O Pequeno Príncipe e a Mediocridade

Waldson de Almeida Dias, servidor público municipal, fala sobre a importância dos livros, da leitura e literatura.

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 Waldson de Almeida Dias – OPINIÃO

EU, DO LIVRO NÃO ME LIVRO! As letras me foram apresentadas muito cedo na vida. A distância entre a apresentação, amizade e o amor foi curta e muito rápida. E antes mesmo de passar do amor para a veneração total, elas, as letras, começaram a me proporcionar sensações incríveis: amor, dor, raiva, indignação, curiosidade, alegria, medo, coragem, euforia…

As letras ao formarem palavras e constituírem frases me apresentaram a um dos melhores amigos que tenho, se não o melhor: o LIVRO! E esse amigo que não era apenas um, se mostrou dois, depois três, se fez dezenas, centenas, milhares, milhões e a base do que eu sou nos dias de hoje!

Um dos maiores pensadores brasileiros, o dramaturgo, jornalista e escritor Millôr Fernandes descreveu meu amigo como um revolucionário conceito de tecnologia da informação, assim chamado de “Local de Informações Variadas, Reutilizáveis e Ordenadas – L.I.V.R.O”. Pergunto eu: precisa dizer mais?

Sim, preciso dizer muito mais! Um dos primeiros livros que tive a felicidade de ler, ainda criança e depois reler várias vezes ao longo dos tempos e o tenho na minha biblioteca, chama-se: “O Pequeno Príncipe”! O livro foi escrito pelo francês Antoine de Saint-Exupéry, um livro clássico que tem uma mensagem poderosa para todos os seres humanos e cujas as frases, muitas, foram e são repetidas por milhões de pessoas com o intuito de mostrarem que são pessoas espiritualizadas, informadas e ou na esperança de gerar no outro tal sentimento e ou conhecimento. O Pequeno Príncipe era o livro mais citado pelas candidatas a misses, pois colocava as mesmas em um patamar de quem se preocupava com a humanidade, com os seres humanos e principalmente com os direitos humanos. Entre os estudantes de direito já não tenho certeza.

Eu gosto demais deste livro e para mim ele é atemporal, ou seja, desde sua primeira edição, em 1943, permanece atual e retrata o comportamento humano, sempre no presente. Uma das frases que mais gosto escrita no livro é a que diz: “É preciso exigir de cada um o que cada um pode dar”. Perfeito! Jamais poderemos exigir de uma pessoa medíocre que ela se torne da noite para o dia, uma pessoa extraordinária, excepcional, brilhante.

O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes se referiu a fala do advogado de defesa de um dos réus preso pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, como uma fala “patética e medíocre”. O advogado da fala “Patética e Medíocre”, Henry W. Kattwinkel ao citar a fraseos fins justificam os meios” atribuiu a mesma ter sido proferida pelo Pequeno Príncipe, quando a mesma é atribuída a Niccolò di Bernardo dei Machiavelli, chamado aqui no Brasil, simplesmente de Nicolau Maquiavel.

O advogado está vivendo seus dias de fama, uma fama patética e medíocre, isso fica bem claro, mas traz luz aos pressupostos no sentido de que ele não está sozinho. Ele tem representatividade. O Poeta Mario Quintana disse que “o verdadeiro analfabeto é aquele que sabe ler, mas não lê”. Eis onde reside a mediocridade!

“O verdadeiro analfabeto é aquele que sabe ler, mas não lê.”

                            (Mario Quintana)

Vivemos em uma era que pode ser denominada de a era do “ ‘Ctrl C’, e ‘Ctrl V’ ”, ou seja, o uso das teclas do computador que permitem copiar e colar o que foi copiado. Copiar e colar se tornaram algo “patético e medíocre”, pois nas redes sociais digitais as pessoas colocam frases que teoricamente são atribuídas a determinado autor sem nunca terem lido este autor, nem sabem onde e em que contexto o mesmo usou determinada frase, se é que usou, se é que realmente é o autor da mesma.

Para completar a mediocridade aumenta ainda mais com a chegada do “Chatgpt”, onde os medíocres já começaram a escrever textos sobre assuntos que nunca estudaram, nunca leram se quer uma linha e cuja a defesa sobre o referido assunto não saberão sustentar de maneira oral, pois não entendem o que não foi estudado e escrito por eles, ou melhor pelo “Chatgpt”, chamem a isso o que quiserem chamar, eu chamo de mediocridade humana.

A mediocridade foi escancarada em pleno Supremo Tribunal Federal, este é o seu ápice até o presente momento, mas seu nascimento começa em casa, onde o bebê, ainda sem saber engatinhar já recebe um tablet com desenhos animados para se distrair e não incomodar os pais que certamente estão “ocupados” com coisas bem mais edificantes. Tão logo o bebê começa a dar os primeiros passos o desenho animado no tablet é trocado pelos jogos eletrônicos e assim são criados os robôs humanos que vemos aos milhares nas casas e ruas de nossas cidades.

Ao se tornar uma criança com idade escolar, o robô meio humano meio eletrônico encontra na escola professores cansados, despreparados diante de uma literatura de qualidade que possam trabalhar, indicar e fazer com que este robô humano, se torne um humano aluno e tenha o gosto pela leitura, que tenha pelos livros amizade, que os estimule a aprender a aprender e desta forma os afaste desde pequenos da mediocridade vigente.

Tenho em meu círculo de amizade um casal de amigos, cujos filhos, um menino e uma menina, ainda na idade de serem crianças, que já leram mais livros de qualidade que advogados em defesa no Supremo. Recentemente o pai pesquisou o conteúdo e a qualidade do livro a presentear o filho. O filho leu e posteriormente o pai também leu e fez um texto recomendando o livro. Eis a diferença entre um futuro de qualidade e um futuro medíocre. Esse menino certamente saberá quem é o autor deste e dos demais livros que ele tem lido e poderá nos contar e dissertar sobre os conteúdos com sabedoria e discernimento.

William Henry Gates III, mais conhecido como Bill Gates, criador da maior empresa de software do mundo, disse: “Meus filhos terão computadores, sim, mas antes terão livros. Sem livros, sem leitura, os nossos filhos serão incapazes de escrever – inclusive a sua própria história”. Essa frase deveria estar escrita em cada sala de aula desse país, não somente para as crianças lerem, mas principalmente para os professores e educadores saberem que cabe a eles saírem da mediocridade de ensinar o lugar comum e fazerem a diferença no futuro destas crianças, pois o mestre exemplifica, aquele que tem na leitura um ponto forte, faz forte seus discípulos e cria leitores capacitados a escreverem suas próprias histórias.

Tivemos em um passado não tão distante um Ministro da Educação que ensinou a mediocridade ao falsificar seu próprio curriculum. Precisa falar mais? Preciso, sim! Conheço professores cuja a arte de ensinar o gosto pela leitura aos seus alunos é zero. Pois a eles não foi ensinado o gosto pela leitura, o amor pelos livros e a diferença que faz a leitura para que tenhamos um conhecimento mínimo que nos permita não cometer gafes em público e virar chacota em todo o país a ponto de talvez fazer Maquiavel e Saint-Exupéry, darem risadas juntos, sentados em uma nuvem qualquer do céu.

Ao colocar Saint-Exupéry e Maquiavel juntos no céu, licença poética que me permiti fazer, lembrei do livro do amigo e escritor Sérgio Rodrigues, “A Vida Futura”, onde ele em uma escrita primorosa, traz a vida nos dias de hoje, Machado de Assis e José de Alencar. Os dois grandes escritores da literatura brasileira retornam ao Rio de Janeiro da atualidade para questionar o porque seus livros seriam reescritos de maneira “compactada”, “simplificada”. Aqui, peço licença ao autor para colocar um parágrafo de seu livro onde o suposto espírito de Machado de Assis diz: “Mas será demasiado pedir que não sejam mais ingênuos que o habitual? Fazer uma versão simplificada dos meus livros ultrapassa o vocabulário; há que cortar fundo na carne, na proporção exata do analfabetismo funcional cultivado com tanto esmero no corpo do povo. Ocorre que o mesmo pensamento nu, límpido embora, é hermético para quem não aprendeu a pensar. Em caso extremo pode ser de bom alvitre suprimir a obra de todo, deixando o nome do autor na capa e um maço de folhas virgens de entremeio; teria sua graça.

Compactar, simplificar, encurtar livros de grandes autores para que sejam mais facilmente entendidos por alunos que somente desejam decorar o conteúdo para passar no enem e vestibulares da vida; para aumentar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), é o começo da criação da mediocridade, é o começo da criação de “profissionais” patéticos e medíocres que certamente serão os responsáveis por ações patéticas e medíocres como foi mencionada pelo Ministro Alexandre de Moraes. É o começo da criação do analfabetismo funcional que no Brasil ainda tem altos índices, principalmente entre a população de pessoas pretas e pardas. Devemos questionar a qualidade da educação que os brasileiros estão recebendo. Será que o grande escritor tem razão no que disse: “…é hermético para quem não aprendeu a pensar”, não tenho a menor dúvida de que ele está com a razão e a sabedoria ao mencionar tal verdade. Estamos criando uma geração que não sabe pensar? Ou já criamos? Pedir intervenção militar é a prova cabal disso, quer queiramos ou não.

No livro de Sérgio Rodrigues, “A Vida Futura”, o defunto escritor também nos diz: “…um dos defeitos mais gerais entre nós, brasileiros, é achar sério o que é ridículo, e ridículo o que é sério. Sabia-o antes de ser um autor defunto e mais o sei agora”. Somente rindo para não chorar, me utilizo das palavras grafadas no livro para dizer que o sorriso, a risada, a gargalhada que tenho presenciado no rosto de meus amigos, conhecidos e pessoas que nem sei quem são, ao verem o vídeo patético, ridículo, estrelado pelo advogado Henry W. Kattwinkel, nada tem de ridículo, que bom que eu realmente pudesse somente afirmar se tratar de um vídeo ridículo. Ao contrário, trata-se de um vídeo sério! É muito sério! Trata-se do retrato e da representatividade extremamente alta da população brasileira, a mesma população que foi capaz de ir para frente dos quartéis pedir que os militares dessem um golpe de estado; a mesma que deseja a morte e até mata quem tem o pensamento contrário ao seu; a mesma população do quanto pior melhor; a mesma que tem a certeza que os fins justificam os meios.

Eu, dos livros não me livro, embora saiba que tal como pessoas, existem livros ruins, livros nocivos e até mesmo que matam. Mas, mesmo assim precisam ser lidos e entendidos, para que possamos saber quem são os maquiavélicos e quais os príncipes que compactuam com o bem da humanidade.

A então jovem menina paquistanesa, na época com a idade de 14 anos, Malala Yousafzai, ao receber o prêmio Nobel da Paz, em seu discurso de agradecimento, enviou um recado a humanidade. Disse ela: “Um livro, uma caneta, uma criança e um professor podem mudar o mundo”. Concordo plenamente com Malala, embora tenho a ousadia de acrescentar que este professor, a qual ela se refere, tem que ser um professor preparado, motivado, bem alimentado, com salário em dia e verdadeiramente valorizado.

Recentemente escrevi uma crônica que intitulei de “Pobreza Multidimensional”, em que afirmei que a pandemia, além de espalhar o corona vírus, tinha espalhado o vírus da ignorância de forma que todos eles e elas saíram de seus túmulos e se intitularam intelectuais com propriedade para dar pitaco em qualquer assunto. A crônica se referia a morte de uma rede de livrarias, elas estão morrendo e os lugares em que podemos ficar horas a apreciar o aperitivo intelectual, ou seja, olhar a lombada, a capa e contra capa e as orelhas dos livros e sentir a atração entre o criador e a criatura, entre o autor e nossa vontade de ler sua proposta temática, entre a obra escrita e a nossa sede de sabermos a história que ele tem para nos contar.

Sempre que vou fazer uma palestra sobre a importância dos livros, da leitura e literatura em nossas vidas, começo citando a professora, pensadora, filósofa e escritora mexicana, Sóror Juana Inês de la Cruz que afirmava: “Eu não estudo para saber mais e sim para ignorar menos”.

É sobre isso que falo, é sobre isso que luto, pois os livros são professores que estão a nossa disposição vinte e quatro horas, claro que uns bons, outros ótimos, outros medíocres, outros ainda maquiavélicos, mas todos, sem exceção nos auxiliam a aprender a aprender, nos ensinam a ignorar menos, nos ensinam a também citar Descartes e pronunciar em alto e bom som: “Cogito, ergo sum”, ou seja, “Penso, logo existo”.

A cena patética e medíocre que os brasileiros se depararam ao longo da semana é somente o começo, certamente veremos outras e outras, até que a educação seja prioridade nos governos, não importando qual o governante, desde que ele se importe com uma educação de qualidade para todos. Pois tal como disse Paulo Freire: “para a concepção crítica, o analfabetismo nem é uma ‘chaga’, nem uma ‘erva daninha’ a ser erradicada, mas uma das expressões concretas de uma realidade social”.

E já que citei o grande educador Paulo Freire, que certamente o nobre advogado detesta sem mesmo o ter conhecido e jamais o citaria e caso o cita-se, se conveniente lhe fosse, daria crédito ao Pequeno Príncipe, finalizo lembrando que o Pequeno Príncipe jamais efetuou discurso de ódio, somente de amor. E disse Paulo Freire: “É preciso que a leitura seja um ato de amor”.

Waldson de Almeida Dias é servidor público municipal em Foz do Iguaçu.


Este texto é de responsabilidade do autor/da autora e não reflete necessariamente a opinião do H2FOZ.

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2 Comentários
  1. Joaquim Rodrigues da Costa (Juca Rodrigues) Diz

    Texto maravilhoso, mais uma vez as sábias palavras de meu amigo Waldson de Almeida Dias! Uma delícia de leitura.

  2. Sheila Paiva Diz

    Texto maravilhoso! Fiquei até triste, por não conseguir lê tanto.

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