Quem disse que a Forbes disse que Ciudad del Este é 3ª maior zona franca do mundo?

Não passa de lenda, diz pesquisador da Unila. Mas lenda que virou citação de jornalistas e acadêmicos.

Apoie! Siga-nos no Google News

Cláudio Dalla Benetta

Nunca houve um artigo na revista Forbes, em 1994 ou 1996 (depende de quem usa os dados), referindo-se a Ciudad del Este, no Paraguai, como “a terceira zona franca” ou “a terceira cidade do mundo em movimento comercial”, atrás apenas de Miami e Hong Kong.

E, no entanto, esse dado é citado por acadêmicos e jornalistas, diz o professor adjunto Micael Alvino da Silva, da Unila. Doutor pela USP e coordenador do Grupo de Pesquisa Tríplice Fronteira e Relações Internacionais, Alvino da Silva publicou na revista 100fronteiras o artigo “O mito da terceira zona franca do mundo”.

Mito, apenas isso, sem base na realidade. Ele pediu a uma pesquisadora que faz estágio na Columbia University para consultar as palavras-chave no acervo da Forbes sobre esta lenda. E, é claro, o resultado foi “nenhum registro”.

O professor Micael Alvino da Silva vai além. Segundo ele, “poucos que fazem a referência se dedicam a refletir sobre o que isso significa. Por exemplo: o que é uma zona franca? Ciudad del Este é uma zona franca? Por que uma cidade do Paraguai é comparada a uma cidade dos Estados Unidos e outra da China?”

De qualquer forma, a lenda firmou-se. Está, por exemplo, na Wikipedia em português, que cita a Forbes. Mas, curiosamente, não é a mesma versão em inglês da enciclopédia on line, que não cita o artigo, o que já deveria dar uma boa pista pra quem quer saber se é realidade ou não a história.

Hong Kong

A citação sobre a Forbes aparece até num artigo recente do jornalista e professor da Universidade Chinesa de Hong Kong, Simon Chen, que visitou Ciudad del Este no ano passado.

No artigo, ele cita que, “em determinado momento, a Forbes classificou Ciudad del Este, Miami e Hong Kong como os três maiores entrepostos do mundo”. Pois é.

Chen lembra que Ciudad del Este “começou a decolar nas décadas de 1970 e 1980, quando o governo (paraguaio) embarcou no projeto da Usina de Itaipu, que hoje é frequentemente chamada de uma das sete maravilhas do mundo moderno feitas pelo homem”.

Em Ciudad del Este, diz o pesquisador, as moedas estrangeiras funcionam como meio de troca, junto com o guarani. Não há praticamente impostos. Ciudad del Este cresceu e se desenvolveu.

O lado negativo é que “uma das conseqüências não intencionais dessa política de livre mercado é que ela deu origem a um florescente mercado negro e a uma vizinhança violenta, na qual o contrabando, o comércio de produtos falsificados, de drogas, de armas e até mesmo o tráfico de pessoas se tornaram tão desenfreados quanto alguém pode imaginar”.

E mais: “Por último, mas não menos importante, Ciudad del Este é também um paraíso fiscal famoso ou infame na América do Sul, trazendo dezenas de bilhões de dólares em renda externa ao governo paraguaio todos os anos”.

Doutorado

O professor carioca Fernando Rabossi, em tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, também se debruçou sobre Ciudad del Este. Sua tese, apresentada em 2004, tinha o título de “Nas ruas de Ciudad del Este: vidas e vendas num mercado de fronteira”.

Na tese, ele também se refere ao artigo da Forbes, que teria sido pubicado em 1994. Mas afirma: “Não encontrei o artigo e nunca vi citado o seu número ou os dados precisos”.

O lendário artigo informava que, com um movimento comercial equivalente a US$ 12 bilhões, Ciudad del Este ficava atrás, em 1994, apenas de Miami e Hong Kong.

O professor pesquisou os dados daquela época. Chegou à conclusão de que há várias informações desencontradas. Por exemplo, que em 1995 Ciudad del Este movimentava cerca de US$ 15 bilhões, o que a transformaria de fato na terceira maior cidade do mundo em movimento comercial, atrás de Miami e Hong Kong. 

Esse número era baseado em informações de funcionários paraguaios. Já a Receita Federal do Brasil, para aquele mesmo ano, estimava um movimento de US$ 5 bilhões, “sensivelmente menor, mas não por isso menos importante”.

Por sua vez, o economista paraguaio Reinaldo Penner, do Banco Central do Paraguai, baseado em dados produzidos por enquetes do próprio banco e pelo cruzamento de dados declarados pelo Paraguai e pelos países que importam de Ciudad del Este, chegou a um movimento entre US$ 4 bilhões e US$ 4,3 bilhões em 1995, e entre US$ 2,4 bilhões e US$ 2 bilhões, em 1998.

Efeito samba

Uma queda quase pela metade em quatro anos. Mas explica-se. Em 1998, não por acaso, os brasileiros – principais compradores de Ciudad del Este – enfrentavam uma situação difícil na economia, provocada pela crise na Ásia, em 1997, seguida da crise na Rússia, que geraram por aqui o “efeito samba”.

No ano seguinte, o governo brasileiro desistiu de segurar o real, criando a chamada “banda diagonal endógena”. A moeda americana passou de um piso de R$ 1,12 para R$ 1,20, enquanto o teto passou de R$ 1,22 para R$ 1,32. 

Na prática, uma desvalorização do real equivalente a pouco mais de 8%. Não deu certo. Em março, o dólar atingiu o pico de R$ 2,16. 

Outras medidas foram tomadas, como a liberação de flutuação do câmbio e um aumento dos juros. Ao final do ano de 1999, o dólar fechava em R$ 1,78. 

Mas isso é outra história, embora tenha tudo a ver com os altos e baixos de Ciudad del Este, com ou sem a lenda da Forbes.

LEIA TAMBÉM

Comentários estão fechados.