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Em Foz do Iguaçu, escritor José Eduardo Agualusa reflete sobre o apagamento

Considerado um dos nomes mais influentes da literatura africana, Agualusa participou de eventos e bateu um papo exclusivo com o H2FOZ.

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Em Foz do Iguaçu, escritor José Eduardo Agualusa reflete sobre o apagamento
Na Feira do Livro, Agualusa participou de mesa de debate com a escritora paranaense Giovana Madalosso (ao centro), medidado por Tatjane Garcia. Foto: Yu Shen Shien

A edição desta semana da Carta ao Leitor está um pouco diferente. Afinal, não é todo dia que se tem a oportunidade de dialogar com nomes como José Eduardo Agualusa, escritor angolano, uma das vozes mais influentes da literatura africana em português.

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Agualusa esteve em Foz do Iguaçu para participar, nesse sábado (15), de uma das mesas de debate da 20.ª Feira Internacional do Livro. Antes, conversou com leitores em uma instituição de ensino da cidade e recebeu o H2FOZ para um bate-papo.

Autor de obras marcantes como O Vendedor de Passados (adaptada para o cinema) e Teoria Geral do Esquecimento, Agualusa é um dos finalistas do Prêmio Oceanos 2025, por seu romance Mestre dos Batuques.

Admirador das múltiplas identidades, o escritor ficou surpreso ao saber que há um mito guarani chamado Pombero na região trinacional. Em Angola, o termo “pombeirocostuma estar associado a comerciantes que percorriam longas distâncias no interior africano.

Agualusa também contou sobre seu processo de escrita, destacando que aquilo que costuma ser rotulado como “realismo mágico”, muitas vezes, faz parte do dia a dia. “Esse maravilhoso é algo que circula pela vida das pessoas”, apontou.

“Sou um ficcionista movido a poesia, leio muita poesia enquanto escrevo. […] Há quem faça toda a estrutura do romance antes de escrevê-lo. Eu não. Eu escrevo para saber o que vai acontecer, como faz o leitor quando está lendo”, revelou Agualusa.

Confira, abaixo, um trecho da conversa exclusiva com o H2FOZ:

H2FOZ: É sua primeira vez em Foz do Iguaçu, para participar de eventos. Deu tempo para conhecer algo da cidade?

Agualusa: Sim, tenho estado a dar umas voltinhas aí sozinho, dar um passeiozinho para perceber a cidade. Não se pode dizer que dá para conhecer, dá para ter uma ideia.

H2FOZ: Você é um escritor angolano, que vive em Moçambique, tem carreira em Portugal e está sempre presente aqui no Brasil. Como é escrever para leitores que falam a mesma língua, mas que estão em lugares tão diferentes?

Agualusa: É mais do que isso, porque tenho também leitores fora do espaço da língua portuguesa. Eu acho que a maior parte dos escritores africanos são tradutores de línguas, tradutores de mundos, porque precisam de traduzir as suas realidades, que são muito específicas, para um público mais vasto, uma vez que os nossos leitores, regra geral, não estão nos nossos países, estão fora.

Eu acho que isso, aliás, é uma das razões da vitalidade das literaturas africanas, porque os escritores africanos acabaram por ter de criar estratégias literárias para fazer isso.

Quando eu escrevo um livro, estou a pensar que será lido por um público mais vasto do que apenas os leitores angolanos. Mesmo dentro de Angola, que é um país, como qualquer outro país da África, tão complexo, se eu falo numa realidade mais específica… Por exemplo, o meu penúltimo romance, o Mestre dos Batuques, que é sobre o Reino do Bailundo, eu também tenho que traduzir essa realidade para o leitor de Luanda.

H2FOZ: Em Mestre dos Batuques, há uma personagem filha de um comerciante negro que enriqueceu com o café brasileiro. Isso, de certa forma, resgata a ligação histórica muito próxima entre Luanda, capital de Angola, e o Brasil? Como é abordar esse laço que, para muitos brasileiros, pode não ser tão evidente?

Agualusa: A ligação entre o Brasil e Angola é muito mais profunda do que aquilo que os brasileiros imaginam. Os brasileiros pensam sempre na questão das pessoas escravizadas que vieram para cá, mas foi muito mais profundo do que isso.

Outro dia descobri que ainda no século 19 o Brasil teve um ministro da Justiça angolano, nascido em Luanda, de uma família muito importante de Luanda, os Matoso da Câmara, que depois vieram para cá e deram origem a uma família brasileira.

[Nota da Redação: Eusébio de Queirós Coutinho Matoso da Câmara, ministro da Justiça do Brasil entre 1848 e 1852]

Então, essa relação é muito mais profunda. Quando os holandeses tomaram Luanda, quem foi libertar Luanda do domínio holandês foi uma armada brasileira, com negros do Henrique Dias e tropas indígenas do Filipe Camarão.

H2FOZ: Em sua última coluna no jornal O Globo, você fala da “cartografia do apagamento”, os mapas e registros feitos pelos vencedores. Em Foz do Iguaçu nós temos um caso: o espanhol Alvar Núñez Cabeza de Vaca é o “descobridor” das Cataratas, mas pouco se fala dos povos que aqui já viviam e dos indígenas que o guiaram pelo caminho. O que é preciso fazer para reverter esses apagamentos?

Agualusa: É mesmo escutar as pessoas, porque mesmo estas versões sobreviveram, os ecos delas estão aí, sobreviveram. Você tem que encontrar as pessoas certas, os documentos para as registrar. Mas é importante fazer esse trabalho.

Gostou do bate-papo? Siga o autor no Instagram: @agualusa. E siga também o @h2foz, com notícias de Foz do Iguaçu e região trinacional de fronteira.

Obrigado pela leitura e ótimo domingo!

Guilherme Wojciechowski colabora diariamente com o H2FOZ e redige, aos domingos, a edição semanal da Carta ao Leitor, publicada no portal e enviada aos assinantes das newsletters (cadastre seu e-mail abaixo, de graça).

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    Guilherme Wojciechowski

    Guilherme Wojciechowski é colaborador do H2FOZ desde 2021. Acompanha o noticiário da fronteira há duas décadas e cobre editorias como Paraguai, Argentina, Turismo, Esporte, Cultura e Segurança Pública.