Uma Noite em sessenta anos

Waldson de Almeida Dias, servidor público municipal, fala sobre o encontro com Pepe Mujica.

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 Waldson de Almeida Dias – OPINIÃO

VÍDEO: O que sabemos sobre nós mesmos? Assista à nova história da série Vidas do Iguaçu.

DOZE ANOS NA PRISÃO! A solitária, a tortura e a solidão foram suas companheiras por longos doze anos! Sua vida virou documentário, livro e filme. Sua vida e seu modo de ser, pensar e viver é inspiração para muitas pessoas no mundo, inclusive para mim!

O cineasta e escritor uruguaio, Alvaro Brechner, lançou no ano de 2018 um filme intitulado “Uma Noite de 12 anos”, que conta a história da vida deste ser humano singular. Seu nome: José Alberto Mujica Cordano!

           

Eu, sempre parei para escutar seus discursos, suas falas e acompanhar sua trajetória de vida, de luta, tanto em sua atuação política, quanto pessoal, cidadã. Aprendi a admirar o ser humano, o político, o homem.

Uma noite em meus sessenta anos de vida me levou as lágrimas, quando escutei José Alberto Mujica Cordano falar e eu estava a tão somente alguns metros dele e posteriormente pude apertar sua mão e expressar através de presenteá-lo com um exemplar de meu livro, o quanto lhe admiro e o quanto sou grato pelos ensinamentos que ele transmite para aqueles que usam os ouvidos para ouvir e transmitir a um cérebro pensante ideias de como viver melhor e lutar por um mundo melhor para todos.

 

Em 2018, quando do lançamento do filme sobre sua vida, José Mujica, já havia sido presidente do Uruguai, mas a “película” se concentra na vida do agricultor, que se tornou político e militante durante os anos de chumbo em que a América Latina foi colocada. Um lugar onde desaparecimentos de pessoas, prisões, torturas e mortes era algo comum e criminoso, não somente no Uruguai, mas nos países vizinhos também.

 

Mujica lutou contra ditadura militar em seu país, foi preso e colocado na prisão onde ficou alijado do mundo por doze anos, a maioria deles em celas chamadas de solitárias, onde não escutava a voz de nem um ser humano. Não pretendo me aprofundar nesse período de sua vida, mas recomendo a leitura do livro escrito pela jornalista uruguaia Carolina de Robertis, intitulado “O Presidente e o Sapo”. O livro é baseado na vida de Mujica enquanto na prisão.

           

A multidão que lotava o Centro de Convenções em Foz do Iguaçu, na noite de sexta-feira, dia 23 de fevereiro de 2024, durante a Jornada Latino Americana Y Caribeña de Integración de Los Pueblos, sessenta anos, dois meses e vinte sete dias após eu ter nascido, tive a honra de estar diante de uma consciência ímpar, um ser humano na acepção correta da palavra humano, ou seja, relativo a palavra de origem no latim “humanus” que nos caracteriza como uma espécie que possui uma gigantesca capacidade mental e habilidade para agir com racionalidade e adquirir conhecimento. Ter a presença de Mujica diante de meus olhos já elevava o batimento cardíaco, minha alma, se é que ela existe, já estava de joelhos, assim tal qual falava o escritor francês Victor Hugo, pois esse era um dos momentos em que você pode pronunciar em alto e bom som: a vida vale a pena, também por isso!

           

Aquele homem em minha frente, um senhor, um velho como falamos no popular e mencionado por ele mesmo. Do alto dos seus oitenta e nove anos, após percorrer mais de mil e trezentos quilômetros de carro entre Montevidéu e Foz do Iguaçu, perfazendo mais de trinta horas de viagem, estava ali, sentado e pronto para falar sobre a vida, sobre o viver com dignidade, sobre união dos povos, sobre paz, amor e combate à fome e as desigualdades entre todos os seres humanos, sobre sermos verdadeiramente humanos. Ele, o homem que tinha tudo para quando saiu da prisão ser um revoltado com o sistema, com a vida, ao começar a falar, sua voz transmitia amor, paz, fraternidade…eu escutava emocionado e recordava que ele havia ficado anos em uma prisão fétida sem escutar a voz de outro ser humano.

           

Com a queda da ditadura militar no Uruguai e o retorno da democracia, Mujica conheceu a liberdade, um homem que tinha tudo para se afastar da vida política e tentar recuperar os anos em que nada soube do que acontecia no mundo exterior a sua mente. Pelo contrário, Mujica retornou a política, se tornando deputado, senador e nada mais nada menos, Presidente da República Oriental del Uruguay.

           

O Presidente José Alberto Mujica Cordano, passou a ser conhecido no mundo como Pepe Mujica, o Presidente mais pobre do mundo. O título de Presidente mais pobre do mundo lhe foi outorgado pelo fato dele doar setenta por cento do seu salário ao partido que o elegeu e ao fundo de construção de casas de moradia. Habita até os dias de hoje a mesma casa, uma chácara chamada de “Rincón del Cerro”, que se situa na zona rural de Montevidéu, capital do Uruguay, e possui o mesmo carro que lhe foi presenteado, ainda jovem militante, pelos amigos do bairro, um velho Volkswagen 1987. Carro este que já recebeu uma oferta de compra no valor de um milhão de dólares. “o que se ganha, não se comercializa”, essa foi e continua sendo a resposta de Pepe Mujica a quem quer comprar seu “besouro”, seu “vocha”, seu “fusca”, palavras carinhosa com as quais ele designa seu automóvel.

“Eu não sou pobre, eu sou sóbrio, de bagagem leve. Vivo com apenas o suficiente para que as coisas não roubem minha liberdade.” (José “Pepe” Mujica)

           

Trinta e oito minutos e quarenta e nove segundos de fala foram o tempo em que Pepe Mujica se fez escutar por uma plateia que oscilava entre aplausos, gritos de “Mujica” e lágrimas. Eu fiz parte neste tempo infinito, dos que gravavam o que ele falava, sentia arrepios percorrerem meu corpo todo, aprendia e em lágrimas agradecia a oportunidade de ter olhos para ver aquele homem já envelhecido pela ação do tempo, cabelos brancos e, ouvidos para escutar sua voz melodiosa, mas vibrante entoar palavras que nos ensinaram, inspiraram e nos mostraram um caminho…

           

Um momento único! Um momento em que o próprio Pepe Mujica define como aquele momento em que “a vida escapa e se vai minuto a minuto e não podemos ir ao supermercado comprar a vida. Então lutem para vivê-la, para dar conteúdo a ela”. Precisa dizer mais? Sim precisa!

           

Preciso dizer “Gracias a lá vida que me a dado tanto”, ouso me apropriar das palavras de Joan Baez, sem ter a voz de Violeta Parra ou Mercedes Sosa, para agradecer a vida, ao universo pelas oportunidades que me tem proporcionado. Mas, estar diante de Pepe Mujica, diante de uma consciência humana, de carne e osso, mas com uma energia e inteligência capaz de emocionar a todos que o escutam e mesmo os que não tiveram a oportunidade de estar em sua presença, mas que o respeitam e admiram, não tem como não agradecer.

Pepe Mujica é e sempre será o eterno Presidente, não somente do Uruguay, mas aquele que dignificou o uso da palavra Presidente. Eu, chorei! Não tenho vergonha de dizer que verti lágrimas enquanto o escutava falar e depois na presença dele a voz embargou e quase que não sai o que eu queria lhe falar, ou seja, a honra que era estar em sua presença. Se ele vai ler ou não o meu livro, isso pouco me importa, o fato de ele ter aceitado, agradecido e ter falado com esse simples mortal, já valeu essa noite entre tantas que tenho vivido nestes sessenta anos.

Tirar fotos e fazer vídeos é importante, mas ele mesmo havia falado em sua palestra aula, o quanto o uso excessivo dos celulares e das redes sociais tem sido nocivo para a humanidade e nos privam de viver o momento presente, que me preocupei muito mais em usar a lente perfeita que é minha retina, mesmo embaçada pelas lágrimas que teimavam em se acumular em meus olhos, para fixar os momentos. Minha memória emotiva captou cada átimo dos momentos vividos e dos aprendizados adquiridos.

O evento era aberto a todos que quisessem participar, não somente pessoas de esquerda. E aí reside o grande problema da sociedade em que vivemos. Independente de nossa opção política, saber reconhecer quando um ser humano possui um conhecimento mais elevado que o nosso, te a grandeza de saber escutar, de saber aprender é o que nos difere de muitos animais e nos torna humanos.

Muitos candidatos e pré-candidatos as eleições de 2024 se acham tão conhecedores de tudo que sabem que não sabem nada, ignorantes prontos para serem edis, prefeitos, deputados, senadores e até mesmo presidenciáveis e ainda não sabem se quer escutar. Escutar quem sabe mais, escutar a voz do conhecimento, escutar o novo ancorado em ideias possíveis que possam criar um mundo melhor, escutar a voz que brota nas ruas, a voz dos oprimidos, dos que possuem fome, a voz do povo!

Ainda engatinhamos em saber distinguir uma liderança de um idiota, ou de uma idiota, o sexo não importa, pois a prepotência é a mesma. Gracias a la vida, gracias Presidente Pepe Mujica, por descer do Olimpo e conviver conosco, simples mortais que ainda temos muito para aprender. Gracias pela aula de vida e viver, gracias por uma vida de luta por uma vida melhor para todos e por um mundo onde a vida nos seja mais leve.

Gracias Presidente Pepe Mujica por sua resistência e por sua existência nesta dimensão física, neste planetinha redondo e azul repleto de incongruências, egoísmos e miséria, onde a vida humana se divide entre quem tem e quem não tem, quem pode mais e quem não pode.

Gracias Presidente Pepe Mujica por me ensinar a escutar, a entender, a ser e ter emoção, admiração e respeito não somente pelo senhor, mas pela essência que o contempla.

Uma noite, entre tantas que tenho vivido nestes sessenta anos que me faz ser uma pessoa melhor, para mim mesmo, para os meus e quiçá para humanidade. Quero mais, muito mais, pois saber reconhecer seres humanos ímpares e beber de suas sabedorias e exemplos de vida é um aprendizado que nos diferencia da massa humana impensante e nos faz seres humanos melhores.

Pepe Mujica disse que “Sim, estou cansado, mas isso não para até o dia em quem coloquem em um caixão ou que eu for um velho esquecido”, saiba mestre que você jamais poderá parar, mesmo que seu corpo um dia venha descansar em um caixão, digo isso pelo simples fato de que você jamais será esquecido e sim lembrado, sempre lembrado, pois seu legado, seu exemplo é único e transcende até mesmo o homem, o ser humano que és!

“Sim, eu estou cansado, mas isso não para até o dia em que me coloquem em um caixão ou quando eu for um velho esquecido.”

Por tanto vida longa e obrigado por me proporcionar um momento ímpar nessa minha existência de aprendizado, de luta e resistência.

Waldson de Almeida Dias e Pepe Mujica. Foto: Waldson de Almeida

Waldson de Almeida Dias é servidor público municipal em Foz do Iguaçu.


Este texto é de responsabilidade do autor/da autora e não reflete necessariamente a opinião do H2FOZ.

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