A pandemia como teste

E, como tudo na vida tem um propósito, a pandemia chegou para nos testar e tornar mais flagrantes nossas falhas e virtudes.

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É nas dificuldades que você descobre quem é quem.

Por José Elias Castro Gomes – OPINIÃO

Em velocidade de cruzeiro, todo mundo é piloto. Até uma criança pode pegar no manche e fingir que é o comandante, principalmente quando o céu está limpo e estável. Mas nas turbulências, decolagens arriscadas e pousos difíceis é que conhecemos os pilotos de verdade. Assim é nos voos, assim é na vida. E, como tudo na vida tem um propósito, a pandemia chegou para nos testar e tornar mais flagrantes nossas falhas e virtudes.

Desde que ela começou, tivemos muitos empresários empunhando o manche com firmeza e encarando as turbulências com coragem e técnica. Não se deixaram abater, procuraram conter a crise de todas as formas, criaram ações contingenciais, motivaram suas equipes e fizeram todo o possível para manter a nave no ar. São milhares de heróis anônimos que evitaram ao máximo as demissões, que se esforçaram além do limite para manter o faturamento e fizeram valer a percepção cada vez mais clara de que o empreendedor brasileiro é um dos mais flexíveis, determinados e criativos do planeta.

Por outro lado, também tivemos os que jogaram a toalha logo cedo, e ainda aqueles que aproveitaram a oportunidade para usá-la de desculpa na redução da equipe, no corte de salários e promoções, no aumento de preços e até no fomento da crise para reivindicar benesses junto ao poder público. Assim como tem quem enfrente a crise, tem quem use a crise a seu favor.

A ômicron fez ressurgir o temor do vírus como aqueles vilões do cinema que reaparecem quando acreditávamos já estarem vencidos. E é o momento de empunharmos o manche novamente, a ainda com mais firmeza e perícia. Nada de saltar de paraquedas ou botar a culpa nos outros, pois estamos na mesma nave. Isso implica em sabermos tomar as atitudes mais coerentes com as pessoas, com a sociedade e com a vida.

Essas atitudes pressupõe a necessidade de relações de confiança, e poucas delas são tão relevantes no atual momento quanto aquela que envolve patrões e trabalhadores. Esse elo precisa se fortalecer para tornar a travessia da turbulência mais favorável, fazendo com que saiamos dela ainda mais fortes, unidos e prósperos. E, felizmente, o encontro consensual vem ocorrendo cada vez mais, em especial quando o assunto é vacinação, posto que a redução drástica nos índices de letalidade é prova cabal de que ela é realmente eficaz contra o vírus.

Porém, vivemos em um país no qual o consenso exige uma certa rinha até ser atingido, e a polêmica quase sempre se volta à balança entre a preservação da vida e a do sustento. Recentemente, entidades patronais de diversas cidades pelo Brasil passaram a reivindicar junto ao poder público que seja aplicada uma redução no período de atestados por covid-19. Perguntas pertinentes para botarmos na mesa nessa negociação: não estaríamos colocando em risco outros colaboradores devido ao potencial de contaminação de uma pessoa parcialmente curada que volta ao trabalho? Não estaríamos colocando em risco a vida desse paciente, seu bem estar e o de todos à sua volta?

Não estaríamos passando por cima das recomendações médicas para fazer valer os negócios? Aliás, essa decisão não é altamente técnica e dependente da decisão de um profissional da saúde e não de um empresário? Não existem variações na gravidade da doença que tornem difícil ou quase impossível garantir alta a todas as pessoas em um exato mesmo espaço de tempo? Não estaríamos lançando uma carta de desconfiança e descrédito à competência dos médicos e ao caráter do empregado? E, afinal, não seria um tiro no pé ter na empresa um funcionário pouco produtivo por não estar plenamente recuperado, com capacidade de fazer com que outros colaboradores sejam acometidos pelo mesmo problema, gerando uma reação em cadeia de improdutividade, internamentos e até mortes?

Todas essas dúvidas e inquietações não podem ser desconsideradas ou silenciadas antes de se bater o martelo nessa decisão. Se não houver reposta para apenas um desses questionamentos, não teremos como aderir ao benefício da dúvida, simplesmente porque o preço a pagar pode ser caro demais. Além de absolutamente irreversível. Nenhum piloto sai do solo sem autorização da torre de comando, e o motivo não reside em arbitrariedades ou protocolos, reside na segurança.

José Elias Castro Gomes é secretário da Transparência e Governança de Foz do Iguaçu.

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