Aida Franco de Lima – OPINIÃO
Há 11 anos, a Havaianas lançou uma propaganda com Romário fazendo uma mandinga contra a Argentina. No comercial, ele ficava com o pé direito dos chinelos e o esquerdo mandava para o rival, para dar azar. Nem Brasil nem Argentina ganharam a Copa, e sim a Alemanha. Também ninguém relacionou ideologia política com os chinelos e todo mundo se divertiu.
Na última semana, a marca Havaianas retirou de suas redes oficiais a propaganda com a atriz Fernanda Torres, na qual ela dizia que não desejava que as pessoas começassem o novo ano com o pé direito, mas com os dois pés — na porta, na jaca, na estrada. O alvoroço foi grande. Protestos, brigas em família, chinelos jogados no lixo, gente pulando igual ao Saci em frente às lojas… Contudo, também, muitas filas para comprar os chinelos. E muita gente enfureceu!
A imprensa estrangeira trata o episódio como mais um surto nacional. E sobrou até para a concorrente, a marca Ipanema. Quem se sentiu ofendido com o comercial buscou refúgio nas redes sociais dela, porém não encontrou o acolhimento esperado. Não houve um contra-ataque, não houve revanche. Apenas venda dos chinelos sem menções políticas.
- A marca Havaianas é do Grupo Alpargatas, que tem como principal acionista o Itaú e pertence a famílias bilionárias brasileiras que controlam de indústrias de nióbio a café. Isso significa que, se for para boicotar o chinelo, é preciso ir mais além. Se for para cancelar os chinelos, é necessário verificar se não tem presença de esquerda no piercing, nas joias, nos aviões e tudo mais onde o nióbio está presente. Será que não é preciso jogar no lixo, também, a cápsula do café?
O Brasil está muito sensível a temas políticos e ideológicos. Não sei como não cancelaram o vermelho neste Natal. Coitado do Papai Noel, pois, se a coisa continuar assim, vai perder o emprego e corre o risco de ser trocado pelo Grinch, o oposto do “Bom Velhinho” — que, vestido de verde, rouba e assusta as crianças.
Mas voltando às Alpargatas, em qualquer escola de publicidade e propaganda a história da marca é estudada e debatida, pois é um caso de sucesso mundial. Demonstra como um produto, inspirado na sandália de dedo japonesa chamada Zori, revolucionou o mercado. A diferença é que, no lugar da palha, a borracha e, nos detalhes do solado, há desenhos em alto relevo de grãos de arroz que ajudam aderir os pés no produto.
Há dois contextos interessantes em toda a história da marca. O chinelo, que era símbolo dos trabalhadores da construção civil e da colheita de café, caiu no gosto das classes sociais com maior poder aquisitivo. De tão popular que a marca era entre as pessoas de baixa renda, nos anos 1980 passou a fazer parte dos itens de necessidade básica, quando o Ministério da Fazenda tabelou o valor para evitar o sobrepreço e garantir que a população conseguisse continuar comprando.
A crise chegou e obrigou a marca a reinventar-se. Novas cores e um marketing agressivo fez da Havaianas um produto que atingisse todas as camadas sociais. Virou o suvenir nacional, levado nas malas a todos os cantos do mundo — apesar de estar disponível em lojas físicas nos mais variados cantos do globo.
Não se sabe o impacto do boicote, pois, enquanto as ações na Bolsa caíram, nas redes a popularidade aumentou. Porém fica mais um capítulo de nossa história recente: ao mesmo tempo em que políticos voam de jatinhos e comem caviar, assistem de camarote à briga de, literalmente, pés de chinelo.
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