Revisitar a história com aquele gostinho de frango caipira acompanhado de macarrão caseiro e bolo gelado de coco. Essa viagem gastronômica pode ser feita na leitura do livro Cozinhas de Foz do Iguaçu, bairro Três Lagoas, organizado pela professora Paola Stefanutti, do Instituto Federal do Paraná (IFPR).
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Lançada na sexta-feira, 12, no IFPR, a obra reúne 23 receitas de 23 moradores com idades entre 40 e 75 anos. O registro foi feito por 26 estudantes de gastronomia, que se encarregaram de realizar entrevistas.
Ao sair a campo, os estudantes não apenas pinçaram as receitas de família como também mergulharam em um pedaço da história de Foz do Iguaçu que, por vezes, é desconhecida.
Uma das alunas é Jéssica Gomes, 32 anos. Prestes a pegar o diploma do curso superior de Tecnologia em Gastronomia, ela diz que a experiência foi incrível, porque possibilitou conhecer história de pessoas que sempre via nas ruas de Três Lagoas, onde cresceu.

“É um livro de receita, mas conta a história dos moradores, desde a da minha família, que chegou em 1979. É diferente você conhecer as pessoas da rua, da igreja, das festas e estar dentro das casas delas, saber de onde elas vieram”, frisa.
Jéssica deixou registrado na obra o prato da mãe, o Frango na Palha, uma receita compartilhada com a família em momentos especiais que vinca a memória afetiva.
Para ela, a experiência de participar do livro foi marcante pelo fato de sair da sala de aula e da cozinha e ir a campo. “A gastronomia não é só cozinha, é pesquisa, extensão e um mundo a ser descoberto.”
A obra ainda resgata a história da região do Três Lagoas e as narrativas da migração dos moradores, 21 mulheres e dois homens, a maior parte paranaense e gaúcha que vieram para Foz em busca de oportunidade.

Tem cafezinho aí?
Maria Helena Valiati Fabri, 71 anos, é autora da receita de Risoto de Frango. Ela conta que a mãe costumava reunir os filhos e netos, principalmente aos domingos, para preparar o prato. “Ela fazia aquele panelão e várias saladas.”
Filha de migrantes que vieram do Rio Grande do Sul, Helena chegou a Foz aos 5 anos. Na memória, ela ainda guarda as imagens da chácara onde havia frangos, porcos, boi e verduras. Foi crescendo, pegando gosto pela cozinha e aprendeu a fazer o risoto como ninguém.
O segredo? “É o amor”, revela. A mão de Helena para fazer o risoto é tamanha que o prato integra o menu da família. Ela afirma que um dos filhos, quando quer o risoto, tem o costume de ligar pedindo um cafezinho. “Mãezinha, tem um cafezinho aí hoje?” Ela responde: “Pode ser um risoto?”

O frango parece ser a principal proteína do Três Lagoas quando se trata de receita. Operador de empilhadeira, Creusvalto Ribeiro, 51 anos, também tem um risoto no livro. Ele informa que a receita surgiu em uma confraternização de amigos, há mais de dez anos.
Despretensiosamente, ele fez o prato, que caiu no gosto do povo. Até mesmo na festa da igreja, o risoto de Creosvalto já marcou presença. “A diferença está no bacon”, garante.
Apesar do destaque para as receitas de frango, o livro traz massas, escondidinho, churrasco, arroz no tacho e uma variedade de doces.

Algumas receitas já estão batizadas com o nome dos autores: Macarrão Caseiro da Vó Beloni, Churrasco do Jairo, Risoto da Vó Helena, Macarrão da Cida, Macarronada com Maionese da Vovó Soeli, Bolo Gelado de Coco da Nãna, Cuca da Leci e Pudim da Dielsa. Há também mimos de goiabada, batata gratinada…
Risoto no jornal Nosso Tempo
O risoto tem presença marcante no livro e na história da culinária de Foz do Iguaçu. A professora Paola explica que os alunos fizeram um levantamento histórico sobre o prato e encontrou no jornal Nosso Tempo algumas e encontrou registros sobre o risoto desde 1981. Em 1985, aparece outro informação sobre o risoto, em uma confraternização estudantil.
No periódico há também menções de matérias comerciais indicando que um risoto era servido em um restaurante de nome Chopp Center, que ficava na Rua Santos Dumont.

A proposta do livro, diz Paola, é pensar como é a alimentação em Foz do Iguaçu e valorizar as pessoas, os moradores dos bairros, muitas vezes invisibilizados.
“Se a gente for pensar em territórios que vendem a sua gastronomia, o que eles fizeram primeiro? Não chamaram grandes chefes de cozinha para elaborarem pratos, eles primeiro, olharam para sua própria cozinha e valorizaram a cozinha local”, frisa.
Ao fazer as pesquisas, os estudantes ainda puderam constatar que as memórias da roça estão bastante presentes nas receitas, por serem marcadas por pratos como frango caipira, quiabo e polenta. A presença de fogão a lenha em seis casas visitadas também remete à memória do campo.
Este é o volume 2 do livro Cozinhas de Foz do Iguaçu. O primeiro foi produzido com receitas da região do Morumbi, onde havia mais pratos salgados e memórias da roça, diz a professora. Porém, Três Lagoas e Morumbi têm algumas semelhanças, como a presença de muito frango, seja ao molho, com quiabo ou polenta, e bastante risoto.
A escolha da região de Três Lagoas leva em conta o número de alunos daquele lugar na turma. Os estudantes vão às ruas para mapear festas típicas, produtores, feiras, e depois é feita uma votação.

Após a definição, eles fazem entrevistas com moradores acima de 60 anos e que estejam há mais de 30 nos bairros, revelando assim uma relação de pertencimento ao local.
A região do Três Lagoas engloba três bairros: Alvorada, Naútica e o próprio Três Lagoas. Na área é o segundo bairro mais populoso de Foz e reúne 27 mil habitantes conforme o censo de 2022.


