Aida Franco de Lima – OPINIÃO
O tema da adultização infantil veio à tona com ênfase ao modo como as crianças são exploradas nas redes sociais, muitas vezes até mesmo pelos pais, e como elas navegam pelo mundo obscuro da internet de modo exposto, sem proteção. Mas também já virou queda de braço entre esquerda e direita, o que deveria ser suprapartidário.
No entanto, e as outras formas de expor as crianças ao universo adulto, o que raramente é comentado, como as músicas?
Não vamos entrar no campo da censura e dizer o que é que artistas devem escrever e cantar. Mas e a mídia, os adultos e os políticos que se omitem em relação a inúmeras situações nas quais crianças são expostas a conteúdos que jamais deveriam rondar o universo infantil?
Vamos a um exemplo que acontece em 101% das cidades brasileiras que comemoram seus aniversários contratando shows musicais cujo principal critério de escolha é o(a) artista ter espaço na mídia e redes sociais. Não importa a letra, mas o ritmo, o envolvimento da plateia…
São shows contratados por cifras que beiram os R$ 500 mil por evento, pagos com dinheiro público, porém divulgados como gratuitos. Atraem multidões! E sem limite algum para a entrada de crianças. Como normalmente são ao livre e “grátis”, em local público, famílias inteiras se alvoroçam em busca de um lugar na plateia. Inclusive com recém-nascidos. Não interessa a letra, o importante é o espetáculo.
O que temos são adultos levando as crianças para a balada sem critério algum. Em meio a som altíssimo, cigarro, bebida etc. E os pais exibem orgulhos nas redes sociais as imagens de seus filhos junto a artistas, cujas letras exploram o corpo feminino, uso explícito de bebida, cigarro, drogas, além de violência, uso de armas, rachas com carros, motos e todo o universo pertencente ao mundo adulto.
Nas redes sociais, os adultos exibem e estimulam as crianças às trends com dancinhas sexualizadas e letras de músicas que elas nem entendem o significado, mas que os pedófilos compreendem bem demais.
Um bom (?) exemplo é com relação ao cantor Luan Pereira. Em seu Instagram, ele escreve que as crianças são seu combustível. Há inúmeros vídeos de crianças na plateia. O cantor faz ações em hospitais com crianças em tratamento contra o câncer. Contudo suas letras, definitivamente, não são para crianças. E a responsabilidade não é sua. É dos (ir)responsáveis, que sujeitam os pequenos a frases como:
- Movimentando a mola da Ram
Movimentando a mola da Ram - Insulfilm preto esconde os amassos
Nesse couro branco, na estrada de terra
A bodona vai pulando (vai, vai, vai)
Eu tô gostando dela galopando (vai, vai, vai)
Eu tô gostando - Então vai que ela disse que quer provar o meu mel
Fetiche dela é o Tubarão de chapéu
Tira minha fivela que eu te levo ao céu
Tira minha fivela, vai - Ela pirou na Dodge Ram
Mordi aquele corpinho até de manhã
Provou do peão e a blogueirinha virou fã
Movimentando a mola da Ram
Movimentando
Ou:
- Meia-noite, rua escura estacionei minha caminhonete
- Insulfilm 05, ninguém vê o que acontece
- Eu só te prometo que hoje a noite promete
- Aqui dentro cê sobe, aqui dentro cê desce
- Chama ela e vem
- Você e sua amiguinha quer andar de Dodge Ram?
Do mesmo modo, Ana Castela, adorada e copiada por multidões, entre elas as crianças, não poupa palavras de duplo sentido em suas letras sexualizadas. Esses são apenas alguns exemplos, entre milhares de outros conteúdos que tocam no carro de aplicativo, no supermercado e nas festas infantis. Aliás, quem são os ídolos da infância atual? Quantos pais cantam com os filhos ‘músicas’ como de MC Livinho, com títulos e letras explícitas como ‘Pepeka do Mal” , “Picada Fatal”, “Pilantragem” ?

Se vamos discutir a adultização das crianças nas redes sociais, devemos abordar também a moda tal mãe, tal filha, que exibe a criança como uma miniatura de adultos; os cosméticos para crianças e as maquiadoras infantis; os mini-influenciadores que fazem comida; assim como as espumantes sem álcool ou os carrinhos para bebês com suporte para tablets e celulares. Sim, o buraco do problema é um túnel sem fim. E se a indústria não se importa com o futuro das crianças, que os responsáveis assumam essa missão.
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