é relativo à cultura e à subjetividade. 1.3 Exemplos e paradoxos da valoração No cotidiano, as valorações aparecem de forma difusa. Quando alguém escolhe sacrificar horas de lazer para cuidar de um parente doente, está praticando valores, como: cuidado, estima, amor, companheirismo, compaixão ao invés de descaço, negligência ou ruindade.

Um jornalista que se recusa a manipular informações pode estar orientado pelos valores da verdade, justiça e ordem, mesmo diante de pressões econômicas, políticas ou de outra natureza. Um estudante que prefere desistir de uma carreira lucrativa para seguir uma vocação artística pode estar respondendo ao chamado de um valor existencial mais íntimo e profundo. Esses exemplos demonstram que a valoração é, muitas vezes, conflitiva. Os valores entram em colisão: liberdade versus segurança, lealdade versus justiça, honestidade versus compaixão.

A Ética tradicional tentou criar princípios universais para resolver esses conflitos, mas a Axiologia permite compreender que, muitas vezes, os valores estão em diferentes planos e não se reduzem a regras fixas. É nesse ponto que surge a pergunta: os valores são objetivos — existem independentemente das preferências humanas — ou são subjetivos, frutos da experiência individual e coletiva? Essa é uma das grandes controvérsias filosóficas do campo. Immanuel Kant, em sua Fundamentação da Metafísica dos Costumes, defendeu que a dignidade humana é um valor absoluto, não relativo, e que deve ser respeitada em todas as circunstâncias [6].

Ele argumenta que os seres racionais, ou pessoas, são fins em si mesmos e não possuem um valor meramente relativo (um preço), como as coisas, mas sim um valor intrínseco, que ele denomina dignidade. Este valor impõe um respeito incondicional. Já Friedrich Nietzsche, ao analisar a origem dos valores morais, concluiu que muitos deles foram historicamente construídos por ressentimento e servem para enfraquecer o impulso vital.

Ele propôs uma “transvaloração de todos os valores” [7], sugerindo que os antigos critérios de bem e mal precisariam ser revistos à luz de uma nova ética afirmativa e criadora. Ele argumenta que a moralidade judaico-cristã (a “moral de rebanho”) nasceu da fraqueza e do ressentimento dos oprimidos contra os nobres e poderosos, invertendo os valores aristocráticos originais. A “transvaloração de todos os valores” (Umwertung aller Werte) é o projeto filosófico que Nietzsche propõe para superar essa moralidade decadente e criar valores que afirmem a vida, a vontade de potência e a criatividade.

Entre esses dois polos – a objetividade kantiana e a desconstrução nietzschiana – situam-se uma gama de teorias intermediárias que procuram entender o valor como fruto de uma complexa interação entre disposições humanas universais e construções culturais particulares. Essa tensão entre valores “descobertos” e valores “inventados” percorre toda a história da Axiologia. Para uns, os valores têm fundamento racional ou espiritual. Para outros, são expressões emocionais, culturais ou utilitárias. 1.4A consciência como instância valorativa A consciência humana não apenas percebe o mundo — ela o interpreta e valoriza.

Toda percepção é, em algum nível, seletiva e orientada por valores. O que se escolhe ver, ignorar, destacar ou defender revela o sistema valorativo que estrutura o olhar. José Ortega y Gasset dizia que “o homem é ele e sua circunstância”, mas também insistia que ele vive projetado para o futuro por meio dos valores que abraça [8]. Em outras palavras, o valor funciona como bússola: orienta o rumo existencial. Aquele que valoriza o conhecimento, por exemplo, tende a buscar ambientes intelectualmente estimulantes; quem valoriza o status, por sua vez, pode priorizar reconhecimento social. Por isso, o estudo da Axiologia não é apenas especulativo: é também transformador.

Ele permite que a pessoa se torne consciente dos valores que a guiam e, eventualmente, os reavalie. Trata-se de sair do automatismo e assumir responsabilidade pelas escolhas valorativas. 1.5 A Axiologia no século XXI A contemporaneidade desafia a reflexão axiológica. Em um mundo globalizado, multicultural e hiperconectado, os sistemas de valores se confrontam com mais frequência e intensidade.

O que é justo para uma cultura pode ser visto como opressivo em outra. O que é belo para um grupo pode soar ofensivo para outro. Essa diversidade exige novas ferramentas filosóficas, capazes de lidar com conflitos de valores sem apelar para o relativismo total ou para dogmatismos inflexíveis.

Além disso, surgem novos contextos valorativos: – Como lidar com os dilemas éticos da inteligência artificial? – Que valores devem orientar a sustentabilidade planetária? – É possível uma ética global que respeite a diversidade e garanta direitos fundamentais? A Axiologia está, assim, no centro dos debates mais urgentes da atualidade. Mas não apenas no plano coletivo: ela também é crucial para o desenvolvimento pessoal. Uma vida coerente com os próprios valores tende a ser mais autêntica, lúcida e significativa. Conforme o pensamento de Louis Lavelle, pensar é sempre valorar [9]. E valorizar é, em última instância, escolher como viver.

AUTOR: Marcos Gabriel Tragueta
Email: traguetafoz@gmail.com
Instagram: @traguetamarcos

Convite Especial: Café Filosófico

Reflexões para Pais e Filhos


Prezadas famílias!
Temos o prazer de convidá-los para o V Café Filosófico, um encontro especial onde pais e filhos poderão compartilhar um momento de reflexão e diálogo sobre os dilemas da vida.


Em um mundo repleto de desafios e mudanças constantes, criar espaços para conversas significativas fortalece os laços familiares e amplia nossa visão de mundo. Neste evento, vamos explorar juntos questões que nos fazem pensar, crescer e nos conectar de maneira mais profunda.


Por que participar?
✔ Fortaleça a relação com seu filho(a) por meio do diálogo
✔ Reflita sobre valores, escolhas e desafios da vida
✔ Compartilhe ideias em um ambiente acolhedor e inspirador

Data e local: Zeppelin

Contaremos com um ambiente descontraído e um delicioso café para tornar este momento ainda mais especial!
Venha viver essa experiência enriquecedora conosco! Sua presença fará toda a diferença.
Esperamos você e sua família!

Ingressos para o V Café Filosófico:

https://cafefilosoficoo.lojavirtualnuvem.com.br/produtos/1-lote-ingressos

Comunidade do “Café Filosófico” no WHATSAPP:

https://chat.whatsapp.com/Ewehn3zxEBr6U0z96uZllP

Obs. Caro leitor, o objetivo aqui é estimular a sua reflexão filosófica, nada mais! mais nada!

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    Professor Caverna

    Caverna é professor de Filosofia, criador de conteúdo digital e coordenador do projeto “Café Filosófico” em Foz do Iguaçu.