Reconhecida pela Fundação Cultural Palmares como primeiro quilombo de Foz do Iguaçu, a horta do seu Zé e da dona Laíde, situada na Vila C, está sob ameaça de reintegração de posse por parte da Prefeitura de Foz do Iguaçu.
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O processo, conduzido pela Procuradoria do Município, está na 2.ª Vara de Foz do Iguaçu e atualmente tramita na Comissão de Soluções Fundiárias do Tribunal de Justiça – TJ-PR.
Após o reconhecimento como quilombo, em novembro do ano passado, a área aguarda a demarcação por parte do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
A Defensoria Pública do Paraná, por meio do Núcleo Itinerante das Questões Fundiárias e Urbanísticas (Nufurb), pede pagamento de danos morais com indenização de R$ 10 milhões em prol da família que vive na área em razão do pedido de reintegração.
Defensor público e coordenador do Nufurb, João Victor Rozatti Longhi diz que o órgão já acompanha o processo há alguns anos, por tratar-se de uma ocupação.
Ele explica que as pessoas que haviam ocupado a área foram contempladas com planos de realocação. No entanto, uma delas voltou para o local porque era ocupante pioneira.

Estudo constata raízes quilombolas
A partir de pesquisas feitas pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), foi constatado que as pessoas da área eram remanescentes do Quilombo Apepu, situado em São Miguel do Iguaçu.
“Infelizmente, o município de Foz do Iguaçu, apesar de tentativas de mediação, acabou por determinado momento requerer o retorno dos autos para cumprimento de reintegração de posse”, frisa Longhi.
Mediante o processo de reintegração de posse, a defensoria — que já havia feito uma defesa em relação aos direitos fundamentais da população remanescente quilombola — está pedindo a indenização referente a danos morais coletivos e individuais para os ocupantes e familiares.
Segundo Longhi, um eventual cumprimento de reintegração de posse representa uma violação muito grave dos direitos fundamentais em razão da proteção constitucional dos remanescentes de quilombos e da natureza dessa proteção.
O defensor aguarda uma solução para a permanência das pessoas no local e lembra o reconhecimento pleno de todos os direitos individuais e coletivos como remanescentes de quilombo.
Localizada na bacia do Córrego Brasília, a horta existe há mais de 35 anos e é moradia da família Santos, que mantém tradições culturais e simbólicas adquiridas no Apepu. O quilombo atende a comunidade escolar e recebe visita de estudantes com agendamento prévio.
Também é referência no cuidado com o meio ambiente e produção de hortaliças e legumes orgânicos.
Nascido em 1941, o patriarca, José João dos Santos, conhecido por seu Zé, faleceu em 2015. Seu legado, porém, teve continuidade com a esposa, Laíde Rufino dos Santos, de 80 anos.
Tratativas com prefeitura tiveram retrocesso
Professora da Unila e responsável pelos estudos relativos à comunidade, Cecília Angileli informa que há um diálogo estabelecido com a prefeitura há alguns anos para permanência das famílias.
A conversa também passa pela mudança da caracterização da área de proteção integral para reserva de desenvolvimento sustentável na qual é possível a permanência de povos tradicionais.
As tratativas com a prefeitura estavam em estágio avançado até que recentemente a Procuradoria do Município solicitou o despejo. “Essa situação desconsidera toda mediação feita inclusive com várias estruturas da própria prefeitura.” Para ela, houve um retrocesso na mediação.
A professor explica que a Procuradoria do Município não considera a comunidade como tradicional nem a certificação da Fundação Cultural Palmares.
A permanência da comunidade no local foi acordada em 2024, em reunião de mediação realizada pela Comissão de Conflitos Fundiários do Tribunal de Justiça do Paraná, com representantes da comunidade, da Unila, do Governo do Estado do Paraná e da Procuradoria do Município de Foz.
O que diz o município
Em nota enviada à reportagem, o município forneceu a seguinte resposta.
A Prefeitura de Foz do Iguaçu esclarece que, por meio de uma iniciativa da administração municipal em conjunto com a Itaipu, foram realocadas 25 famílias, que moravam na área onde está localizado o Quilombo da Laíde, para novas casas populares.
Permaneceram na área oito famílias, contra as quais foi ajuizada reintegração de posse pelo município em agosto de 2018.
O processo foi encaminhado para a Comissão de Soluções Fundiárias do TJ-PR. A Unila apresentou certidão declaratória de área quilombola.
A Defensoria Pública requereu pagamento de danos morais aos moradores. No momento, o município aguarda intimação para responder ao pedido da Defensoria Pública nos autos.