Precisamos falar de suicídio. Ou: as redes sociais contribuem para os suicídios?

Estudos comprovam que a divulgação de suicídio tem como consequência outros suicídios. A imprensa não divulga suicídios por isso. Mas e a Internet?

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Por Cláudio Dalla Benetta

Num curto prazo, Foz do Iguaçu sofreu três vezes a tragédia do suicídio, dois deles de jovens.

Três!

Não foi pela imprensa que quase todo mundo ficou sabendo. Foi pelas redes (ou mídias) sociais. No último caso, com fotos chocantes viralizadas via WhatsApp, em total desrespeito à pessoa que tirou a vida e, principalmente, aos familiares e amigos dela.

E é exatamente aí que mora o perigo. A imprensa normalmente não divulga o suicídio. É um pacto antigo, baseado em pesquisas científicas que demonstram, claramente, que o suicídio noticiado sempre tem sequências.

Mas, então, não se pode falar de suicídio? Claro que sim. Mostrar que é um problema de saúde pública sério, que acomete mais os idosos e os jovens e que há serviços especializados em fazer com que os suicidas em potencial desistam dessa ideia. Isso pode.

O que não se pode fazer é banalizar a morte. Fazer do suicídio um fato "normal", como um acidente de trânsito. Isso acontecia em meados do século passado. 

Por coincidência, o portal "Plural", de Curitiba, traz reportagem de capa, nesta segunda (11), com informações sobre como era a cobertura jornalística de suicídios na capital, lá pelos anos 1940.

Reportagem postada hoje no portal "Plural".

Noticiava-se a morte em detalhes, com nome, endereço e até a motivação do suicida. E mais: até tentativas de suicídio viravam notícia, muitas vezes tratadas em tom ligeiramente jocoso, como mostra a pesquisa feita pelo jornalista Heros Schwinden.

Como o caso de Ephigenia, uma jovem que tentou “desertar a vida” (como disse o jornal) se jogando no lago do Passeio Público. "Felizmente o intuito da adolescente não surtiu o efeito desejado, a não ser um banho em momento impróprio”, parece brincar o redator do texto. 

O mesmo jornal que ele pesquisou ("O Estado", que circulou entre 1936 e 1938) se assusta com os casos de suicídios, em outra reportagem. "Continuam a se repetir em nossa capital os suicídios, numa onda de sangue assustadora."

Sem perceber que o próprio noticiário era um dos causadores desse terrível fenômeno.

E hoje?

Agora, nós temos a Internet e temos as redes sociais. A tevê e os jornais não noticiam suicídio, mantêm a norma não escrita até hoje. Mas nas redes sociais, um mundo dominado por uma maioria de idiotas, que se tornam insensíveis a tudo que não se refira ao próprio ego, como evitar que o suicídio seja tratado como mais um "acontecimento"?

Os grupos de WhatsApp, muitos dos quais propagam quase exclusivamente fake news, são tomados por imagens de violência, de tragédias, e o suicídio não é exceção. 

Não dá pra evitar que isso aconteça. Talvez a única coisa que se possa fazer é denunciar esses casos às empresas que mantêm essas mídias, especialmente o WhatsApp e o Facebook.

Manuais da OMS

Veja como a Organização Mundial da Saúde (OMS) encara a questão do suicídio. 

Em 1999, ela lançou o "Supre", uma série de documentos voltados a grupos sociais e profissionais específicos que são particularmente relevantes na prevenção do suicídio.

Entre esses profissionais, estão os de mídia, que ganharam uma espécie de "cartilha" sobre a forma de tratar o suicídio. 

Neste documento voltado a jornalistas (leia a íntegra aqui), a OMS lembra que a primeira associação conhecida entre uma publicação de massa e o suicídio vem da novela "Os Sofrimentos do Jovem Werther", de Goethe, publicada em 1774 e que fez muito sucesso na época.

Até demais. O herói desta história mata-se com um tiro por um caso de amor fracassado. Logo depois da publicação, começaram a surgir na Europa vários relatos de jovens que se suicidaram usando o mesmo método, o que levou autoridades de alguns países a proibirem o livro.

Este fenômeno, explica a OMS, gerou na literatura técnica o termo "Efeito Werther", para designar a imitação de suicídios.

No século passado, depois de muitos estudos, percebeu-se que a imprensa gerava esse efeito. Quando a mídia impressa ou a televisão contavam um caso de suicídio, verificava-se um aumento do número de pessoas que se matavam, às vezes usando método semelhante ao noticiado. 

Já o impacto do suicídio mostrado em programas de ficção gerou estudos conflitantes: alguns mostram que não há nenhum efeito, outros que ocorre aumento no comportamento suicida.

Talvez isso explique por que a série "13 Reasons Why", da Netflix, não gerou polêmica em alguns países, enquanto em outros chamou a atenção de autoridades. Na Nova Zelândia, foi classificada como de conteúdo adulto (a série é sobre adolescentes) e, no Canadá, é proibido falar dela nas escolas.

Quanto à associação entre peças de teatro ou músicas no comportamento suicida, ""foi pouco investigada até o momento", diz a OMS.

E prossegue: "De modo geral, existe evidência suficiente para sugerir que algumas formas de noticiário e coberturas televisivas de suicídios associam-se a um excesso de suicídios estatisticamente significativo; o impacto parece ser maior entre os jovens."

Os clínicos e os pesquisadores, segundo a Organização Mundial da Saúde, já sabem que não é apenas notícia em si do suicídio que aumenta o comportamento suicida em populações vulneráveis, mas sim a forma como é divulgada. Mas tem um detalhe: mesmo que noticiado corretamente, se houver coberturas repetidas e continuadas sobre suicídios, isso tende "a induzir e a promover preocupações suicidas, particularmente entre adolescentes e adultos jovens".

O manual da OMS ensina como noticiar o suicídio em geral:

"Os assuntos específicos que devem ser abordados na cobertura de um suicídio incluem os seguintes:
• as estatísticas devem ser interpretadas cuidadosamente e corretamente;
• fontes de informação confiáveis e autênticas devem ser usadas;
• comentários improvisados devem ser feitos cuidadosamente, a despeito das pressões de tempo;
• generalizações baseadas em fragmentos de situações requerem atenção particular;
• expressões como “epidemia de suicídio” e “o lugar com a mais alta taxa de suicídio do mundo” devem ser evitadas;
• deve-se abandonar teses que explicam o comportamento suicida como uma resposta às mudanças culturais ou à degradação da sociedade."

Em casos específicos, como o suicídio de uma personalidade, deve-se evitar a cobertura sensacionalista e minimizar a notícia o máximo possível. Deve-se evitar fotos do falecido, da cena do suicídio e do método utilizado.
suicídio.

Diz a OMS: "As pesquisas mostraram que a cobertura dos suicídios pelos meios de comunicação tem impacto maior nos métodos de suicídio usados do que na freqüência de suicídios. Alguns locais – pontes, penhascos, estradas de ferro, edifícios altos, etc – tradicionalmente associam-se com suicídios. Publicidade adicional acerca destes locais pode fazer com que
mais pessoas os procurem com esta finalidade".

E a gente lembra: não é por acaso que são comuns os casos de pessoas que saltam da Ponte da Amizade ou das Cataratas. 

Da OMS ainda: "O suicídio não deve ser mostrado como inexplicável ou de uma maneira simplista. Ele nunca é o resultado de um evento ou fator único. Normalmente sua causa é uma interação complexa de vários fatores, como transtornos mentais e doenças físicas, abuso de substâncias, problemas familiares, conflitos interpessoais e situações de vida estressantes. O reconhecimento de que uma variedade de fatores contribuem para o suicídio
pode ser útil."

Veja outras recomendações

• O suicídio não deve ser mostrado como um método de lidar com problemas pessoais como falência financeira, reprovação em algum exame ou concurso ou abuso sexual.
• As reportagens devem levar em consideração o impacto do suicídio nos familiares da vítima, e nos sobreviventes, em termos de estigma e sofrimento familiar.
• A glorificação de vítimas de suicídio como mártires e objetos de adoração pública pode sugerir às pessoas suscetíveis que a sociedade honra o comportamento suicida. Ao contrário, a ênfase deve ser dada ao luto pela pessoa falecida.
• A descrição das conseqüências físicas de tentativas de suicídio não fatais (dano cerebral, paralisia, etc), pode funcionar como um fator de dissuasão.

A mídia pode ter um papel proativo na prevenção do suicídio, com a divulgação de informações cmo os serviços de saúde mental disponíveis e telefones e endereços de
contato onde se possa obter ajuda (devidamente atualizados);
• listas com os sinais de alerta de comportamento suicida;
• esclarecimentos mostrando que o comportamento suicida freqüentemente associa-se com depressão, sendo que esta é uma condição tratável;
• demonstrações de empatia aos sobreviventes (familiares e amigos das vítimas) com relação ao seu luto, oferecendo números de telefone e endereços de grupos de apoio, se disponíveis. Isto aumenta a probabilidade de intervenção por parte de profissionais de saúde mental, amigos e família, em momentos de crises suicidas.

Prevenção

Então, a gente fecha com um número: 188. Este é o telefone do serviço mantido pelo Centro de Valorização da Vida, para atender pessoas que passam por momentos difíceis. O CVV conta com uma unidade em Foz do Iguaçu. 


 

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