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Foz do Iguaçu

Morte de universitária levanta debate sobre bullying e assédio moral

Estudantes protestam após a morte de Isabelly Baldin, aluna da UNILA. Em nota, a Universidade afirma ter prestado assistência à acadêmica.

10 min de leitura
Morte de universitária levanta debate sobre bullying e assédio moral
Ato em memória de Isabelly foi realizado na última quarta, 18, na Unila. Fotos: Divulgação

Ao anoitecer desta quarta-feira, 18, o campus Jardim Universitário da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), em Foz do Iguaçu, deu lugar a uma manifestação, por parte de acadêmicos,  em memória de Isabelly Baldin, estudante de medicina, autista, que faleceu na segunda-feira, 16.  Era o desfecho fatal para a dor externada há pelo menos 15 meses, quando ela trocou mensagens com um colega de turma, relatando perseguições de professores e bullying por colegas de sala. Nesta data, coincidentemente, comemora-se o Dia Nacional do Orgulho Autista.

A mobilização contou com a presença de alunos PCDs (Pessoas Com Deficiência) e demais estudantes, que exigem justiça, respeito e responsabilidade diante do que veem como omissão da UNILA frente às denúncias já existentes. Um dos cartazes dizia em letras garrafais: “Chega de capacitismo na UNILA”. Já em outra homenagem, a mensagem: “Ninguém merece sofrer sozinho”.

Em nota, a UNILA manifesta seu pesar, destaca a assistência que prestava à universitária e  condena veemente as acusações, em redes sociais em torno do caso. “A UNILA convida a todos a uma reflexão: não se pode pedir por justiça e inclusão abusando de fragilidade emocional e praticando ataques à integridade de instituições públicas de ensino e de seus trabalhadores”, destaca a nota da reitoria.  Veja o documento na íntegra mais abaixo.

Ato simbólico na UNILA destacou que Isabelly lutou com todas as suas forças e foi vítima de violência inconcebível, ainda mais em ambiente universitário. Foto: Divulgação

Presente no protesto, Lee Matievicz Pereira, 20 anos, aluna de Cinema e Audiovisual na UNILA, afirmou ao H2FOZ que o caso de Isabelly não é, de forma nenhuma, isolado. Segundo a universitária, a Universidade tem falhado constantemente com seus alunos autistas, “não nos ouvindo quando denunciamos as violências e segregações sociais que sofremos, e nos negando nossos direitos básicos como pessoas PCD em um ambiente acadêmico”. A jovem fez ecoar o sentimento dos presentes no ato:

Ela denunciou o que sofria. Ela buscou ajuda. Ela gritou, e ninguém ouviu. E não é só ela. Existem alunos que literalmente escondem que são autistas, porque preferem se privar de si mesmos a serem tratados como o ambiente da universidade nos trata. A nota publicada pela Universidade, falando que estamos usando a dor do falecimento da Isabelly para mídia, é mais um tapa na cara da comunidade autista unileira. É mais uma comprovação sobre como nossa dor não é “importante o suficiente”. Isabelly morreu porque ela foi levada ao seu limite, por pessoas que decidiram que ela merecia sofrer, apenas por ser diferente. Nós queremos justiça, para ela e para toda comunidade autista da UNILA. Nossas vidas são mais importantes do que a reputação de uma Universidade.

Primeiras conversas

O H2FOZ teve acesso às mensagens de Isabelly, 27 anos, e seu colega de turma, Diego Andrade, 44 anos, que expõem a angústia da jovem. Nas trocas de mensagens no WhatsApp, iniciadas em 27 de fevereiro de 2024, ela narra que preferia tentar esquecer o sofrimento que já havia enfrentado e que tanto a machucou.  

Diego Andrade é aluno do segundo ano de medicina, é autista, com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) e cadeirante. Ele e Isabelly tentaram ajuda mútua a fim de vencer situações conflituosas por parte de alunos e professores. Inclusive o etarismo, que é a discriminação e preconceito por conta da idade.

De acordo com Diego, tanto ele, como Isabelly e mais de uma dezena de universitários PCDs foram intimados pela Polícia Federal, em fevereiro de 2025, para prestarem depoimentos como vítimas. A universitária guardou segredo sobre este fato com medo de sofrer  retaliações ou que fizessem algo de mal para ela.  Na tarde de 18 de junho Diego Andrade foi até a Polícia Civil para abrir inquérito a fim de que a investigação sobre o ocorrido com Isabelly também aborde as denúncias por ela realizadas. O acadêmico também encaminhou as conversas entre ambos à Polícia Federal.

Relatos entre os acadêmicos

Eles estavam matriculados na mesma turma, a T9. Em fevereiro de 2024, Diego narrou para Isabelly que passava por situações delicadas e que soube por intermédio de amigos que ela havia enfrentado o mesmo. Ambos perderam um ano de curso por conta dos problemas ocasionados. “Tenho um certo medo de mexer nessa história, sofri demais. (…) Perdi um ano por causa de perseguições”, escreveu Isabelly à época, relutante em mexer novamente no passado.

Ambos continuam a conversa e chegam aos mesmo nomes de dois professores que, segundo os estudantes, não estavam aceitando alterações na rotina de provas e adaptações. Conforme Diego, o curso se nega a cumprir as adaptações curriculares asseguradas por lei. O acadêmico cita a proibição de usar protetor auditivo na hora da prova, ocasião em que o professor envolvido redigiu uma ata narrando o caso.

Isabelly responde, desanimada. “Olha, sinceramente? Eu já desisti de buscar os meus direitos sabe, ninguém se importa com você, o núcleo até tenta ajudar, mas às vezes os professores pegaram raiva da gente pelo núcleo ficar em cima, e quem acaba pagando por isso é a gente.” Em resumo, Isabelly diz para Diego seguir o conselho dela, ignorar o professor e, ao mesmo tempo,  se o acadêmico tiver meios para processar o docente… que vá em frente. “Eu não consegui.”

Ela destacou que mesmo com diagnóstico, o que lhe conferia direitos, era subjugada. Isabelly se desculpou por não poder ajudar, reafirmou que já havia sofrido muito, não queria se envolver mais no assunto, não queria reviver tudo mais uma vez, buscar justiça. Pois sabia que no futuro sofreria novamente com as perseguições, mas deixaria de lado, porque não seriam aquelas atitudes que definiriam seu caráter e quem ela era. Aconselhou, mais uma vez Diego, a ignorar quem lhe atrapalhava ou, se tivesse provas, a processá-los.

Morte de Isabelly mobiliza alunos que se reuniram para homenageá-la e, ao mesmo tempo, pedir justiça. Foto: Divulgação

Alguns meses depois

No final de 2024, novembro, Isabelly contata Diego para saber como era o comportamento de determinados acadêmicos da turma T9. Diego conta que sofreu bullying por parte de um colega de sala e que a professora da disciplina informou ao setor responsável. Isabelly relata os nomes de dois rapazes e uma moça. Diego conta que foi inclusive apelidado de Forrest. É em analogia ao filme de 1994 cujo personagem principal tem Deficiência Intelectual (DI).

Naquele mesmo mês Isabelly relata sobre alunos que a perseguem, que até se reuniu com setor da UNILA, mas que não sabia como agir. Se fazia queixa na Ouvidoria, um Boletim de Ocorrência (B.O) ou se deveria falar com a coordenação – ainda que, naquela altura, escreveu ao colega, desacreditasse da institucionalidade.  

Transferência para Cascavel

Diego a estimula a buscar seus direitos, porém ela explica que não tinha condições de pagar advogada e gostaria de tentar se transferir para Cascavel. Que já havia entrado com processo, solicitando a transferência, mas estava muito lento. Ela estava sem vontade alguma de ir para faculdade. Mas ainda assim, pede o contato da advogada que defende Diego. 

“Eu quero a Unioeste (em Cascavel), porque é onde meus pais moram, aí lá tenho todo apoio que eu preciso, aqui em Foz fico totalmente desassistida e isolada”. Isabelly compara sua situação com a de Diego e comenta: “O meu caso não é tão difícil como o seu, a única coisa é que a Unioeste não aceita minha transferência, nem por eu ser autista, bipolar, ter depressão, ansiedade e TDAH. E a Unila nem importa com nós alunos, já se fazem pra conseguir as coisas e depois deixam a gente de lado”, finaliza Isabelly.

Nota da UNILA

A UNILA expressa profundo pesar pelo falecimento de Isabelly Baldin, ocorrido em 16 de junho de 2025, e manifesta absoluta consternação diante da exploração do falecimento da estudante. Perfis pessoais e de influenciadores vêm se apropriando da dor da perda e da condição de pessoas neuroatípicas para direcionar ataques à instituição.

Desde o ocorrido, enquanto a instituição se dedica a apurar os fatos e a prestar assistência aos familiares e a estudantes e servidores impactados, acusações que desconhecem os processos internos adotados pela UNILA para dar suporte à estudante começaram a circular pelas redes sociais de forma inconsequente. Em poucas horas, ainda durante o velório, vídeos, mensagens, cards, abaixo-assinados e até publicidades passaram a expor, de maneira indevida, a imagem de nossa aluna, seu obituário e sua família, e a proferir ataques à instituição.

A UNILA convida todos a uma reflexão: não se pode pedir por justiça e inclusão abusando de fragilidade emocional e praticando ataques à integridade de instituições públicas de ensino e de seus trabalhadores. Enquanto a UNILA e suas equipes estão empenhadas em investigar a ocorrência e em amparar estudantes com ações reais e imediatas, há uma inundação de mensagens de ódio, com acusações e condenações dirigidas à Universidade. Infelizmente, nas redes sociais, a desinformação se propaga de forma mais rápida do que todas as ações realizadas.

Confira as ações concretas, preventivas e de acolhimento realizadas com Isabelly:

1. Acompanhamento da estudante desde o seu ingresso no curso;
2. Atendimentos periódicos para construção e elaboração do plano de trabalho individual da discente;
3. Reformulação do plano de estudos juntamente com a coordenação do curso e a própria estudante;
4. Contato frequente com a família de Isabelly;
5. Inserção da estudante, desde 2023, como bolsista do Programa de Apoio Financeiro ao Desenvolvimento Acadêmico dos/as Estudantes com Deficiência da UNILA;
6. Atendimento à estudante e sua família decorrente de agravamento do seu quadro de saúde mental;
7. Realização de reuniões com professores e com o grupo de pré-internato;
8. Incentivo à participação no time de handebol da Atlética de Medicina e em outras atividades esportivas da Universidade;
9. Acompanhamento da estudante quanto à sua saúde mental (a estudante narrava estar com acompanhamento psiquiátrico e psicológico ativos).

Por fim, a UNILA lamenta mais uma vez o falecimento da estudante Isabelly Baldin, manifesta sua solidariedade a todos os enlutados, especialmente familiares e a comunidade acadêmica, e declara que seguirá firme e com diálogo com estudantes no seu compromisso de promover ações de inclusão para um ensino superior acessível a todas as pessoas.

Rede de Apoio

O Brasil conta com um serviço gratuito para apoio emocional e orientação em situações de dificuldades. Formado por voluntários, o Centro de Valorização da Vida (CVV) atende 24 horas por dia, com sigilo e anonimato, na internet e pelo telefone 188.

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Aida Franco de Lima

Aida Franco de Lima é jornalista, professora e escritora. Dra. em Comunicação e Semiótica, especialista em Meio Ambiente.

10 comentários em “Morte de universitária levanta debate sobre bullying e assédio moral”

  1. Luiz

    Infelizmente a UNILA não fez nada e, ao invés de assumir que falhou com a discente, fez uma nota de pesar bem protocolar. A UNILA é uma Universidade fantástica, mas essa proteção com professores e alunos que praticam preconceito e discriminação é incompreensível! Procurem fazer uma matéria investigativa ali dentro que vocês irão constatar que a situação é muito pior do que parece, e que irão faltar “notas de pesar” daqui pra frente.

  2. Marcos H. Muriano Jr.

    Movimento estudantil parece sempre aumentar o fardo das pessoas a sua volta. Vemos aqui relato de que pessoas com saúde mental e emocional abalada. Mas não por diagnóstico e sim por conta de ideologias que as une por lamúrias.

    Ao invés de buscarem auxiliar de fato as pessoas em vida, buscam achar culpados por um suicídio. O suicida tenta aliviar sua própria dor interna. Mas sim. Saúde mental é uma demanda profissional enorme entre os universitários e o trabalho deve ser clínico.
    Função de profissional da saúde não é ficar fazendo sarau com militância artística.

    As pessoas devem cobrar do Estado profissionais neuropsicólogos, psicólogos e psiquiatras para atender esse público com a mente tão destruída por estarem longe de pais e imersos numa bolha ideológica onde os narcóticos são bem vistos…

    De fato, deve ser aberta uma sindicância a começar pelo ambiente destrutivo que a instituição permite que os alunos e os funcionários mantenham as paredes.

    Crimes devem ser denunciados. Ambiente de universidades públicas e de educação médica não é ambiente de impunidade e sim de responsabilidade na manutenção de bons modelos.

    Que esse estudando cadeirante possa ser respeitado de acordo com diretrizes para educação inclusiva, um direito constitucional! Oremos pela família e por sabedoria aos envolvidos nessa manifestação.

  3. Fabíola

    Agora que mexeu com o “ nome” da instituição ela quer tomar providências e ser solidário? UNILA ficou marcada como a faculdade que não respeita PCDs e suas limitações.
    Respeito aos direitos vocês estão formando universitários!!!!

  4. Janaina

    Penalizar o discente que era para ser empático mas parece que não é preparado como se tivesse sua saúde a vida toda, esquece que somos momentos e que nesses momentos podemos estar deficientes, em toda instituição tem esses tipos de profissionais e docentes que não recebem uma criação na realidade de que, como falei empatia e pensar no amanhã, não somos de ferro e em qualquer momento podemos estar deficientes, empatia pelo próximo é tudo, respeito, caráter, penalidade a essas pessoas, deveria existir leis mais rígidas para se cumprir a respeito!

  5. Amando Ghazaoui

    Esse caso é profundamente doloroso — e sintomático de um problema estrutural que ainda persiste em muitas universidades públicas brasileiras: a banalização do sofrimento psíquico de estudantes com deficiência, neurodivergência ou transtornos mentais, somada à lentidão ou omissão das instituições diante de denúncias sérias.

    O que mais choca no relato é que Isabelly gritou por ajuda, repetidas vezes, e ninguém escutou. As mensagens revelam uma jovem inteligente, sensível e cansada de lutar sozinha. O sentimento de abandono institucional é evidente. Mesmo tendo direito legal a adaptações e apoio, ela foi subjugada, desacreditada e, ao final, silenciada.

    O posicionamento da UNILA, embora formal e protocolar, soa mais como uma defesa institucional do que como uma escuta genuína. Apontar que estudantes estão “se aproveitando da dor” para atacar a instituição é, no mínimo, insensível e desumano, diante da gravidade das acusações e da perda irreparável.

    É necessário reconhecer que a luta por inclusão vai além de notas de pesar e programas no papel. Ela exige escuta ativa, medidas eficazes, responsabilização de quem pratica violência — inclusive professores — e acolhimento contínuo, não apenas após a tragédia.

    A morte de Isabelly não pode ser reduzida a uma exceção ou usada para discursos de contenção de danos. Deve ser um ponto de ruptura. Um basta. E uma exigência pública por justiça, mudança estrutural e respeito real à dignidade dos estudantes PCDs.

    Se a dor de Isabelly e de tantos outros for ignorada novamente, quantas mortes mais serão necessárias para que uma universidade ouça seus alunos antes que seja tarde?

  6. LUIS CARLOS SILVA

    Acho um absurdo que fizeram com está aluna Isabelly ao ponto de MATAR Y antes de perseguição que não concordo com essa situação absurda porque tem que respeitar as pessoas com esse tipo de doença agora pergunta ❓ se essas pessoas que fizeram isso gostariam que fossem com rlas, minha pessoa rREPUDIA essa ação se minha pessoa fosse uma autoridade da justiça federal iria mandar prender os praticantes do crime de morte por que a morte não tem volta mais aqui terra lamentável profundamente como fica seus pães com está dor na perna de sua filha, a universidade tem culpa porque omitiu auxiliar na situação de ameaças agora seu colega agiu certo, que DIOS TODO PODEROSO LHES CONSELE SEUS FAMILIARES NO NOMBRE DE JESUCRISTO NUESTRO SALVADOR PERSONAL PASTOR PODEROSO AMIGO ETERNO MEJOR FIEL 🇧🇷 ‼️

  7. Wagner

    Na matéria há um registro de Diego sobre “etarismo”, um dos problemas gravíssimos que ronda os cursos de Medicina. Tenho 51 anos, sou professor universitário de instituição federal, possuo três graduações, nove especializações, mestrado, doutorado e pós-doutorado. Recentemente comentei com alguns colegas professores, que eu faria o ENEM, pois tenho o desejo de cursar Medicina. Fui ao mesmo tempo “ridicularizado” por uns, que disseram que eu seria um “idoso no jardim da infância”, e aconselhado por outros a não prosseguir com a ideia de cursar Medicina em universidade pública, pois os estudantes – em sua maioria brancos e ricos – acabariam com minha saúde mental por etarismo. Os cursos de Medicina nas universidades públicas podem ser os melhores; mas, se desenvolvem em ambientes hostis, onde o etarismo, o racismo e outras formas de preconceito e assédio são naturalizados.

  8. Maria da Conceição bueno

    Impressionante a capacidade de fazer maldades no mundo e com pessoas inocentes como é um autista, e não é capaz de entender que todos os autistas são pessoas iguais,porém com muito mais capacidade de ser humano, não feito um animal como os que se dizem ser humano normal,vocês que se consideram normal,na verdade é só um monte de lixo humano.

  9. Cristiane Cilene Campos Vieira

    Bullong é crime, a universidade, professores,,alunos e outros envolvidos devem pagar pelo crime cometido.

  10. Helen

    Agora que tomei conhecimento do caso, e só em ver a nota da UNILA já se observa descaso ao se referir à dor da família como abuso de fragilidade emocional (“abusando de fragilidade emocional e praticando ataques à integridade de instituições públicas de ensino”). A instituição não suporta receber crítica e para isso tenta anular os sentimentos de uma família enlutada. Parece persistir no erro.

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