Por Otávio Luiz Kajevski Junior
Calma, isto não é mais um comentário moralista sobre como pais de família gastam tudo no “baralho”, ou de como os jovens alimentam a indústria das bets esportivas. A verdade é que a aposta é algo mais amplo e mais presente em nossa vida do que imaginamos. O que é a aposta se não uma escolha? Mas então podemos dizer que a vida é feita de escolhas e, por isso, a vida é feita de apostas? Not so fast! A aposta é um tipo específico de escolha, em que você não sabe o resultado, e em que pelo menos alguma chance de perder você tem.

Agora, convenhamos, por mais caxias que a gente tente ser, alinhando as nossas escolhas ao que há de mais moderno em qualidade de vida, não podemos negar que há uma grande margem de imprevisibilidade na vida. Os corretores de seguro adoram nos lembrar disso. Pense no mercado financeiro, na iniciativa de empreender, investindo às vezes um fundo de garantia num pequeno negócio, nos relacionamentos, numa negociação de compra e venda… A decisão de ir ou não àquele evento que te convidaram pode ser a escolha entre duas possibilidades cheias de imprevisibilidade. Se a vida não envolvesse apostas, seria um campo aberto em que seguiríamos em linha reta, sem nenhum risco, e não sei se seria tão interessante.
É por isso que eu quero te convidar a baixar o aplicativo da… calma, é brincadeira! Segura o pix, larga o cartão de crédito! Na verdade eu quero te convidar a conhecer ou pensar melhor sobre um argumento poderoso do filósofo Blaise Pascal, que além de grande matemático do século XVII, tem uma vasta obra dedicada à apologética cristã, ou seja, à defesa dos temas caros ao cristianismo. O argumento conhecido como a “aposta de Pascal” é um desses que vai além do filósofo e parece ganhar vida própria. É relativamente simples, e antes de falar do argumento em si, queria partir de um exemplo mais cotidiano.
Imagina que você está em dúvida sobre fazer ou não a declaração de ajuste do imposto de renda. A questão hamletiana é: declarar ou não declarar? Para isso, é preciso se perguntar: o que tenho a perder? Se você declarar, pode ser que consiga restituir algo, ou que no fim das contas fique na mesma. Você tem duas possibilidades: uma boa e uma neutra. Agora vamos para a outra ponta do dilema: você não declara. Neste caso, restituir a grana já não vai rolar, mas certamente você pode ser ignorado pela Receita e ficar na mesma. Agora vamos forçar um pouco o argumento: imagina que a Receita pode passar o pente fino e achar algo em seu CPF que vai lhe gerar uma multa e fazer você perder seu já modesto patrimônio. Neste caso, lembra que a possibilidade boa já não existe (restituir), restam apenas duas: uma neutra (ficar na mesma) e uma ruim (perder todo patrimônio).
O exemplo acima mostra que o nosso dilema (declarar ou não declarar?) era um falso dilema! Você tem duas linhas de ação, A e B. Na A você pode ter um resultado bom ou um neutro; na B você pode ter um resultado neutro ou um ruim. O melhor é escolher A, certo? Não é nem uma questão de opinião, é probabilidade pura. “Ah mas tanto na A quanto na B você pode ter o resultado neutro…” claro, a questão é a outra possibilidade em cada caso. Agora lembra que Pascal se dedicava à apologética cristã? Então pega esse arcabouço argumentativo e aplica à fé em Deus. Pascal aponta que, probabilisticamente, mesmo que Deus não exista, é melhor acreditar que ele existe. Se acredito que ele existe e ele não existe, tenho um resultado neutro (a morte como fim de tudo); se acredito que ele existe e ele existe de fato, tenho um resultado bom (a vida eterna). Agora, do outro lado, se o ateu duvida que Deus existe e Deus de fato não existe, terá um resultado neutro (a morte como fim de tudo), mas se o ateu duvida que Deus existe e Deus – para sua surpresa – existe, ele terá um resultado ruim (a punição eterna). Sinceramente, acho esse argumento mais forte e genial do que todas as provas da existência de Deus (Pascal as via com desdém, e se referia a elas como se tratando de um distante “Deus dos filósofos”).
Agora, se você estiver bem satisfeito com o argumento de Pascal, ainda dá tempo de largar o texto, pois agora vamos relativizar um pouco essa matemática toda! Voltando para o exemplo do Imposto de Renda, há toda uma institucionalidade por trás, uma série de Resoluções, Decretos, Normativas, que definem o resultado bom, o neutro e o ruim em cada linha de ação. Em um aplicativo de apostas, você concorda com os “Termos de uso” ao baixar e fazer o seu cadastro. Ou seja, o que temos aqui é um conjunto de regras que são aceitas pelo “apostador”, em que ele se compromete com o risco para ter direito ao benefício envolvido. E o que determina a regra dos três resultados expostos por Pascal, o bom, o neutro e o ruim? Ora, o bom e o ruim ele retira da verdade revelada, e o neutro ele meio que concede ao ateu, que é o principal alvo da apologética. E aqui nós simplificamos a questão da “regra para obter o resultado bom ou o ruim”: a fé em Deus. Em se tratando de verdade revelada, a regra poderia ser outra, concorda? E se a regra fosse: entender a ideia de Deus, mesmo sem se preocupar se existe ou não? E se a regra fosse não dormir com os pés virados para o leste? E se fosse não comer carne de porco? E se for não combinar meias bege com sapatos brancos? E se for ajudar ao máximo as pessoas necessitadas? E se for… faça a sua regra e você terá como montar o seu próprio dilema.
Eu particularmente acho que não se deve colocar açúcar no café. Se isto fosse uma verdade revelada, todos teríamos três possibilidades diante de não colocar açúcar no café. A neutra: não acontece nada. A boa: recebe a vida eterna onde o paraíso é uma cafeteria. A ruim: recebe uma punição eterna qualquer. Mas, brincadeiras à parte, esta fragilidade não passa despercebida às discussões teológicas. O fato é que a aposta de Pascal tem um efeito rápido e certeiro, mas que não chega a ser duradouro, ela não esgota o assunto, apenas o torna mais atraente. Nem toda apologética precisa ser teológica. A apologética envolve muita retórica também. Há entre teólogos algumas questões cruciais e polêmicas: como “salvação pela fé versus salvação pelas obras” e “salvação pela vida exemplar versus salvação pela graça”. Lembra do Auto da Compadecida, quando o cangaceiro recebe o reino dos céus mesmo tendo matado muita gente? É um ótimo exemplo que Ariano Suassuna dá da ideia da graça divina, que é gratuita, como o nome diz, e não uma questão de mérito. Além dessas questões, e interligada com elas, há a questão da liberdade humana, que é negada pelo Calvinismo: ou seja, para Calvino, as pessoas já nascem determinadas a ter fé ou não ter fé, e aí não há espaço para escolhas e muito menos para apostas.
O argumento de Calvino para dizer que somos determinados a ter ou não ter fé é de viés teológico, é por assim dizer de cima para baixo: é porque as coisas são assim que devemos entender assim. Mas podemos partir de um viés antropológico, de baixo para cima, pensando no que conseguimos entender e daí inferindo como as coisas são. Um autor de contemporâneo, Sam Harris, em seu livro Letter to a Christian Nation, lembra que a fé é algo involuntário. Eu gosto de dois exemplos que podem ajudar a endenter isso. Você chega para um amigo e diz que viu um dinossauro na rua. Ele vai parar e pensar? Vai ponderar todas as possibilidades? Tenho pra mim que não: ele vai logo de saída acreditar ou, mais provável, não acreditar. Em se tratando de OVNI’s, ou de fantasmas, eu imagino que a tendência a acreditar seria bem maior do que em se tratando de dinossauros. Agora chega para alguém e fala que a gasolina vai aumentar, assim como quem não quer nada? A pessoa pode até ponderar, mas muita gente vai só acreditar, e vai até abastecer o carro.

A aposta de Pascal, em todo caso, nos dá uma fórmula lógica fantástica para pensarmos a tomada de decisão. Cada um de nós pode formular seus próprios dilemas com base em suas crenças fundamentais, e então calcular probabilisticamente a melhor linha de ação. Pensando na diversidade cultural das religiões e no que elas têm mais ou menos em comum, poderíamos pensar numa versão moderada da aposta de Pascal. A regra aqui é: acreditar na vida pós-morte. Quem acreditar e estiver certo, terá um resultado bom; quem acreditar e estiver errado terá um resultado neutro; quem desacreditar e estiver certo terá igualmente um resultado neutro; e por fim, quem desacreditar e estiver errado, terá um resultado ruim. O resultado bom de se descobrir que há vida após a morte, já acreditando, talvez pudesse ser entendido como uma possibilidade de evoluir, de tentar não cometer os mesmos erros de vidas passadas. O resultado ruim de desacreditar e estar errado é, talvez, chegar no além-vida, levar um pescotapa, e ouvir um “está vendo! Eu avisei que você estava errado, seu trouxa”.
Uma questão que fica para reflexão é: será que nos dilemas aqui abordados um dos resultados é realmente “neutro”? A resposta a essa questão, a meu ver, passa por considerar se o resultado está mesmo apenas no gran finale da vida, e não ao longo de todo o seu curso. Será que esta aposta no futuro não seria, antes, uma aposta no presente que escolhemos ter? Se o presente depende não só do futuro, como de um futuro que é incerto, este presente pode ser um misto de medo, ansiedade e às vezes euforia. Por mais que a aposta seja um tempero da vida, penso que ela não pode substituir 100 % as escolhas racionais, cujo resultado é minimamente previsível.
Convite Especial: Café Filosófico
Reflexões para Pais e Filhos

Prezadas famílias!
Temos o prazer de convidá-los para o V Café Filosófico, um encontro especial onde pais e filhos poderão compartilhar um momento de reflexão e diálogo sobre os dilemas da vida.
Em um mundo repleto de desafios e mudanças constantes, criar espaços para conversas significativas fortalece os laços familiares e amplia nossa visão de mundo. Neste evento, vamos explorar juntos questões que nos fazem pensar, crescer e nos conectar de maneira mais profunda.
Por que participar?
✔ Fortaleça a relação com seu filho(a) por meio do diálogo
✔ Reflita sobre valores, escolhas e desafios da vida
✔ Compartilhe ideias em um ambiente acolhedor e inspirador
Data e local: Zeppelin
Contaremos com um ambiente descontraído e um delicioso café para tornar este momento ainda mais especial!
Venha viver essa experiência enriquecedora conosco! Sua presença fará toda a diferença.
Esperamos você e sua família!
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Ingressos para o V Café Filosófico:

https://cafefilosoficoo.lojavirtualnuvem.com.br/produtos/1-lote-ingressos
Comunidade do “Café Filosófico” no WHATSAPP:

https://chat.whatsapp.com/Ewehn3zxEBr6U0z96uZllP
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Obs. Caro leitor, o objetivo aqui é estimular a sua reflexão filosófica, nada mais! mais nada!
E aí, curtiu a ideia geral? Deixe seu comentário logo abaixo.