Iguaçuenses de coração garimpam memórias e resgatam personagens de Foz

Francisco Amarilla e Marcos Kidricki são apaixonados pelas histórias da cidade e por contá-las. Leia o texto e assista à entrevista.

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Francisco Amarilla e Marcos Kidricki são apaixonados pelas histórias da cidade e por contá-las. Leia o texto e assista à entrevista.

Guia de turismo e ambientalista, Francisco Amarilla tem 66 anos, é paraguaio e, desde a década de 1960, tem sua trajetória ligada a Foz do Iguaçu. Servidor público federal de 44 anos, Marcos Kidricki é nascido em Londrina e vive desde os 2 anos em Foz. Em comum, são memorialistas, historiadores de coração e apaixonados pelas histórias da cidade. E por contá-las.

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Ambos garimpam, pesquisam, registram e compartilham fatos históricos, causos e vivências que retratam Foz do Iguaçu lá de trás, bem como a cidade do presente, com seus personagens, geralmente omitidos na historiografia oficial, mas que ajudam a construir diariamente o município. Tudo vira livro, acervo fotográfico ou vídeo, à disposição da comunidade.

No programa Marco Zero, Francisco Amarilla e Marcos Kidricki dividiram histórias e contaram sobre o trabalho que realizam. Essa iniciativa voluntária e cidadã ajuda a guardar parte da memória e dos personagens iguaçuenses, já que Foz do Iguaçu, aos 108 anos, não dispõe de políticas públicas adequadas de patrimônio – nem mesmo possui um museu.

Assista à entrevista.

“Resgatar histórias é um desafio. E não adianta resgatar e guardar para mim, tem que repassar. Me sinto privilegiado por poder dividir isso com as pessoas”, expôs Amarilla. Para ele, a cidade possui “curiosidades escondidas que são fantásticas” e que precisam ser identificadas, salvaguardadas e contadas.

As redes sociais são grandes aliadas de Marcos Kidricki, que desenvolveu o interesse pela história com a leitura e com a trajetória dos pioneiros. “No Facebook, a história continua sendo contada nos comentários, pois as famílias se localizam, deixam o seu relato. São muito ricos esse encontro e a interatividade”, explicou.

Gente do povo, indígenas e paraguaios

Quando tinha cerca de 5 anos, Francisco Amarilla acompanha a mãe, que diariamente cruzava o Rio Paraná de canoa para vender frutas e verduras em Foz do Iguaçu, com a cesta sobre a cabeça, “tipicamente paraguaia”, contou. O caminho era a pé, ida e volta, desde o porto até o centro da cidade.

Na entrevista, puxou outras lembranças. “O que mais me marca é a travessia do Rio Paraná em canoas, do Paraguai para o Brasil, e do aeroporto do Gresfi, onde trabalhei engraxando sapato”, resgatou. Nesse período, a Ponte da Amizade já tinha sido inaugurada, mas o fluxo de embarcações ainda era frequente.

“A canoa era muito usada, inclusive para passar para Presidente Franco se cortava o caminho, não precisava passar por Presidente Stroessner [hoje, Ciudad del Este]. Era cheio de vendedor na Praça da Marinha. Era como a região da Ponte da Amizade é hoje para as vendas de ambulantes”, rememorou.

O memorialista abordou a formação da colônia militar, em 1889, e a fundação do município, em 1914. Lembrou a desterritorialização da população indígena e a contribuição dos povos vizinhos para o desenvolvimento de Foz do Iguaçu. “O povo paraguaio teve um papel muito importante no nascimento da cidade de hoje, temos que respeitar isso, os nossos hermanos.”

Fila para o “orelhão” no Rincão São Francisco, hoje Morumbi, nas décadas de 1970-1980. Cidade não possui políticas públicas de patrimônio – Foto: Reprodução

A construção da Itaipu Binacional, aponta, impactou o território indígena. “Foram transportados para Diamante D’Oeste e São Miguel do Iguaçu”, disse. “E a história conta que os carimãs também foram ‘desaparecidos’ daqui. Os indígenas habitavam as margens do rio na região do Carimã”, pontuou.

Entres os seus livros, “Belezas Escondidas”, em dois volumes, retrata parte da história da cidade. Atualmente, trabalha em obra com “figuras que ninguém reconhece porque são humildes”, expôs. “Meu sonho é que esses livros ficassem nas bibliotecas das escolas. Como, infelizmente, não tive apoio, os livros são impressos de forma artesanal”, finalizou Francisco Amarilla.

No início, os “pioneiros clássicos”

Sua labuta de escrever sobre a história, Marcos Kidricki começou com os “pioneiros clássicos”. Contou que se apaixonou pela história da passagem de Santos Dumont pela região, e já tem trabalhos sobre Frederico Engel, Youssef Niss e muitos outros. “Em algum momento, me dei conta que temos pioneiros vivos”, explicou.

A partir dessa constatação, passou a entrevistar e a recolher causos e depoimentos de antigos moradores da cidade. “As melhores homenagens são feitas em vida, comecei a focar nos personagens que ainda estão aqui”, relatou. “São pessoas que gostam de conversar sobre a história e contar seus causos.”

Assim, ouviu Guilhermina Pastorello, Philomena Rafagnin e Alberto Holler, o Betinho, exemplificou. “As pessoas sempre têm aquela caixinha de fotos guardada no fundo do armário. Se emocionam ao revê-las. Encontramos fotos incríveis de lugares no passado que parecem abrir um túnel do tempo”, destacou.

Em suas pesquisas, Marcos Kidricki reaproveita biografias já feitas e as complementa. “Uma história vai puxando a outra”, frisou. O pesquisador diz gostar muito da “Foz do Iguaçu de antes da Ponte da Amizade, de seus 15 mil e tantos moradores, quando todo mundo se conhecia e era chamado pelo nome”, sublinhou.

Em seu “garimpo”, Marcos fez o resgate do Hotel Lamarque, que ficava na Rua Santos Dumont e era uma opção mais econômica de hospedagem, para novos moradores e visitantes, ante os hotéis Cassino e das Cataratas, de alto padrão. A via era chamada de “Rua do Lamarque” por causa do estabelecimento.

“O Lamarque era um bom custo-benefício para hospedagem, e a comida era de boa qualidade”, ressaltou. “A região perto do hotel recebeu a nossa primeira rodoviária e distribuidora de bebidas. Posteriormente, a Avenida Brasil tomou o protagonismo, inclusive com a chegada dos árabes. E o Lamarque, nesse período, pegou fogo”, recordou.

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