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Homenagem da Unila

Honoris Causa a Aluizio Palmar: memória é defesa contra o autoritarismo

Jornalista em Foz do Iguaçu recebeu o título da Unila como reparação histórica e reconhecimento pela contribuição à defesa da democracia e promoção dos direitos humanos.

7 min de leitura
Honoris Causa a Aluizio Palmar: memória é defesa contra o autoritarismo
Aluzio Palmar recebeu o título da reitora da Unila, Diana Araujo Pereira, em sessão do Conselho Universitário – foto: Moisés Bonfim/Unila Secom
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O jornalista Aluizio Palmar defendeu a memória como salvaguarda contra o autoritarismo ao receber o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), em solenidade no último dia 26. A honraria foi entregue como reparação histórica e reconhecimento pela sua contribuição na defesa da democracia e promoção dos direitos humanos em Foz do Iguaçu e em países da América do Sul.

Lideranças políticas, sociais, sindicais e comunitárias da Argentina, Brasil e Paraguai, jornalistas, professores e estudantes universitários se somaram aos familiares do homenageado, lotando o auditório, na sessão do Conselho Universitário convertida a ato político em prol das liberdades democráticas. Houve diversos pronunciamentos presenciais e por vídeo, apresentações artísticas e palavras de ordem, em meio à emoção dos presentes.

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A reitora da Unila, Diana Araujo Pereira, salientou que Aluizio Palmar teve a vida marcada pelos processos autoritários do período militar e usou sua voz e sua escrita, como jornalista, aliadas aos sujeitos políticos que atuaram para que a história não volte a repetir-se. “Esse doutorado Honoris Causa busca reconhecer o seu papel histórico e político e toda a sua contribuição para a defesa da democracia e dos direitos humanos. Para a Unila, é um reconhecimento que repara uma história partida.”

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Ao ser outorgado Doutor Honoris Causa, Aluizio Palmar agradeceu à universidade, amigos e familiares, em especial à esposa, Eunice Almeida Palmar, companheira de uma vida. Postulou a criação de um centro de memória latino-americana na Unila. E compartilhou a chancela recebida com as pessoas que ousaram enfrentar o arbítrio, a censura e a perseguição como violência de Estado, instrumento que a ditatura civil-militar (1964–1985) utilizou para prevalecer por 21 anos no Brasil.

Aluizio compartilhou a homenagem com Eunice (ao centro), companheira de uma vida – foto: Moisés Bonfim/Unila Secom

“Dedico este título a todos os companheiros e companheiras que tombaram na luta em defesa da democracia. Honra e glória aos heróis da resistência”, declarou. “Golpes contra a democracia, impunidade e ditadura, nunca mais”, asseverou Aluizio, após lembrar que há 57 anos o regime da força bruta o impediu de seguir o curso universitário de ciências sociais no Rio de Janeiro, seu estado de origem.

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Democracia golpeada

Antes, revisitou as histórias de rompimento com o processo democrático no Brasil e nos países vizinhos. Retrocedeu a 1954, quando tinha 11 anos, para lembrar que Getúlio Vargas, com um tiro no próprio peito, abortou um golpe. Foi a Juscelino Kubitschek (1956–1961), quase impedido de assumir a presidência, obstáculo imposto a João Goulart, o Jango (1961–1964), quando a soberania do voto popular precisou encontrar-se com a Campanha da Legalidade.

Por esse túnel da história, perfez a própria trajetória. Lembrou integrar, na Baixada Fluminense, no Rio, o trabalho do Plano Nacional de Alfabetização, lançado por Jango para erradicar o analfabetismo, com base no método do educador brasileiro Paulo Freire, disse. Com o golpe, esse projeto foi considerado subversivo, e ele acabou sendo arrolado em Inquérito Policial-Militar (IPM), temível instrumento dos anos de chumbo.

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Movimento estudantil presente à cerimônia com faixas e bandeiras – foto: Moisés Bonfim/Unila Secom

“Sou de uma geração que ainda lambe feridas, em um país que chora suas vítimas, de uma democracia abalada por 21 anos de ditadura militar”, realçou. E defendeu que a memória histórica deve ser desenvolvida e preservada com mais ênfase em Foz do Iguaçu. “A ditadura esteve aqui. A Operação Condor pousou aqui e sequestrou, na época, cinco empresários da cidade”, resgatou.

Durante seu discurso, analisou os acontecimentos políticos atuais no país. “Sinto certo alívio de o ex-presidente [Jair Bolsonaro] e seus cúmplices serem punidos pela tentativa de golpe contra o estado democrático e de direito. Por fim, o direito prevaleceu sobre a barbárie, e não tem perdão, não tem pacificação.”

Centro de memória na Unila

Aluizio Palmar trouxe à lembrança a professora ginasial na região, Izabel Fávero, torturada grávida — violência da qual participou um tenente que foi do Batalhão em Foz do Iguaçu —, e Beatriz Fortes, que ao fim da adolescência foi presa acusada de fazer movimento estudantil no estado, a qual, entre suplícios, foi ameaçada ser lançada nas Cataratas do Iguaçu. Citou os jovens argentinos Liliana Goldenberg e Eduardo Escabosa, que preferiram a morte com cianureto na travessia de barco pelo Rio Iguaçu à prisão e à violência dos militares.

Em seu resgate, Aluizio citou os médicos Agostín Goiburú e Gladys Sannemann, da oposição à ditadura paraguaia de Alfredo Stroessner. “Goiburú foi sequestrado na Argentina e levado para torturas em Assunção. Até hoje seu corpo não apareceu. E isso foi possível por algo que foi criado aqui, em Foz do Iguaçu, a Assessoria de Segurança e Informações da Itaipu, financiada pelo dinheiro secreto da ditadura, que controlou os passos d. Dr. Goiburú”, denunciou.

Assim, reivindicou a criação de um centro de referência das lutas pela democracia dentro da Unila. Contextualizou que apresentou esse projeto em 2011, o que incluiu o lançamento de uma pedra fundamental, mas a proposta foi engavetada nos anos seguintes, no esteio das mudanças políticas nacionais que retiraram do cargo a ex-presidente Dilma Rousseff, apontou.

“Apresentamos esse projeto com a chancela da ministra dos Direitos Humanos da época, Maria do Rosário, e de várias entidades”, informou. “Esse centro de referência é para ser um local de memória e estudo. Ainda não desisti desse sonho”, revelou Aluizio Palmar.

A solenidade de entrega pode ser assistida na íntegra aqui.


Honoris Causa Aluizio Palmar

Há mais de cinquenta anos, sua trajetória acadêmica na Universidade Federal Fluminense (UFF) foi interrompida pelo arbítrio. Aluízio Palmar se engajou na resistência contra a ditadura civil-militar (1964–1985), integrando o Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).

Foi preso político, torturado e banido do país ao ser trocado pelo embaixador da Suíça no Brasil, junto com outros 69 militantes. Chegou a Foz do Iguaçu em 1967, com “uma mala de couro imensa de grande”, e sonhos, contou em uma de suas entrevistas. Na cidade, foi um dos fundadores e editores do jornal Nosso Tempo, entre os principais periódicos do Paraná de oposição à ditadura e voz contra o regime dos interventores que se revezaram no poder na cidade, sem voto popular.

Mantém o portal Documentos Revelados, considerado um dos maiores arquivos sobre a ditadura. O acervo para pesquisa gratuita reúne mais de 80 mil arquivos, acompanhados da reprodução das peças documentais e imagens, bem como de textos explicativos que auxiliam a contextualização.

É autor do livro Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?. O tema dessa obra, a chacina dentro do Parque Nacional do Iguaçu de militantes e desaparecimento dos corpos, virou denúncia contra o Estado brasileiro, acolhida neste ano pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos).

É organizador da coletânea Vozes da Resistência, Memórias da Luta contra a Ditadura Militar no Paraná, que reúne 60 ativistas e suas reminiscências do período do regime fardado. É o personagem de O garimpeiro da memória: Aluizio Palmar e a sombra da ditadura, de Jacob Blanc, que acaba de ser lançado e está em circulação.

Aluizio Palmar recebeu, em 2021, a Medalha Chico Mendes, homenagem nacional a pessoas físicas e instituições por suas lutas na defesa dos direitos à vida e à liberdade. É reconhecido como cidadão honorário de Foz do Iguaçu, pelos serviços prestados à coletividade e ao município. Recentemente, foi homenageado pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná.

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    Paulo Bogler

    Paulo Bogler é repórter do H2FOZ. Com enfoque em pautas comunitárias, atua na cobertura de temas relacionados à cidade, política, cidadania, desenvolvimento e cultura local. Tem interesse em promover histórias, vozes e o cotidiano da população. E-mail: bogler@h2foz.com.br.

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