O destino da Unila é tornar-se uma Universidade Corporativa da Itaipu?

Renato Martins, sociólogo e Danielle Araújo, antropóloga, falam sobre o destino da UNILA.

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Renato Martins e Danielle Araújo – OPINIÃO

Após o anúncio da binacionalização da Unila feito há alguns dias pelo Diretor-Geral da Itaipu, continuamos sem ter a menor ideia do que isso significa.

Consta que a proposta tem o aval do presidente paraguaio, e faz parte das comemorações dos 50 anos do Tratado de Itaipu. Como prosseguimos excluídos desse debate, não podemos afirmar se tais boatos procedem ou não.

A questão, porém, permanece em aberto: será que o destino da Unila é se tornar uma Universidade Corporativa da Itaipu?

A julgar pelas recentes declarações do seu diretor jurídico, o Dr. Luiz Fernando Delazari, a resposta é afirmativa. Vejamos o que ele disse na semana passada numa rádio local.

(1) Sobre a retomada das obras da Unila:

“Nós já estamos preparados para realizar um contrato com uma entidade ligada a ONU chamada UNOPS, que faz a infraestrutura e gerencia as licitações para a construção de obras de infraestrutura no mundo todo”

“É a primeira experiência que a Itaipu vai ter dessa dimensão com a UNOPS. Nós estamos encerrando os últimos termos do contrato (…)”

“Nós vamos fazer agora um período de adequação de projetos, estruturas e licitar as empresas que vão participar da obra. A gente espera que em menos de um ano retome o trabalho”

(2) Sobre a binacionalização:

“Há um interesse do diretor-geral, Ênio Verri, com o diretor-geral da margem direita (inaudível) para que a gente crie a primeira Universidade Binacional do Mundo”.

“(Trata-se) de um projeto pioneiro, desafiador e que tem como objetivo trazer conhecimento científico, produção cultural, ambiente universitário pra gente cada vez mais conseguir cumprir a nossa missão que é dar educação de qualidade para a população”.

“A Itaipu está forte nisso, o presidente paraguaio está muito entusiasmado, o presidente Lula…chega a brilhar o olho dele quando fala nesse assunto”.

Como se nota, o Dr. Delazari é um entusiasta da educação de qualidade para a população. Ao tomar posse como diretor jurídico da Itaipu, ele se disse igualmente disposto a atuar no resgate à cidadania, no combate à fome e na melhoria das condições de vida da população.

É claro que essas atribuições vão muito além da missão institucional do seu cargo. Ademais, nos trechos citados acima ele fala como se fosse o Magnífico Reitor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana, e detalha iniciativas que jamais foram do nosso conhecimento. Por intermédio dele soubemos que a UNOPS atuará na licitação e gestão das obras de infraestrutura da Unila. Obrigado por informar.

No entanto, convém lembrar ao Dr. Delazari que, em 1988, depois de muita luta contra os militares que permaneceram no poder por 21 anos, foi aprovada neste país uma Constituição democrática, chamada Cidadã, que estabelece o seguinte em seu Art. 207:

“As universidades gozam, na forma da lei, de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.

Além de afrontar esse preceito constitucional – o que por si só já é bastante grave – o Dr. Delazari foi de uma deselegância atroz com a atual reitora, a primeira mulher eleita para o exercício desse cargo na Unila, passando por cima de suas prerrogativas institucionais.

Como a direção da Itaipu se sentiria se fossemos a um programa de rádio anunciar decisões sobre planejamento, projetos e cronograma de ações da sua área jurídica?

Além disso, os temas abordados na entrevista sobre licitação internacional de obras, readequação de projeto estrutural e cronograma de execução não foram discutidos com a comunidade acadêmica. Muito menos a tal binacionalização, que vem sendo apresentada em nome do presidente Lula, e até agora ninguém explicou o que significa.

Tudo isso é muito estranho.

O presidente Lula é extremamente respeitoso com os processos de participação e diálogo social, e sabe perfeitamente que uma universidade democrática não toma decisões sem antes escutar a comunidade acadêmica e considerar as suas contribuições políticas, sobretudo quando se trata de mudanças profundas como parece ser o caso da suposta binacionalização.

Ao mesmo tempo, é inquestionável a importância do campus e somos extremamente gratos ao presidente por haver se comprometido a concluir as obras do Campus Oscar Niemayer. O corpo docente, discente e técnicos administrativos, que ao longo de 13 anos se dedica à Unila, precisa ser prestigiado, e a retomada das obras é uma forma de fazê-lo.

Conforme já dissemos anteriormente, não está claro o que é nem a quem interessa a binacionalização da Unila. Da forma como o assunto foi ventilado, fica a impressão de que se trata de uma universidade corporativa; e a fala do diretor jurídico não faz outra coisa senão reforçar essa suspeita.

Seja lá o que for a que a Itaipu se refere quando diz que criará a “primeira universidade binacional do mundo”, sobre a qual o Dr. Delazari vem falando à nossa revelia, convém lembrar que não é com atropelos que se discute um assunto tão sério como este.

Renato Martins, sociólogo e Danielle Araújo, antropóloga, são professores da Universidade Federal da Integração Latino-Americana


Este texto é de responsabilidade do autor/da autora e não reflete necessariamente a opinião do H2FOZ.

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2 Comentários
  1. Claudio Pereira de Souza Diz

    O importante é que seja concluída, independente ser nacional ou binacional, desde que funcione!!

  2. Jennifer Diz

    “(…) A atual reitora, a primeira mulher eleita para o exercício desse cargo na Unila,”
    Ela já foi eleita e reitora por 7 anos na Unila, anos atrás, e agora retornou…

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