O Haiti é aqui!

O servidor Waldson de Almeida Dias fala sobre imigrantes haitianos mortos.

Apoie! Siga-nos no Google News

Waldson de Almeida Dias – OPINIÃO

OITO MORTOS! Até o presente momento em que esta crônica é finalizada, o saldo total de um acidente na cidade de Palotina no Paraná, na cooperativa C. Vale, sem falar nos danos materiais nos silos e armazéns da cooperativa e nas residências próximas ao local, é de oito mortos.  

Sete dos corpos encontrados são de imigrantes haitianos e um dos corpos pertence a um trabalhador brasileiro. Um nono trabalhador ainda se encontra desaparecido, segundo é noticiado pela mídia. Desaparecido, em minha nada modesta opinião, trata-se de um eufemismo! Para quem não sabe, eufemismo, é uma palavra usada para suavizar ou minimizar o peso conotador de uma palavra mais forte, mas com tudo, verdadeira, ou seja, o desaparecido está soterrado sob uma carga de dez mil toneladas de milho.  

Então são oito haitianos mortos! 

Palotina é uma cidade no interior do Paraná. Aqui próxima de onde eu resido. Assim que fiquei sabendo da tragédia, publiquei em minhas redes sociais as palavras que ganharam o mundo através da belíssima e sonora voz da eterna diva Elza Soares: “A Carne mais barata do mercado, é a carne Negra!”. 

A carne mais barata do mercado é a carne negra e tem sido nos últimos quinhentos anos, desde que os primeiros tumbeiros, os assim chamados navios que carregavam os escravos oriundos de África chegaram ao continente americano. Os negros foram desprovidos de tudo que tinham em África, família, bens, humanidade, liberdade, dignidade. 

No continente americano, escravizados, humilhados e forçados a todos os tipos de trabalhos cruéis, desumanos e degradantes, foi no Haiti que ousaram a dizer “NÃO!”. Somos seres humanos e devemos lutar por nossa humanidade. Liderados por Toussaint Louverture, o escravizado! O negro! “O homem mais notável em uma época rica de homens notáveis”. O líder dos Jacobinos Negros que ousaram efetuar a revolução que criou a primeira república negra fora do continente africano: Haiti! O lugar, que pelas palavras de Louverture, à época, 1791, “Haiti, aqui reina o verdadeiro direito do homem”. 

Devido a sua ousadia, de enfrentar e vencer o poderoso exército de Napoleão e a poderosa França, Haiti, primeiramente foi condenado a pagar uma indenização exorbitante a França, tendo o apoio de vários outros países e líderes mundiais à época, inclusive do tão aclamado e ainda reverenciado nos dias de hoje, Simon Bolívar, que em um primeiro momento foi ajudado pelos haitianos livres. 

Em sua caminhada como uma República Livre, o Haiti foi invadido pelos Estados Unidos, saqueado e ao se retirarem colocaram um governante fantoche, que matou, torturou e transformou o Haiti no que é hoje: um País empobrecido! 

– IDH 0,535 (baixo); 

– Alto índice de desnutrição;  

– Milhões de haitianos vivem no exterior; 

– O País ocupa a posição de número 145 entre os 182 países avaliados pelo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). 

– As missões humanitárias da ONU, mais contribuíram contra o Haiti do que a favor: em 2010 no pós terremoto os soldados da ONU levaram ao invés de ajuda, uma epidemia de cólera, mais de 10 mil pessoas morreram; os filhos da ONU existem! Após as várias missões de paz, centenas de mulheres haitianas reivindicam paternidade de filhos de soldados das missões de “paz” das Nações Unidas! 

– No terremoto em 2010 aproximadamente 230 mil pessoas morreram.  

Vários países ofereceram ajuda ao Haiti após o terremoto de 2010. Terremoto esse que vitimou a médica, pediatra e sanitarista brasileira e paranaense Zilda Arns que estava na capital Porto Principe em missão humanitária no momento do terremoto. 

“Apesar de seus limites, apesar de sua pobreza, de suas vicissitudes, de sua exiguidade, o Haiti não é uma periferia. Sua história fez dele um centro. Sempre o vi como tal. Como uma metáfora de todos os desafios que a humanidade deve enfrentar hoje e para os quais a modernidade não cumpriu suas promessas. Sua história faz com que o Haiti dialogue em pé de igualdade com o resto do mundo.”  (Yanick Lahens) 

O Brasil, a época, governado por Luiz Inácio Lula da Silva, ofereceu visto humanitário aos haitianos. Que começaram a chegar ao Brasil em grandes contingentes, após empreenderem uma viagem extremamente difícil, quase sempre por terra, com pouco dinheiro, passando fome, sendo vítimas de todos os tipos de atravessadores que roubavam o pouco que traziam. Eu pessoalmente testemunhei um grupo na rodoviária da cidade peruana de Cuzco, que somente tinham água e biscoitos e a passagem entre a cidade de Cuzco e Brasiléia no estado brasileiro do Acre. 

O visto humanitário os trouxe para o Brasil, mas ficaram a sua própria sorte, em busca de moradia, emprego e uma vida digna. A maioria dos brasileiros não sabiam do que acontecia no Haiti e tão pouco da história do Haiti. Inclusive grande parte da população negra brasileira não foi educada e ensinada para história do Haiti. 

Para grande parte da população brasileira era mais um bando de negros pobres a andar pelas ruas brasileiras. Muitos que chegaram ao Brasil eram estudantes, outros com um ou dois cursos de graduação concluídos, outros fluentes em mais de um idioma, mas todos tinham e tem a mesma cor de pele: preta! E junto, na bagagem veio o estigma da cor. 

Os piores trabalhos foram destinados a eles, acostumados que estamos no Brasil a destinar os piores trabalhos, os mais difíceis, os mais perigosos, a população negra… tratados como pretos, só para mostrar aos outros quase pretos (E são quase todos pretos) como é que pretos, pobres e mulatos e quase brancos, quase pretos de tão pobres são tratados. Pense no Haiti. Reze pelo Haiti! O Haiti é aqui!” 

Caetano Veloso cantou a desgraça nossa e dos haitianos que aqui vieram viver, muitos, não encontrando nem o subemprego no Brasil, foram tentar a vida em outros países. Alguns após viajarem muito, conseguiram chegar por terra a fronteira entre México e Estados Unidos. Ao tentarem entrar nos Estados Unidos, foram capturados. A grande maioria ainda se encontra presa, pois não podem ser deportados para o Haiti, por possuírem vistos humanitários brasileiros.  

O Presidente brasileiro “Valdemort” aquele que não se deve nomear, rejeito em aceitar os extraditados. O Brasil tem uma dívida a ser sanada com os haitianos que aqui vivem e os que ainda apodrecem em prisões estadunidenses. 

Outros, poucos, conseguiram estudar, se formar em universidades públicas tal qual nossa Unila e angariar sonhar com um futuro melhor. A grande maioria ainda se encontra em subempregos, ganhando salários ínfimos, muitos trabalhando sem carteira assinada e morrendo sob milhares de toneladas de milho e soja. Milho e soja que deveriam estar na mesa de suas famílias e não lhes servindo de mortalha. 

O tema é triste e perguntas ainda não saem de minha cabeça. Tais como: 

– Os direitos trabalhistas estavam sendo garantidos a estes trabalhadores? 

– Porque a maior parte dos que estavam no túnel soterrados eram de Haitianos? Diferença salarial para esse tipo de trabalho? E as indenizações as famílias? 

– O trabalho recusado de ser feito por cidadãos brasileiros devido a periculosidade está sendo suprido pelos imigrantes oriundos de situações vulneráveis: haitianos, venezuelanos, colombianos, bolivianos, etc… 

– A política de Visto Humanitário no Brasil está sendo cumprida? 

O filme “7 Prisioneiros”, da Netflix, com o ator Rodrigo Santoro, evidencia muito bem a realidade do trabalho escravo praticado em solo brasileiro. 

Esse acidente acende uma luz para as autoridades que hoje retornaram ao governo brasileiro, no intuito de fazer justiça, criando uma política de acolhimento não somente aos haitianos que aqui chegam mas todos os imigrantes, aqueles que chegam por via aérea e ficam semanas e meses acampados nos aeroportos, os que chegam de ônibus através de nossas fronteiras.  

Para quem nada tem nada, mas carrega a vontade de trabalhar e alimentar a si e aos seus, se submeter a tuneis empoeirados, onde um vento com intensidade maior pode causar uma explosão, tal qual experiência mostrada no programa Fantástico da Rede Globo no domingo 30 de julho de 2023, aceitar qualquer trabalho é fácil e às vezes até mesmo agradecem aos seu empregadores. O dinheiro é pouco, mas o arroz e feijão da família está garantido! 

O Haiti é aqui! Esta mais que na hora de pensar no Haiti e para os oito haitianos que morreram agora não adianta rezar, se em vida não foram humanizados. Em 1958, a Comissão Internacional de Juristas estatui que o Haiti era o país em que cada artigo e parágrafo da Declaração Universal dos Direitos Humanos estava sendo sistematicamente violado. 

A escritora Yanick Lahens acrescenta: No dia 12 de janeiro de 2010, às 16 horas e 53 minutos, o tempo se fendeu. Em sua falha, sepultou para sempre os segredos de nossa cidade, engoliu uma parte de nossa alma, a alma que ela havia pacientemente esculpido à sua imagem desmedida. Em sua fenda, o tempo levou nossa infância. Desde então somos órfãos de cem lugares e mil palavras”. 

Desde então, onde houver um haitiano o Haiti estará presente e ainda nos dias de hoje com os Direitos Humanos sendo violados de uma maneira ou outra, pois mesmo que a tenham destruído, a gente sempre retorna a velha casa onde nasceu, assim nos disse o Poeta Mario Quintana. 

Minha solidariedade as famílias e a nação enlutada! Justiça seja feita! 

Haiti vive! Haiti presente! 

Waldson de Almeida Dias é servidor público municipal em Foz do Iguaçu. 

___________________

Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do H2FOZ. 

LEIA TAMBÉM
2 Comentários
  1. […] Crédito: Link de origem […]

  2. Rafael Sanches Diz

    Tema sensível e carece de respostas

Comentários estão fechados.