Um defeito de cor

Waldson de Almeida Dias, servidor público municipal, fala sobre o livro “Um defeito de Cor”.

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 Waldson de Almeida Dias – OPINIÃO

VÍDEO: O que sabemos sobre nós mesmos? Assista à nova história da série Vidas do Iguaçu.

LUIZ GAMA, DISSE: “Em nós, até a cor é um defeito. Um imperdoável mal de nascença, o estigma de um crime”. A escritora Ana Maria Gonçalves escreveu um livro, cujo título chama-se “UM DEFEITO DE COR”, tendo a frase de Luiz  Gama como título, não por simples acaso e sim porque o livro conta a história da africana escravizada Kehinde, trazida para o Brasil, se torna Luiza Mahim, uma das lideranças da revolta dos Malês em 1835 na Bahia, uma revolta onde mais de seiscentos escravizados marcharam nas ruas de Salvador, fazendo desta a maior revolta de escravizados no Brasil.

Luiza Mahin foi mãe de Luiz Gama! Menino escravizado, analfabeto até os dezessete anos. Aprendeu a ler, se tornou orador, jornalista, escritor e um dos maiores advogados brasileiros. Considerado o patrono da Abolição da Escravidão no Brasil.

Ana Maria Gonçalves, escreveu um livro que traz a história da formação deste país racista chamado Brasil. Um livro que é considerado um clássico e que deveria ser leitura obrigatória nas escolas em respeito à formação deste país que habitamos e que é tão desigual para os seres humanos que mesmo libertos da escravidão das correntes carregam na pele “um defeito de cor”!

O livro “Um defeito de Cor” foi o enredo da Escola de Samba Portela, no Rio de Janeiro, neste ano de 2024, algo simplesmente maravilhoso, onde a cultura popular amplamente divulgada no mundo através do carnaval brasileiro, trouxe a magia transcendental da literatura para avenida com um clássico, que na minha nada modesta opinião, é o livro mais importante já escrito no Brasil, pelo simples e importante fato de que o livro é o Brasil de ontem, de hoje e Oxalá de um Brasil que aprenda a aprender e mudar sua forma de ser e tratar sua população afrodescendente.

Portela, ao contar a história contida em “Um Defeito de Cor”, fez com que o livro se tornasse conhecido por milhares de pessoas que ainda não tinham acesso a livros, leitura e literatura nesse país. Um tema que eu não deixo de falar nunca, ou seja, precisamos de uma educação inclusiva em que os livros estejam ao alcance da população para que com isso, possam desde tenra idade aprenderem a pensar, raciocinar e se posicionarem com argumentos. Os livros e a leitura dos mesmos nos impedem que nasçam “mitos” articuladores de golpe de estado.

 

O livro de Ana Maria Gonçalves, “Um Defeito de Cor”, se tornou o livro mais vendido no Brasil após o desfile da Portela, ou seja, ao passar a mensagem as pessoas entenderam e procuraram adquirir o livro e assim conhecerem sua própria história nele contido. Ou seja, o conhecimento, o aprendizado foi transmitido em horário nobre pela televisão brasileira através da maior festa popular do país e com isso, as pessoas foram procurar se inteirar mais do conteúdo da obra.

“Eu não quero me confundir com essa sociedade. Eu quero ajudar a criar um novo modelo de sociedade, que parta da fissura, do quebrado. É interessante notar que, na arte japonesa, a fissura valoriza o objeto que se quebrou. Depois de ser restaurado com pó de ouro, o objeto é mais valioso. Nossas vozes e nossas ideias são pó de ouro.” (Ana Maria Gonçalves)

Personalidades importantes das artes brasileiras desfilaram com o livro em suas mãos, a imagem da atriz Thais Araújo com um exemplar de “Um Defeito de Cor” nas mãos em pleno o templo do samba, correu o mundo. O livro figurou ao final do desfile da Portela como o mais vendido no site da poderosa multinacional “Amazon”.

Eu como um defensor dos livros, leitura e literatura somente não fiquei mais feliz, porque enquanto ainda comemoramos o sucesso do livro e do desfile, em Porto Alegre no estado do Rio Grande do Sul, a polícia militar prendeu um homem negro que estava sendo vítima de agressão por um homem branco. Prendeu “UM DEFEITO DE COR” e deixou solto o sinhozinho, o feitor, o Branco Brasil Racista.

O fato acontecido em Porto Alegre mostra o quanto ainda estamos distantes de termos um país cuja inclusão seja real e que a cor da pele não seja mais um defeito, tal qual falado por Luiz Gama e sim uma pigmentação natural que a espécie humana desenvolveu para sua própria proteção.

A antropóloga e paleobióloga, Nina G. Jablonski (TED, 2009), estudiosa sobre a evolução da cor de pele humana, afirma em seus estudos que a radiação ultravioleta do sol está diretamente relacionada com a pigmentação da pele. Quanto mais próximo da linha do equador, mais a pele é escura e quanto mais perto dos polos a pele é mais clara.

Jablonski afirma que o “homo” tinha a pigmentação escura e essa herança foi compartilhada. A melanina em nossa pele serviu como protetor solar natural. As cores de pele diferentes são simplesmente a adaptação de nossos corpos a variedades de climas e níveis de exposição à radiação ultravioleta. Os estudos de Jablonski na atualidade contribui para o entendimento e a luta contra o racismo. Na época em que o tráfico negreiro começou, a cor da pele era a condição diferencial para se saber quem era o escravizado e quem era o colonizador.

Os escravizados foram igualizados pela cor da pele no ventre dos tumbeiros e foram chamados de Negros. Um povo que vivia livre em África e podia professar sua religiosidade, sua cultura e ensinar seus conhecimentos, a partir do momento da escravização se tornaram todos negros e todos receberam o estigma e o peso da cor negra que vai ser repassado de geração em geração. Cada corpo negro que nasceu, que nasce, já nasce estigmatizado. Ser negro passou a ser sinônimo de escravo, posteriormente de escravizado, até serem chamados, atualmente, pelo “politicamente correto” de afrodescendentes.

UM DEFEITO DE COR”, mesmo sendo o livro mais comprado neste mês de fevereiro, ainda precisa ser lido. Lido e digerido e após, pelos negros vivenciado e defendido e pelos não negros entendido a ponto de mudarem sua maneira de ser, de pensar e agir, e por todos nós defendido como uma ferramenta de educação e cultura capaz de mudar as ações da polícia militar de Porto Alegre, capaz de mudar o interior dos racistas e sobretudo capaz de mudar a sociedade em que vivemos.

O livro “UM DEFEITO DE COR” precisa ser mais distribuído, lido, estudado em nosso país para que uma parcela significativa da população brasileira aprenda a simplesmente sonhar, coisa que muitos nem sabe o que é. E para ilustrar minha afirmação eu trago as palavras da escravizada Kehinde, da liberta Luiza Mahim, da mulher que gerou um dos homens mais importantes e inteligentes para formação do Brasil: “A minha vida seguiu um caminho e fui deixando levar para muito longe do que tinha imaginado. E isso foi bom para mim, que tinha conseguido coisas com as quais os pretos nem sonhavam, não porque sonhassem pequeno, mas porque não sabiam que tais sonhos eram possíveis”.

O carnaval terminou, segundo o dito popular agora começa verdadeiramente o ano. Pois que ele comece com uma apuração rígida do governo brasileiro sobre a prisão do homem cujo “Defeito de Cor” se faz acentuado em seu corpo, na cidade de Porto Alegre, para que em sendo culpados os capitães do mato, nossa sociedade possa se debruçar sobre uma leitura edificante que nos mude para melhor e não  que seja mais e tão somente um enredo de carnaval.

Waldson de Almeida Dias é servidor público municipal em Foz do Iguaçu.


Este texto é de responsabilidade do autor/da autora e não reflete necessariamente a opinião do H2FOZ.

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1 comentário
  1. Júlia Alves Diz

    Ótima e necessária reflexão, Waldson. Obrigada.

Comentários estão fechados.