Rio Grande do Sul: Considerações de uma tragédia…

Waldson de Almeida Dias, servidor público municipal, fala sobre a tragédia no Rio Grande do Sul.

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 Waldson de Almeida Dias – OPINIÃO

REFLEXIONAR! “Somos especialistas no mate amargo!”, essa frase escutei na manhã de sábado na rádio gaúcha. A frase foi falada pelo escritor Fabricio Carpinejar, de quem sou um admirador e fã. Carpinejar se referia a resiliência do povo gaúcho em não se entregar para tragédia, em lutar, em se reinventar e tal qual a ave fênix renascer das cinzas, mesmo que estejam molhadas, ou melhor, enxarcadas diante da quantidade de água que assolou o estado do Rio Grande do Sul.


As palavras do escritor me fizeram reflexionar ao mesmo tempo em que não conseguia contato com amigos e familiares que estavam dentro do epicentro da tragédia. Celulares não funcionavam, falta de energia, falta de água potável e o estado isolado do resto do país. Meu pai costumava tomar o mate amargo, popular chimarrão, que eu sempre achei quente e amargo mesmo sendo gaúcho. Ele me dizia: “esse amargo nos fortalece para as amarguras da vida, caso elas apareçam!”; pois bem contra fatos não existem argumentos e Carpinejar faz uma associação de ideias perfeita com a resiliência do gaúcho através de sua história e em sua capacidade de se reinventar.


REFLETIR. Em lembrar de meu pai e de suas palavras, lembrei de uma caminhada que um dia juntos empreendemos em Porto Alegre, local que morei por mais de 15 anos. Essa caminhada se deu na orla do rio Guaíba, na época, ainda era uma rio e aprendíamos na escola que era o Rio Guaíba, com o passar do tempo descobriram que ele era um lago e então passou a se chamar lago Guaíba e agora com as imagens que vejo, se tornou um mar! Mas, meu pai me falava que um dia o Guaíba poderia vir buscar tudo que haviam tirado dele, inclusive o mais lindo e melhor estádio de futebol do mundo, o Beira Rio. Ele falava também que as modernidades do mundo eram fantásticas, mas que não devíamos nos afastar das tecnologias mais antigas, pois elas poderiam ser necessárias em um momento de necessidade.

O “Rio” Guaíba avançou e inundou a capital do gaúchos em seu centro histórico e na areada do estádio do Sport Clube Internacional. Sem energia elétrica, baterias de celulares sem carga, o velho e querido rádio, de onde sou profissionalmente oriundo, é a fonte de informação para as pessoas que estão isoladas e ilhadas pelas águas em todo estado do Rio Grande do Sul. Se vivo fosse, certamente meu velho pai falaria: “não te falei?”.


ECOAR. Juntamente com suas palavras ecoou em minha mente algumas canções que escutávamos durante aquela caminhada, uma delas era a canção de um banco. Banco Sul Brasileiro (eu tenho 60 anos e uma memória de elefante) e a canção dizia: “…rua da praia que não tem praia que não tem rio, onde as sereias andam de saias e não de maiô…”, ao exaltar a cidade de Porto Alegre, a canção comercial do banco chamava atenção que a rua da praia, rua central da cidade de Porto Alegre que outrora estava as margens do rio Guaíba, devido aos aterramentos e crescimento da cidade agora estava distante do rio.


Essa semana, na distância de minha casa, com os olhos marejados pelo que assistia através da televisão, ousei cantar essa velha canção comercial, modifiquei um pouco a letra e cantei: “…rua da praia que agora tem praia que agora tem rio…”, o rio Guaíba ultrapassou sua marca histórica de enchente que era de 1941 e invadiu a cidade, principalmente o centro histórico da capital dos gaúchos. Oitenta e três anos depois o velho e querido rio resolve passear pela cidade que o trata tão mal.

“O rio agora tem banzeiro! Desde que construíram ruínas sobre o corpo do Xingu, há horas do dia em que ele se levanta, contorce seus braços e pernas nos braços e pernas do vento, há também bunda e seios, essa dança furiosa é quase erótica. O banzeiro não deixa ninguém passar… o rio expulsa a todos do seu corpo barrado…”
(Eliane Brum)


PESAR. É com pesar que vejo o número de mortos aumentar dia a dia; o número de desabrigados e o aumento gigantesco dos “Refugiados Climáticos” no Estado do Rio Grande do Sul. Sou uma pessoa emotiva, mas aprendi trabalhando anos no meio jornalístico a primeiro analisar os fatos, mesmo que a dor seja latente. E escuto muitos colegas e amigos que estão na linha de frente da tragédia transmitirem o que estão vendo e associarem suas visões dos locais em que estão há um campo de guerra.


Os campos de guerra são proporcionados pelos seres humanos. Ok! Essa tragédia tem a mão humana! Isso é fato e contra fatos não existem argumentos, mas, todos tem direito a legitima defesa, o planeta terra também! Até que ponto os cenários que estamos vendo no Rio Grande do Sul não é a defesa da natureza, do meio ambiente tentando salvar o planeta? Ao invés de um campo de guerra, um campo de luta pela vida?


Tem gente morrendo, tem gente que perdeu tudo, tem gente que não tem para onde ir, você é insensível, não respeita a dor do outro! Pelo contrário, respeito, me solidarizo, mas, assim que tudo passar, que o curso das águas voltarem a um chamado normal, que o “cenário de guerra” não mais exista, todos vão retornar a morar no mesmo local e nas mesmas condições que outrora viviam?


REPERCUTIR. A Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, foi criticada no mês de janeiro, quando utilizou o termo “Racismo Ambiental” ao se referir aos estragos que as chuvas causaram no Rio de Janeiro. Nas redes sociais os idiotas de plantão, inclusive políticos (em maior número), disseram que não passava de ‘mimimi’ e que agora tudo virava racismo. Pois bem, a Ministra estava usando um termo que existe e que a comunidade científica se utiliza para debater a emergência climática, uma pauta da Organização das Nações Unidas – ONU.


O Racismo Climático é uma expressão cunhada por Benjamin Franklin Chavis Jr. que é o líder do movimento dos direitos civis dos negros estadunidenses que trouxe a reflexão de que nas tragédias climáticas as primeiras pessoas a serem afetadas são as pessoas racializadas, ou seja, as pessoas negras, povos indígenas que vivem próximos as cidades, quilombolas, ribeirinhos, favelados em encostas, ou seja, as pessoas cuja as condições de vida financeira não lhes permite habitar em moradias que lhes de segurança, em bairros nobres que teoricamente ainda não estão sendo afetados pelas enchentes e desmoronamentos.


Respondendo à pergunta que eu mesmo efetuei, as pessoas do Rio Grande do Sul aguardam as águas retornarem ao nível chamado normal para que possam retornar ao que restou de suas residências ou os mesmos terrenos e pedaços de terra, nos mesmos lugares insalubres e perigosos, esperando uma nova chuva torrencial? Contra fatos, mais uma vez não existem argumentos!


RESPEITAR. O respeito é algo que se aprende no berço, ou deveria. Nos dias de hoje, respeito é um artigo em falta. Alguns ao ler o que aqui escrevo podem achar que é uma falta de respeito minha para com a dor daqueles que estão sofrendo com a tragédia no Rio Grande do Sul. Meus respeitos vão até o momento em que a burrice ultrapassa o limite da humanidade e quando falo em humanidade, o falo no sentido total do que ela engloba, ou seja, a todos, todas e todes!


Escutei nos últimos dias várias frases feitas de políticos e jornalistas limitados, cuja análise dos fatos é rasa. Dizem eles que a violência das águas tem sido tão grande que destruiu tudo. Certamente nunca escutaram falar do dramaturgo e poeta alemão, Bertolt Brech, que cunhou uma frase famosa que nos faz pensar e nos diz que: “o rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”. Margens estas que em determinados lugares tem seus cursos totalmente alterado, quando não simplesmente represados, mudando o curso não somente do rio, mas de toda uma natureza em seu redor e na maioria das vezes a história de vida de milhares de pessoas.


A jornalista e escritora Eliane Brum, escreveu um livro que recomendo a todos lerem para entender que a mudança climática é urgente, sob pena de toda vida no planeta ser drasticamente alterada. A escritora nos chama atenção para o que está acontecendo com o pulmão do mundo, AMAZÔNIA. O que acontece na Amazônia se reflete no resto do planeta a começar por nossa própria casa e não esqueça que Rio Grande do Sul é uma peça de nossa casa. A autora nos apresenta o Banzeiro Òkòtó, um vórtex, um redemoinho onde “o rio expulsa a todos do seu corpo barrado, nessas horas o rio quer ter raiva sozinho”. O corpo barrado, se referem as inúmeras barragens que os prendem!


O que chamam de “cenário de guerra” eu chamo de raiva do rio, de raiva da natureza e ela é tão humana quanto nós! Aprendi que escrever também pode conter violência, ao mesmo tempo que choro por minha irmã, cuja casa está embaixo da água em canoas, que me preocupei pelos amigos que passaram o dia esperando um resgate nessa mesma canoas, fico indignado quando escuto frases feitas de que “Deus sabe o que faz”, “Deus está com vocês”, “Deus console”, respeito a religião e a crença de todos, desde que ela não venha acompanhada de burrice. Se Deus nos criou, criou primeiro este planeta e segundo as escrituras disse: “Crescei e multiplicai-vos” e não Crescei e destruam o planeta!


ACHAR. Não é hora e momento para achismo e estamos repletos de pessoas que possuem achismo pelo simples fato que defendem um lado político e querem a qualquer custo, até mesmo de vidas, colocarem um camelo a passar pelo buraco de uma agulha. Não podemos esquecer que em setembro de 2023 o negacionista e meteorologista, Luiz Carlos Mollon, na Comissão Parlamentar de Inquérito das Ongs, disse em alto e bom som que era um “ALARMISMO” incrível o que se fala sobre o clima e que: “…o pessoal do sul, do Rio Grande do Sul, não vai ter o excesso de água que é a característica de ‘el niño’…e não teremos o super ‘El niño”.

O “especialista” ainda afirmou que se desmatasse toda a Amazônia o clima global nem iria perceber”; O achismo não resiste a verdade, mas antes de a verdade se fazer presente, o achismo mata! Sou contra violência, mas nesse caso em especial ele deveria ser levado para o Rio Grande do Sul e ser forçado a tomar toda água que caiu de uma vez só e de canudinho, enquanto pessoas assim desviam as grandes e importantes discussões que devem ser feitas com urgência a ‘boiada vai passando’, lembram? Pessoas assim destroem o planeta! Pessoas assim são nocivas a sociedade! Pessoa assim matam!


APLAUDIR. O Emicida tem toda razão quando diz que “tudo, tudo que nóis tem é nóis”, e o ‘nóis’ é que mais uma vez foram nos salvar. Em Canoas eu vi corrente humana de pessoas puxando barco com outras pessoas dentro para salvar vidas. Soldados da Marinha, Exército e Aeronáutica salvando vidas, eis meu aplauso. As forças armadas trabalhando em prol do seu povo e não contra ele. Assim vale a pena ir para frente dos quartéis e aplaudir!


Os repórteres de todas as mídias, com uns aplausos a mais para o pessoal do rádio que chegam a ficar mais de doze horas no ar para informar e ajudar as pessoas. E aqui, totalmente orgulhoso, meu aplauso a equipe da Rádio Gaúcha que está vinte e quatro horas no ar ininterruptamente auxiliando, informando, efetuando ponte entre quem precisar e quem pode ajudar, entre quem está distante e quem está ilhado. O Rádio sendo o veículo de comunicação em massa que se mantem ligado através de duas pilhas pequenas e salvam vidas.
Médicos, enfermeiras, pessoal de apoio que tiveram que sair às pressas de hospitais inundados, tal como aconteceu em Canoas. Os voluntários que foram para os locais que mais necessitavam e se colocaram à disposição, salvando vidas, cozinhando, trazendo lanches, roupas, se solidarizando, ‘tudo que nóis tem é nóis”. Estes são os verdadeiros heróis!


Franz Kafka tinha razão quando disse que “a solidariedade é o sentimento que melhor expressa o respeito pela dignidade humana”.


MEDITAR. Muito ainda há que ser feito no Rio Grande do Sul para que o estado volte ao que possamos chamar de um novo normal. O poeta e romancista brasileiro Mário de Andrade falava que “o passado é lição para se meditar, não para se reproduzir”, esperamos que o Brasil aprenda com o que ocorreu no Rio Grande do Sul para que não se repita. Que os gestores pensem o que deve ser feito em seus estados para evitarem que o mesmo lhes aconteça.

Há, mas no meu estado não tem rios, pois bem, a seca pode vir, a terra pode tremer, tudo em uma era de “tragédias climáticas”, tudo pode acontecer; aqui no quintal de casa está uma das sete maravilhas da natureza, em minha sala no trabalho, existe uma foto de um tempo que as Cataratas do Iguaçu estava totalmente seca, uma imagem triste. Já em 2023, ano passado, a vasão das cataratas foi incrivelmente alta, toda visitação foi suspensa e meu irmão Christian Rizzi, o melhor fotografo do mundo, retratou a imagem que foi capa do site da National Geografhic, a imensidão de água passando por cima da passarela dos visitantes.


REMOER. Os estragos estão feitos! Nós somos responsáveis e quando digo nós, estou me referindo a todos nós que maltratamos o planeta e mesmo que nada tenhamos efetuado contra o planeta, votamos e ao votar podemos votar em pessoas sem escrúpulos que preferem desmatar, destruir, anexar terras e tudo mais que permita que a ‘boiada passe’.

Os verdadeiros culpados estão à vista de todos e não adianta disfarçar, o planeta pede socorro e cabe a nós fazermos algo para mudar o que estamos vivendo. Não adianta chorar o leite derramado, ficar remoendo o que passou. Saídas existem! Há muitas pessoas pensando e agindo ao mesmo tempo para mudar à nossa maneira de viver e assim preservar o meio ambiente e um futuro para todos.


ACEITAR. Aceitar que a crise climática é um fato e que o planeta tem o direito e o dever de lutar para sua própria sobrevivência é outro fato. Aceitar que somos a pior espécie sobre o planeta, que o desrespeitamos, que o sujamos, que o estamos destruindo aos poucos é outro fato! E em aceitando já é um começo que nos fará partir para uma nova etapa. Uma etapa em que pensar em como fazer, pensar em unir forças, em mudar a maneira como estamos vivendo e tratando o mundo, já começará a mudar o clima que estamos vendo e vivendo!


PENSAR. Pensar, pensar e pensar! Não precisamos ir muito longe. Basta escutarmos os povos da floresta, nossos irmãos indígenas, quilombolas, eles estão nos dizendo todos os dias, horas, minutos e segundos como fazer, o que fazer e por onde começar. Podemos aprender muito com o que está acontecendo no Rio Grande do Sul, que cada imagem que estamos vendo nos incomode e nos persiga, pois temos uma parte da responsabilidade e que possamos evitar o genocídio da floresta, eis um começo possível.
Aristóteles nos disse há centenas de anos que: “A natureza não faz nada em vão!”, pensemos nisso! Ainda há tempo!


Meu Rio Grande do Sul, que não é mais tão somente céu, sol, sul, terra e cor, minha solidariedade! A solidariedade de um filho distante, mas presente! Que o amargo doce que sorvo tenha o gosto de esperança! Que está esperança que me invade, aqueça o coração da gente de todas as querências e que a cuia, este seio moreno que passa de mão em mão, possa além de traduzir, no ato do chimarrão, não somente a simplicidade e amizade que declamou Jayme Caetano Braun, mas neste momento difícil, possa traduzir a velha hospitalidade da gente do nosso rincão.


Me despeço, pedindo licença ao compositor Raul Ellwangner, por fazer minhas as suas palavras e digo com esperança verdadeira…‘Velho Rio Grande, Velho Guaíba, sei que um dia será novo dia, brotando em teu coração, porém não cairá lá do céu! Quem viver saberá que é possível, quem lutar ganhará seu quinhão!

Waldson de Almeida Dias é servidor público municipal em Foz do Iguaçu.

Este texto é de responsabilidade do autor/da autora e não reflete necessariamente a opinião do H2FOZ.

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1 comentário
  1. Olivia beatriz aquino Diz

    Meus mais cinceros respeito e admiração por esta reflexão absolutamente perfeita e em sintonia com meus pensamentos quanto poetisa ,gaúcha, e solidária com.meu estado também porém reflexiva quanto a total destruição da natureza que apenas responde aos.atos.humanos..e isso que penso ..o Rio Grande precisa lutar e está luta tem que ser justa apenas…Beatriz aquino ..cotia ..sp

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