Quase como nos tempos do imperador

Tenho curiosidade em saber como Vossa Majestade se sente com a sua história de vida pessoal e pública sendo retratada em uma obra artística de ficção, apesar de toda a licença poética.

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Eliana Tao – OPINIÃO

Ao Imperador Dom Pedro II:

Tenho curiosidade em saber como Vossa Majestade se sente com a sua história de vida pessoal e pública sendo retratada em uma obra artística de ficção, apesar de toda a licença poética.

Eu, enquanto telespectadora, confesso estar com os sentimentos misturados: alegro-me em ver personagens e acontecimentos relatados nos livros ganharem vida diante dos meus olhos. Porém também fico bastante entristecida ao perceber que, em determinados aspectos, o futuro está repetindo o passado, como bem observou um cantor e compositor de rock brasileiro (se é que não estamos piores).

Para facilitar o vosso entendimento vou explicar por meio de personagens com os quais o imperador possui maior proximidade ou convívio. Quando Maria do Pilar Cavalcanti Mendes foge da Bahia para o Rio de Janeiro em busca do sonho de estudar medicina, a jovem fica maravilhada com a iluminação noturna que existia na Corte exclamando “iluminação a gás!”. Pois é, no século XXI os brasileiros são surpreendidos quase todos os meses: a opção por ficar no escuro, à meia-luz ou à luz de velas em alguns casos nada tem a ver com apreciar a sensação de mistério ou de romantismo, mas sim com tentativas desesperadas de baixar minimamente o valor da tarifa de energia elétrica. Lamentavelmente não é o único item com aumento astronômico, pois temos também a tarifa de água, o valor dos alimentos, do botijão de gás de cozinha e dos combustíveis.

Jorge, que posteriormente passou a atender pelo nome de Samuel é o grande amor de Pilar. Certa vez, Vossa Alteza compartilhou com a imperatriz o inconformismo por uma pessoa sofrer com atitudes discriminatórias somente por ser negro. É sabido que o monarca tentou diversas vezes extinguir tal prática no país, infelizmente sem sucesso. De acordo com o autor Múcio Teixeira “Dom Pedro II sempre abominou a escravidão, não possuía escravos e sim empregados assalariados, e desde a declaração de sua maioridade, quando herdou quarenta escravos, libertou todos. Os mesmos passos sempre foram seguidos por suas filhas e aqueles que desejavam a admiração do Imperador”.

Muitos anos se passaram e os afrodescendentes ainda são discriminados sendo mais atingidos no que diz respeito ao acesso à educação, emprego e saúde quando comparados a pessoas de etnia branca, apesar das ações pontuais em busca de alguma equiparação e que infelizmente Michael Jackson continua tendo razão ao observar em uma de suas canções que “tiroteios, mortes violentas. Todos enlouqueceram. Tudo o que eu quero dizer é que eles não ligam para nós”. O cantor, compositor e membro da Academia Brasileira de Letras Gilberto Gil acrescenta: “o que o Brasil produziu de mais significativo veio da senzala e isso é insuportável para muita gente”.

Os monarcas sempre foram a favor da educação, enxergando nela um meio de as pessoas mudarem suas realidades para melhor. O cineasta e fotógrafo João Wainer coloca que “preservar a ignorância do povo sempre fez parte de um projeto de poder. Sem conhecimento as pessoas não conseguem entender os mecanismos que geram a pobreza em que estão inseridas ou os motivos que as impedem de melhorar de vida, crescer e evoluir socialmente”. Dom Pedro II discordou a ideia de a educação ser considerado um artigo de luxo, acessível apenas aos que detinham posses. Manifestou diversas vezes sua admiração e respeito pela profissão de professor, atividade que escolheria para exercer caso tivesse oportunidade. Apadrinhou Samuel, Pilar e tantos outros.

Por isso fico imaginando como o amante dos livros, das artes e das ciências se sente ao ver órgãos ligados a estas áreas sendo esquecidas, desmanteladas obrigando profissionais e pesquisadores a buscarem oportunidades no exterior, movimento conhecido como “fuga de cérebros”.

A imperatriz Teresa Cristina, apreciadora de arqueologia e das belezas naturais brasileiras deve estar igualmente decepcionada com o que vem ocorrendo com o nosso meio ambiente, destruído vorazmente nos últimos anos. Sem falar na perda maciça do acervo contido no espaço carinhosamente chamado por ela de “museu particular”, posteriormente transformado e conhecido como Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista que foi acometido por um incêndio de grandes proporções em 2018.

De tudo que estou contando para Vossa Majestade talvez o pior e mais preocupante no retrato do Brasil do século XXI é a multiplicação de seres como o deputado Tonico Rocha na política. Não bastando ter atitudes racistas e estar constantemente envolvido em falcatruas, a criatura ainda é dona de um veículo de comunicação, usado para atacar a todos que atravessam o seu caminho e atrapalham seus planos. Se um jornal O Berro já causava bastante estrago, imagine o mesmo se alastrando em versão digital publicando inverdades ou fake news como se diz hoje em dia.

Para Selton Mello, ator que interpreta o imperador na telenovela “é importante revisitar o passado para não cometer erros no presente”. E apesar de hoje a tristeza não ser passageira com nossa realidade, partilho do mesmo otimismo de Renato Russo. O cantor e compositor acredita que “quando tudo está perdido sempre existe um caminho”. Por meio das eleições gerais que irão acontecer em breve os cidadãos brasileiros têm a oportunidade de escolher o caminho a ser trilhado pela nação.

Tomada pela honra de escrever uma mensagem para Vossa Majestade, aqui me despeço. Vejo o imperador na reta final da telenovela, em algum livro ou site de História do Brasil.

* Eliana Tao é jornalista em Foz do Iguaçu e colunista do H2FOZ.

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Este texto é de responsabilidade do autor/da autora e não reflete necessariamente a opinião do H2FOZ.

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