Não arraste o cobertor no chão!

Waldson de Almeida Dias, servidor público municipal, fala sobre moradores de rua em Foz do Iguaçu.

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Waldson de Almeida Dias | OPINIÃO

ESPERANÇA! Um substantivo feminino que ultimamente está em falta no mercado mundial, já no mercado nacional é artigo em extinção! Vide por exemplo o grande número de moradores de rua que assola as cidades brasileiras.


“Vai piorar…Drogas e Drogados!?”, este é o título de uma crônica que publiquei no ano de 2023 e cujo assunto se referia ao número de moradores de rua que frequentavam as ruas de nossa cidade, consumiam drogas e tinham as calçadas e marquises como moradia. Vai piorar, afirmei, antevendo o aumento de moradores de rua em nossa cidade.


Para muitos esse fato já faz parte do panorama da cidade turística que apresenta uma das sete maravilhas da natureza ao mesmo tempo que mostra a enxurrada de seres humanos a terem as ruas como único lugar para habitar. Não acho que isso seja normal e defendo que não temos que normalizar essa realidade, virar a cara, tapar o nariz e nada fazer.


Essa semana que passou, ao caminhar em uma das tantas calçadas que servem de moradia para os invisíveis moradores de nossa cidade, me deparei com uma cena que me chamou atenção ao mesmo tempo que fiquei comovido com o que visualizei e principalmente com o que escutei. Ao final da tarde, quase noite, um casal estava deitado no chão, tendo entre seus corpos e a calçada fria, apenas um papelão que lhes servia de colchão. Para lhes cobrir o corpo um cobertor velho. De repente a mulher que estava deitada entre a parede da loja e o corpo do homem, seu companheiro, que ao seu lado dormia, levantou a cabeça e olhou em volta.

Ela ergue metade de seu corpo e olha o companheiro deitado e com o corpo todo coberto pelo cobertor. De maneira ríspida e com voz forte diz: “não arraste o cobertor no chão! Dessa maneira vai sujar!”, e de maneira ágil termina de erguer do chão forrado pelo papelão seu corpo magro e puxa uma parte do cobertor que havia saído de cima do homem e cobria o chão molhado da calçada fria. Detalhe, havia chovido! Parte da calçada estava molhada, sendo que a única parte seca era a que estava o papelão, seus corpos sob a proteção da marquise da loja.


Parei meu caminhar e fiquei observando aquela mulher puxar o cobertor para cima do papelão ao mesmo tempo em que o companheiro despertava. Percebendo que eu observava a cena, ela se dirige a minha pessoa e fala: “moço, se sujar, se molhar, fica com cheiro ruim!”. Olhei o cenário em torno dos dois e percebi que os poucos pertences estavam acondicionados em sacolas e umas duas ou três caixas pequenas. Puxei conversa para tentar entender quem era aquela mulher e, ela falou que eles estavam desempregados há alguns meses, não tinham mais como pagar o barraco onde moravam e que ela não queria estar naquela condição, mas “Deus quis assim!”.


Deus, pois bem, pensei eu, somente se for um deus chamado capitalismo! O capitalismo que ao mesmo tempo que cria os moradores de rua, tem o poder de nos cegar a ponto de não vermos, ou fingimos não ver, o grande número de seres humanos que possuem as calçadas como cama, as marquises como teto e a rua em sua amplitude como lar, não tão doce lar.


Conversei um pouco mais com dona Pureza, assim resolvi chamá-la, devido a maneira pura como falava comigo, como se eu fosse um velho conhecido. Dona pureza não queria morar na rua, não queria e nem escolheu passar pela situação em que estava. Ao dividir com uma amiga o que havia presenciado, ela me chamou atenção: “ela pode estar nesse momento nessa situação de viver na rua, dormir na calçada sobre um papelão, mas isso não a define. É tão somente uma situação em que ela está, pois a preocupação de não arrastar o cobertor, em não sujar, essa é a mulher, isso é que a define, isso é a mulher!”. Dona Pureza humanizou a sua vida perante meus olhos e a de todos os que vivem na rua e que passo no dia a dia e nem se quer dirijo o olhar e nada faço para ajudar. Dona pureza me fez sentir vergonha ao mesmo tempo em que também me humanizava, pois contive às lágrimas!


Dignidade! Dignidade é o mínimo que estas pessoas necessitam. O padre Julio Lancelloti afirma que “nossa arquitetura é muito hostil e pouco hospitaleira”, ao falar esta frase o Padre que mais acolhe moradores de rua na maior cidade da américa latina, São Paulo, se referia ao moradores de rua não ter onde se proteger das intempéries ao habitar as ruas.

“A tristeza é uma telha quebrada na casa da nossa vida, mas a esperança é um cobertor que nos protege.” (Pr. Fabio de Melo)


Ousei perguntar a dona Pureza, se caso o cobertor tivesse ficado sujo como ela faria para lavar? Ela respondeu que esperaria uma chuva mais forte. Fui mais longe, e as necessidades fisiológicas? Como resposta apenas um sacudir de ombros e um olhar para o chão. Fiquei envergonhado de ter feito tal pergunta! O fato é que vários locais da cidade se tornaram banheiros a céu aberto e contra fatos não existem argumentos!
No centro de nossa cidade, na rua Edmundo de Barros quase esquina com avenida Brasil, há um ponto de taxi. Atrás do ponto de taxi, na calçada onde as pessoas passam ou tentam passar diariamente para acessar os restaurantes que existem ali perto, o cheiro de fezes e urina é uma constante.

O local se transformou em um banheiro público que é utilizado pelos moradores de rua que frequentam o centro da cidade.
Na Travessa Oscar Muxfeld, a rua onde está situada a Câmara dos Vereadores, parece mentira, mas ao lado da Casa de Leis existe um terreno baldio que serve de banheiro para os moradores de rua, sem falar que o terreno em área central da cidade, através do descaso dos proprietários e do poder público tem um tapume quase caindo que lhe serve de muro, pois o muro que antigamente havia já caiu levando consigo metade da calçada que ali havia.

O tapume que não tapa nada permite facilmente não somente que os moradores de rua que vivem nas adjacências acessem ao terreno, bem como é de fácil esconderijo para aqueles que querem cometer roubos aos transeuntes.


Na praça da bíblia, outro pseudo cartão postal da cidade os moradores de rua se aglomeram. Próximo ao “Teatro” barracão existe um banheiro público que virou local de aglomeração de moradores de rua, sem falar que atrás do referido “Teatro” é o local onde se concentra o dormitório coletivo a céu aberto, onde o cheiro de urina, fezes e sujeira é constante e onde os turistas que nos visitam vão embora sem saber que existe, sem se quer visitar e tirar uma self. Ignoram a realidade de nossa cidade e tão somente apreciam o ar puro e revigorante das cataratas sem absorver o ar fétido que respiramos em alguns lugares ditos centrais da cidade. (contém ironia).


Na praça da paz, está o tanque de lavar roupa, já vi alguns moradores de rua lavando suas roupas no espelho de água que ali existe e as colocando para secar ao sol. Bandeiras da pobreza estrema a tremular a dois passos da Prefeitura. Em tempo, lembro que questionei o projeto arquitetônico da praça da paz e da praça do mitre quando apresentado na Casa de Leis, na legislatura retrasada e aprovado pelos edis da época.

O chafariz criador de mosquito da dengue na frente do Colégio Mitre já foi retirado, dinheiro público jogado fora e o errado que não sabia o que falava na ocasião era eu! Pois bem!
São questões sociais que estão presentes em todas as cidades brasileiras dizem algumas ditas autoridades. Sim, eu sei que são questões sociais, mas isso serve como desculpa para ninguém fazer nada. Muitos não querem ser ajudados e preferem ficar nas ruas, palavras que também escutei das ditas autoridades, nem todos, dona Pureza é exemplo claro disso!


A verdade é que quando as autoridades abandonam certas zonas da cidade, seja elas centrais ou não, criam as condições para que os invisíveis se tornem visíveis e com eles as questões sociais se apresentam e as questões de qualidade dos gestores aparecem, também ficam visíveis para quem quiser ver.


Este ano de 2024 é ano de eleições, eles, os candidatos estão em ação a pedir votos e com projetos mirabolantes para cidade, a grande maioria não tem condições se quer de levantar o cobertor do chão para evitar que ele fique sujo. Eis uma das perguntas que vou fazer aos nobres que querem ser vereadores e prefeitos da cidade das águas: vocês possuem a sensibilidade para não deixar o cobertor sujar? Duvido que tenham inteligência para entender a pergunta e os que entenderem venham a ter sensibilidade para responder!


Protestar, reclamar e mostrar onde estão as mazelas de nossa sociedade é nosso dever na condição de cidadãos. As autoridades cabem no mínimo nos trazer um cobertor que nos proteja, um cobertor que esteja limpo, um cobertor chamado Esperança!

Waldson de Almeida Dias é servidor público municipal em Foz do Iguaçu.

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3 Comentários
  1. Rafael Sanches Diz

    Parabéns! texto riquíssimo e como sempre cirúrgico com as palavras

  2. Ana Paula Diz

    Como sempre perfeito nas palavras!!! Parabéns!!!

  3. Silvio Diz

    Começou bem até a veia ignorante socialista culpar o capitalismo pelos crimes cometidos por políticos corruptos e pelo sistema corrupto que os acoberta!

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