“Os Capitães do Mato!”

Leia a opinião do servidor público municipal, Waldson de Almeida Dias, sobre preconceito contra negros.

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Waldson de Almeida Dias – OPINIÃO

UM DEFEITO DE COR! Ana Maria Gonçalves, a escritora do livro “Um Defeito de Cor”, um clássico da literatura brasileira e mundial, em sua página 53, nos mostra através das palavras da menina escravizada em África, Kehinde, que no futuro em terras brasileiras, se chamara Luísa Mahin e será a mãe do Dr. Luís Gama, o homem negro, rábula, advogado que libertou centenas de escravizados. Kehinde nos mostra, ao ser levada para o navio negreiro que o Capitão do Mato, já estava presente na origem do mal, e diz ela: “E nem eram todos brancos, os guardas. Alguns eram até mais pretos do que eu, ou minha avó e a Taiwo, mas agiam como se não fossem, como se trabalhar ao lado dos brancos mudasse a cor da pele deles e os fizesse melhores do que nós.”

Todo Capitão do Mato sempre quis sobreviver e para isso nunca hesitou em perseguir, prender, torturar e matar seres humanos negros, mesmo eles sendo portadores da mesma cor de pele! Eles sempre pensaram que “entre eu e eles”, que seja eles! Sobreviver caçando os irmãos! Sobreviver torturando os irmãos! Sobreviver matando os irmãos! E isso vem desde quando o primeiro ser humano de melanina acentuada, de pele da cor de ébano, foi feito prisioneiro e escravizado em África!

“E nem eram todos brancos, os guardas. Alguns eram até mais pretos do que eu, ou a minha avó e a Taiwo, mas agiam como se não fossem, como se trabalhar ao lado de brancos mudasse a cor da pele deles e os fizesse melhores do que nós.”

                    (Ana Maria Gonçalves)

O pintor alemão, Johann Moritz Rugendas, ao viajar pelo Brasil, entre os anos de 1822 e 1825, retratou muito da realidade brasileira da época. Entre suas pinturas esta a denominada “caçador de recompensas”, onde ele retrata a figura de um homem negro sobre um cavalo branco (paradoxo), trazendo um homem negro, tendo este as mãos atadas a cela do cavalo e sendo puxado, forçado a caminhar. Eis a configuração da figura do capitão do mato, trazendo prisioneiro mais um escravo “fujão!”

O capitão do mato não se preocupava com mulheres e homens negros, meninas e meninos negros, pais e mães negras, senão com seus próprios interesses financeiros, de sobrevivência e o prestígio de que nutriam a época ao caçar e entregar outros negros aos seus “senhores”. Machado de Assis, o grande escritor brasileiro, fundador da Academia Brasileira de Letras, escreveu o conto “Pai contra Mãe” em que coloca o Capitão do Mato como a figura central da narrativa. Em determinado momento ele afirma que:“…ora, pegar escravos fugidos era um ofício do tempo. Não seria nobre, mas por ser instrumento da força com que se mantêm a lei e a prosperidade, trazia esta outra nobreza implícita das ações reivindicatórias. Ninguém se metia em tal ofício por desfastio ou estudo; a pobreza, a necessidade de um achega, a inaptidão para outros trabalhos, o acaso, e alguma vez o gosto de servir também, ainda que por outra via, davam o impulso ao homem que se sentia bastante rijo para pôr ordem à desordem. Palavras de Machado de Assis no tempo presente em que ele viveu!

E no tempo presente em que ele continua vivendo, pois o grande escritor negro brasileiro que já passou pelo processo de branqueamento e graças a luta da academia e dos movimentos negros, teve sua cor resgatada, tem suas palavras congeladas como se o tempo não tivesse passado. Digo isso, quando observava a enquete efetuada pelo H2FOZ aqui na província: “Você tem preconceito contra negros?” – “Racismo ainda é pouco denunciado, mas é problema recorrente em Foz do Iguaçu”. Em um universo de 231 pessoas pesquisadas os números apresentados foram que 85% declararam que não possuem preconceito contra negros; 4% não sabem e 11% declaram possuir preconceito racial contra negros!

Não sou daqueles que se contentam com o copo meio cheio e costumo analisar o todo, ou o que deveria ser o todo. Não encontrei nenhuma observação no próprio H2FOZ ou na imprensa local por parte do “Compir – Conselho Municipal da Promoção da Igualdade Racial – Foz do Iguaçu”, sobre a pesquisa, sua importância e as consequências das percentagens.

Assim me chamou mais a atenção os 11% que declararam ter preconceito contra negros, 26 pessoas. No mesmo instante ressoou dentro em mim as palavras de Angela Davis, a filosofa, ativista e professora estadunidense ao dizer que “Numa sociedade racista, não basta não ser racista. É preciso ser antirracista!”. Esses números me soam como sinal de alerta, vocês não acham, membros da diretoria do Compir?

Ainda pensando nas palavras de Angela Davis, resolvi sair do microcosmos da cidade que habito para o macrocosmo do país que nos serve de pátria amada mãe gentil. E eis que vejo o vídeo de um Deputado Federal de cor de pele preta, herdeiro das palavras de Machado de Assis sobre o ofício de ser Capitão do Mato, desafiar com um prêmio quem souber a percentagem dos negros escravos quando acabou a escravidão no Brasil!

A resposta a esse desafio é clara e fácil! Incluindo os próprios negros Capitães do Mato, era de cem por cento! E digo isso do auto de minha nada modesta sabedoria, pois a escravidão serviçal do negro em terras de Pindorama não acabou com uma assinatura de Princesa. Assunto que venho tratando em algumas crônicas e que continuarei pautando. Mas, após lançar o desafio o não tão nobre Edil, foi chamado de “Capitão do Mato”, por uma voz feminina que ressoou como música clássica da melhor qualidade em meus ouvidos. Vários “Edis” se pronunciaram em um alarido febril, vociferando que tal intervenção se tratava de crime!

Concordo em partes! Pela minha ótica, ser Capitão do Mato era e é um crime! Já pela ótica do Machado de Assis, e quem sou eu em discordar do escritor que amo, ser chamado de Capitão do Mato era um ofício do tempo, nada nobre e que os que exerciam tal “ofício do tempo” não tinham estudo! Nada mudou! Tudo com dantes no quartel de Abrantes, ou melhor, na pseudo elite política brasileira. Mas, para pensar, se o nobre edil afirmava que não havia mais escravidão no Brasil quando a “pseudo lei” foi assinada então também não deveria haver mais Capitães do Mato, certo Arnaldo? Chilique desnecessário!

Que fique registrado que em 2024 ainda existem Capitães do Mato!

E o mestre, Paulo Freire, no diz “que quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”. A educação brasileira nunca foi libertadora, pelo contrário, foi excludente e somente agora é que as Universidades Federais recebem um número significativo de estudantes oriundos de outros países, trazendo novos e antigos verdadeiros conhecimentos e que a população negra, graças ao programa de cotas raciais, está podendo acessar e conhecer sua verdadeira história no dia a dia das graduações, mestrados, doutorados e pós-doutorados.

Os Capitães do Mato, tal como deu a entender o Bruxo do Cosme Velho, nunca tiveram estudo e entendimento, apenas maldade, talvez instinto maldoso de sobrevivência e foram usados, antigamente pelos senhores de escravos, hoje pelos fascistas que habitam no extremismo e assistem a Jovem Pan em suas Casas Grandes. Para eles nada mudou! Ou melhor, agora vestem terno e gravata e vociferam palavras de ordem sem saber o verdadeiro significado das palavras de ordem já escritas e secularmente usadas.

Os Capitães do Mato de hoje, embora sejam os mesmos de outrora, não se utilizam de cavalos em suas ações, chegam de carros que contém vários cavalos de potência, potência essa que tentam usar em suas falas ao gritarem, bradarem e tentarem encontrar algum nexo no que falam. Mas, agora existe um detalhe, um detalhe coletivo, ou seja,    agora o quilombo se organizou, estudou e os combate em um lugar onde eles nunca conseguiram dominar, no território das leis, da cultura, da inteligência e da ciência.

Os Capitães do Mato, que hoje se apresentam em pele de cordeiro, que dão chilique ao terem seus verdadeiros nomes de ofício escancarados em praça pública através da mídias sociais, podem até enganar a população por algum tempo e conseguirem alçar cargos públicos em Câmaras, Assembleias, Senado. Mas, nestes mesmos lugares e aqui fora, já existe uma população de mulheres e homens negros letrados, que estudaram e conhecem a história do povo negro, a verdadeira história e não a que contaram nas escolas brasileiras durante muito tempo. Uma história que tinha o objetivo de anular e até mesmo extinguir o valor de uma etnia.

Para cada um Capitão do Mato que surge, centenas de intelectuais negras e negros se graduam nas universidades, se tornam mestres e doutores e recebem o direito de usarem com propriedade os seus lugares de fala e falam em voz alta e com propriedade: Capitão do Mato! Desta vez não! Agora as coisas mudaram e as vozes, sejam elas negras ou não vão se levantar e bradar…Capitão do Mato! Para que todos saibam! Para que todos conheça! Para que ninguém esqueça!

A eles, os Capitães do Mato, aos 11% racista em nossa cidade, aos 4% que estão em cima do muro, resta somente uma saída: EDUCAÇÃO! EDUCAÇÃO ANTIRACISTA! Vão aprender que não há mais lugar para racismo na sociedade atual e no futuro que estamos construindo.

Está na hora de abrirem suas cabeças para o novo, aprendendo com a história, aprendendo o que se está construindo de futuro em que não caberá mais pessoas racistas e Capitães do Mato!

Hora de aprenderem, hora de serem ensinados! Hora de terem suas mentes e cabeças abertas! Mas, tal como diz o ditado, para certas cabeças serem abertas, somente usando o Machado!

Eu, particularmente, recomendo o de Assis!


Waldson de Almeida Dias é servidor público municipal.

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1 comentário
  1. Luciana Moreira Diz

    Texto simplesmente importantíssimo para continuarmos combatendo todo e qualquer ato ou comportamento racista, por mais disfarçado que seja. Pois realmente não basta não ser
    Racista, precisamos ser anti racista.

Comentários estão fechados.