Nos últimos anos, Foz do Iguaçu tem visto uma sucessiva destruição do patrimônio cultural e tentativas de apagamento da memória. Na lista dos alvos estão as ruínas da Santa Casa, o monumento em homenagem à democracia e agora o painel do artista Miguel Hachen.
O painel, que ficava na entrada da Pousada Agroecológica Guata Porã, às margens da Rodovia das Cataratas (BR-469), foi danificado na tentativa de remoção para as obras de duplicação da via.
Feita a pedido do proprietário do estabelecimento, Guilherme Custódio Jorge, a obra de arte trazia a representação da Mãe Terra enquanto doadora de vida.
Ele conta que a ideia inicial para preservar o painel sem quebrá-lo era cortá-lo em pedaços, para tentar reconstruí-lo ou usar algumas partes, que seriam espalhadas pela pousada.
A intenção, diz, era usar os principais pedaços com imagens do painel. No entanto, os funcionários da concessionária responsável pela obra de duplicação da rodovia acabaram fazendo os cortes indevidamente, sem a presença e orientações do proprietário.
Agora será preciso utilizar uma máquina para levantar os pedaços e avaliar se ainda é possível aproveitar algo do que restou, conta Guilherme. “Infelizmente, não tem como reconstruir do jeito que a gente queria.”
Ele ainda tentou doar o painel para a Prefeitura de Foz do Iguaçu, no entanto a ideia não prosperou.
A perda causou questionamentos por parte de representantes do setor de turismo e da cultura de Foz do Iguaçu. A guia Bruna Steckling relata que, quando fazia o roteiro com bikes até a Cachoeira dos Macacos, sempre parava no painel para falar um pouco das técnicas e do estilo de arte usado, além da importância da obra para a região.
Guilherme lamenta não apenas pelo painel que perdeu, mas também por um ipê-amarelo, de aproximadamente 120 anos, que foi retirado das proximidades da pousada em razão das obras.
Professora da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) e doutora em Memória e Patrimônio, Giane Lessa considera que tais ocorrências escancaram a negligência com a memória coletiva e a identidade local.
“Esses episódios demonstram um padrão preocupante de falta de preparo teórico e técnico para preservação do patrimônio cultural em Foz do Iguaçu. É urgente que o poder público promova políticas de preservação, valorização e educação patrimonial”, frisa.
Tombamento das ruínas da Santa Casa
Enquanto alguns remam na direção da destruição, há um movimento inverso de intelectuais, professores e patrimonialistas que tentam conter essa corrente.
Em recente decisão, publicada no Diário Oficial do dia 19 de novembro, o Conselho Municipal do Patrimônio Cultural (Cepac) tombou em definitivo as ruínas da antiga Santa Casa Monsenhor Guilherme.

Fazem parte desse patrimônio a placa que traz a data da fundação, 53 blocos de basalto, 680 tijolos cerâmicos inteiros e 340 meio tijolos, ruínas da fundação de apoio do pórtico e fachada.
A decisão também determina o restauro do antigo pórtico e fachada a fim de reintegrar os blocos cerâmicos e de basalto, em harmonia com o futuro projeto arquitetônico a ser implementado no local.
O processo de tombamento foi aberto em 23 de janeiro de 2024 e acabou estendendo-se, porque as ruínas não estavam mais no local. Como todo trâmite do Cepac, foi necessário o parecer de arquitetos e historiadores. A próxima etapa é a sanção por parte do prefeito Joaquim Silva e Luna.

Pintura do Mural das Cataratas
Outra decisão tomada pelo Cepac foi em relação à fiscalização da pintura do Mural das Cataratas e do prédio histórico da Fundação Cultural.
Conforme consta na mesma edição do Diário Oficial, o Conselho Municipal do Patrimônio Cultural determinou que a pintura do Mural das Cataratas seja restaurada em 30 dias, por profissional devidamente qualificado, a fim de reproduzir fielmente as cores originais.
O descumprimento do prazo estabelecido implicará o encaminhamento automático de representação ao Ministério Público Estadual.

O problema não se restringe ao painel. O prédio da Fundação Cultural, construído na década de 1950, também foi pintado sem respeitar o projeto original. O Cepac deu um prazo de 24 meses para restauração da pintura, com as cores originais.
Pelo fato de ambos os bens serem tombados, é necessário seguir diretrizes estabelecidas no tombamento. “A pintura foi feita sem levar em conta estes fatos”, explica a vice-presidente do Cepac, Temis Justos.
Segundo ela, a cor original do painel é marrom e beje, ao contrário do branco e azul usado. O conselho chegou a questionar o município sobre o motivo que o levou a usar as cores que não condizem com o projeto original, mas não recebeu resposta.
Conforme resolução do Cepac, n.º 11/2024, o painel foi tombado em 25 de julho de 2024. Já o prédio da Fundação Cultural, antigo Fórum Estadual de Justiça, teve homologação do tombamento em 8 de abril de 2025.
Temis ainda ressalta que o comprometimento do Cepac é com a proteção dos bens culturais de Foz do Iguaçu e que o órgão busca atender às demandas com agilidade e equilíbrio.
Monumento à Democracia na América Latina
Após reação da sociedade civil, a Prefeitura de Foz do Iguaçu revelou o local onde está o Monumento à Democracia na América Latina, retirado da Praça Naipi sob o pretexto de revitalização do espaço.
Entenda mais: Monumento à democracia de Foz: prefeitura responde a pedido da Justiça –
Em resposta ao Comitê Estadual Memória, Verdade e Justiça do Paraná, o município informou que a peça foi levada para uma tornearia para ser revitalizada. Conforme o município, após o procedimento, o monumento será recolocado na praça.



