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Religião e ética: é possível fugir do relativismo?

Professor Caverna convida Otávio Luiz Kajevski Junior para refletir sobre Religião

9 min de leitura

Por Otávio Luiz Kajevski Junior

A pergunta sobre a relação entre ética e religião deverá sempre partir de um recorte. Um recorte psicológico, por exemplo, poderia abordar os sentimentos e comportamentos do ser humano em relação a estes dois pontos. Um recorte histórico mostraria relações muito íntimas entre as duas, que poderiam nos deixar escandalizados com algo que, muito embora hoje se reconheça como reprovável e vergonhoso, era aceito em uma certa época. Deixo à imaginação do leitor os possíveis exemplos. Um recorte por assim dizer geográfico seria igualmente possível: estaríamos às voltas com o multiculturalismo. Aqui o leitor pode pensar se não há culturas em que as pessoas não comem carnes que ele come, ou se as roupas que utiliza não seriam inadequadas em alguma outra cultura, para dar apenas dois exemplos.

Um recorte que podemos propor, entretanto, e que exige menos conhecimentos gerais e mais capacidade de reflexão, é o recorte filosófico.
Embora o conceito de religiosidade seja bastante amplo, podemos pegar um aspecto da religião que tem grande alcance cultural, no tempo e no espaço: a crença em “algo maior”, isto é, em algo mais forte e poderoso que nós, humanos, e que pode interferir na nossa vida, senão mesmo determiná-la desde o seu início; ou por outra, a crença em Deus ou em deuses.

Já a ética é algo que está presente o tempo todo em nosso cotidiano. Jogar lixo na rua, estacionar em locais proibidos, deixar alguém esperando por você ou por algo que você deveria fazer, apossar-se de uma caneta que não é sua… são exemplos de coisas que podem ser consideradas boas ou ruins, ou ainda neutras. É provável que a maioria dos leitores tenha julgado que são coisas ruins, ainda que haja coisas piores, como matar, roubar à mão armada, entre outras. O certo é que nós estamos imersos no mesmo “caldo cultural”, mas não faltará quem queira se pôr um pouco à parte e relativizar alguns desses itens.

Digamos que alguém defenda que atirar uma latinha na rua pode estar ajudando um coletor de material reciclável, ou que em caso de uma urgência médica o errado seria não estacionar no local proibido, ou ainda que matar para defender uma suposta honra é algo aceitável. Seria possível relativizar um pouco sem relativizar tudo? Isto é, sem cair no relativismo? Mas não relativizar não seria de uma rigidez que nem sempre se confirma? Quem mente rouba, e quem rouba mata, como diz a novela das nove?

Voltaire diz que a religião é importante para manter um povo agindo eticamente, o que não quer dizer que ele reconheça na religião o fundamento da ética, mas apenas a motivação de um público específico para agir assim. A frase “Se Deus não existe, tudo é permitido”, de Dostoiévski, pressupõe este fundamento religioso, mas não o prova. É possível ser ético sem ser religioso? E religioso sem ser ético?

Talvez partir de exemplos seja andar a esmo, indo e vindo em argumentos a favor e contra as mais diversas opiniões. Para tentar traçar uma linha reta neste mapa, o que não quer dizer que só por isso vamos nos achar!, podemos partir de algo que os filósofos, muitos deles, gostam bastante de buscar: os fundamentos.

Assim, a ética é a capacidade que o ser humano tem de distinguir o certo e o errado em sentido moral, isto é, o bem e o mal. Mais do que isso, a ética ou moral muitas vezes nos leva à ação antes mesmo de muita elaboração intelectual, é algo espontâneo, mas que ainda assim pode encontrar uma explicação racional a posteriori. Nesta espontaneidade, inclusive, encontram-se possivelmente os erros das pessoas éticas, que agem pensando estar fazendo um bem e depois descobrem que se tratava de um mal. Pode haver, por fim, ao menos em hipótese, pessoas espontaneamente más, que fazem algo mesmo sabendo que é um mal, e às quais chamamos antiéticas ou imorais.

Mas qual o fundamento desta característica humana que é a ética? Por que agimos bem ou mal? Uma das hipóteses é de que se trata de algo genético, o que nos levaria a um recorte psicológico. Outra hipótese é que se trate de algo aprendido: vem de berço, de família, de boa educação. Isso nos situaria mais ou menos em um recorte geográfico/cultural. Mas aí podem surgir os contraexemplos: dois filhos de uma mesma família, com uma mesma criação, um bom e um maldoso, como explicar? Por que os bandidos são enviados para prisões, e não para escolas, já que o bem seria algo que se aprende?

Podemos mencionar rapidamente que há muitas tentativas de se construir uma ética humanista, pragmática, racional, algo na linha do “não faça aos outros o que não quer para si”. Esta linha, contudo, está bastante sujeita à crítica de relativismo. Afinal, o que impede de fazer ao outro o que não se quer para si? Pode ser algo (1) extrínseco, imposto, ou algo (2) mais intrínseco, espontâneo. Hipótese 1: bateu, levou; se fez um mal, receberá uma punição. Hipótese 2: empatia; capacidade de se colocar no lugar do outro. Infelizmente as duas situações estão sujeitas a contingências: pode haver terras sem lei ou pessoas sem empatia. Diante disso, não raro se buscou uma ética que não fosse tão relativa, tão humana e mutável, mas que fosse algo absoluto.

Aqui podemos voltar à pergunta inicial sobre a relação entre ética e religião. Supondo que a religião seja a crença em “algo mais forte e poderoso que nós”, quem sabe um Deus onisciente e onipotente, podemos dizer que Deus é o fundamento da moral, que ele estabelece o que é bom e o que é mal, ao passo que nós apenas procuramos as pistas para seguir essas regras que Deus estabelece. Parece que a religião nos salva do relativismo, não?

Ora, nesta lógica, tudo que é bom é bom porque agrada a Deus. Por que dar comida a quem tem fome? Simples: porque agrada a Deus. Mas, e se Deus “acordasse” um dia de mal humor e decidisse que, a partir daquele momento, o que lhe agrada é que alguém deixe um semelhante passar fome? Aqui o leitor religioso tira da manga um “eu sei que Deus não ia fazer isso”, mas esta cartada esquece um ponto importante: Deus é o único fundamento para que a caridade seja algo bom. Se Deus estabelecesse que o egoísmo é que é bom, então o certo seria ser egoísta.

Este ponto acima ficou conhecido na história da filosofia como o dilema de Eutífron: algo é bom porque agrada a Deus ou agrada a Deus porque é bom? É uma pergunta que Sócrates faz a Eutífron em um Diálogo escrito por Platão.

Mas então podemos dizer que nossa fuga do relativismo acabou, e que o fundamento da ética é a vontade divina? Pensemos no Deus bíblico que pede a Abraão para sacrificar o próprio filho. O final é feliz: um anjo interrompe o profeta e salva a criança. Mas Abraão estava, ao menos aparentemente, disposto a ir até o fim. E o fim em questão seria bom – sempre, que fique claro!, segundo a perspectiva que estamos abordando, qual seja, de um fundamento religioso da moral. Se nos afastamos dessa perspectiva, o fato é que se Abraão fosse às vias de fato, parece que estaria cometendo um mal ao matar seu próprio filho; e à alegação de que foi Deus quem ordenou, os mais ousados diriam que então esse Deus é mal. Neste caso, não caímos de novo no relativismo?

Seria possível pensar em uma ética absoluta que não fosse pautada pela religião? Sim! Ou pelo menos talvez. O alemão Immanuel Kant faz um grande esforço racional para mostrar que o fundamento da ética é o Dever, assim com “d” maiúsculo. Kant afasta a ética pautada em juízos hipotéticos, ou “toma lá, dá cá”, isto é, fazer o bem para receber uma recompensa ou ir para o céu, ou deixar de fazer o mal para fugir de um castigo ou escapar do inferno. Para Kant, deve-se fazer o bem pelo bem, seguindo um juízo categórico. Pensa o seguinte: juízo hipotético seria algo como “devo fazer isso ou aquilo, desde que…”, enquanto o juízo categórico é “devo fazer isso, e pronto”. Mas este já é um outro assunto! Fica como lição de casa para o leitor pensar se essa ética também não enfrentaria problemas…

Convite Especial: Café Filosófico

Reflexões para Pais e Filhos


Prezadas famílias!
Temos o prazer de convidá-los para o V Café Filosófico, um encontro especial onde pais e filhos poderão compartilhar um momento de reflexão e diálogo sobre os dilemas da vida.


Em um mundo repleto de desafios e mudanças constantes, criar espaços para conversas significativas fortalece os laços familiares e amplia nossa visão de mundo. Neste evento, vamos explorar juntos questões que nos fazem pensar, crescer e nos conectar de maneira mais profunda.


Por que participar?
✔ Fortaleça a relação com seu filho(a) por meio do diálogo
✔ Reflita sobre valores, escolhas e desafios da vida
✔ Compartilhe ideias em um ambiente acolhedor e inspirador

Data e local: Zeppelin

Contaremos com um ambiente descontraído e um delicioso café para tornar este momento ainda mais especial!
Venha viver essa experiência enriquecedora conosco! Sua presença fará toda a diferença.
Esperamos você e sua família!

Ingressos para o V Café Filosófico:

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Comunidade do “Café Filosófico” no WHATSAPP:

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Obs. Caro leitor, o objetivo aqui é estimular a sua reflexão filosófica, nada mais! mais nada!

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Professor Caverna

Caverna é professor de Filosofia, criador de conteúdo digital e coordenador do projeto “Café Filosófico” em Foz do Iguaçu.

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