Migrantes somos todos nós

O servidor Waldson de Almeida Dias fala sobre migrantes.

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Waldson de Almeida Dias  – OPINIÃO

NAUFRÁGIO em águas europeias! Parece noticia requentada, mas é mais do mesmo. Mais uma vez uma notícia de que um barco naufragou e um número significativo de vidas foram ceifadas nas águas internacionais do mar Jônico, junto a península grega do Peloponeso. As autoridades internacionais para migração e a agência de migração das Nações Unidas (ONU) estimam que haviam no barco mais de 750 pessoas. Estimam, mas nem eles sabem, apenas um número para dar satisfação a imprensa. 

No barco, migrantes Líbios que tentavam chegar a Itália. Segundo a imprensa internacional haviam muitas mulheres e crianças no porão do barco. Antes eram os porões dos navios negreiros, os migrantes de agora são os novos habitantes do fundo do mar. 

Ao ficar sabendo da notícia senti raiva, uma raiva muito grande disso que chamamos de humanidade, de Nações Unidas, de União Européia ou o raio que parta. Muita falação e pouca ação! A raiva que senti me transportou para o dia 24 de outubro de 2017, há exatos cinco anos e oito meses, quando adentrei no porto da cidade de Patras na Grécia, porto situado a beira do Peloponeso, onde empreenderia uma viagem de navio para Itália, ou seja, a mesma viagem que estas pessoas que naufragaram estavam tentando fazer em busca de uma vida melhor. A diferença entre eles e eu, é que eu tinha uma passagem comprada em um navio de luxo e que me deu todo o conforto e segurança para chegar são e salvo ao meu destino. 

Mas, infelizmente presenciei naquele dia uma das cenas mais tristes que estes velhos olhos já viram. Na época, a descrevi em uma crônica da seguinte maneira: “Chego ao Porto de Patras. O carro em que estou vai entrando lentamente na área portuária. De repente eles surgem, de todos os lados e são muitos, todos homens, não vi nenhuma mulher, pelo menos nesse grupo. Meu coração dispara, meus globos oculares se movimentam em uma grande velocidade e para todos os lados. O carro para. Na frente do carro, um, dois, três, vários caminhões em fila dupla para entrar no porto de Patras, eles correm em direção aos caminhões e a parte interna do porto. Baixo o vidro da janela do carro em que estamos e com meu celular tiro uma primeira foto, eles estão a poucos metros de mim e o olhar que me lançam é de reprovação; tenho medo! Lembro que há dois anos no Marrocos vivi uma situação semelhante em que tirei uma fotografia de um grupo de refugiados e fui cercado por alguns bastantes exaltados e tive na época meu tablete jogado ao chão. 

Agora é diferente, eles me olham mas correm em direção ao caminhão a nossa frente; mesmo com medo, tento tirar uma nova foto de dentro do carro, quando vejo um deles subindo no caminhão a nossa frente; ele não consegue, cai; outros mais chegam e conseguem abrir a porta traseira do caminhão e começam a entrar. O motorista do caminhão e a polícia chegam no mesmo instante, os que não conseguiram entrar no compartimento de carga correm em todas as direções. Uns correm da polícia, outros em direção aos demais caminhões, outros ainda em direção a parte interna do porto, onde mais policiais os dispersam.  

Estão somente com a roupa do corpo. Tento tirar mais fotos de maneira escondida, não me preocupo com a qualidade das mesmas e sim que preciso mostrar essas fotos para o maio número de pessoas que posso. O motorista do carro em que estou sai de traz dos caminhões e vai por uma outra via, algo tipo um acostamento em alta velocidade; chegamos à frente da entrada principal do porto de Patras; ao descer do carro os vejo bem próximo a onde estamos, os que conseguiram chegar até esse local, mas há vários policiais. Eu tenho medo, tenho curiosidade, tenho raiva, estou nervoso, ou seja, uma profusão de sentimentos que não consigo entender ou decifrar. Entramos para parte segura do porto onde estão os passageiros que aguardam o momento de embarcar no navio, onde estão os funcionários vendendo passagens, onde estão os free shops, onde a vida segue normal, totalmente alienada ao que acontece há alguns metros, do lado de fora. 

Como podem se alienar tanto? Como podem se acostumar com algo assim? Na hora recebi a intuição que se alienam e se acostumam da mesma maneira que eu quando ando pelas ruas de minha cidade e encontro pessoas dormindo ao relento. 

Já na segurança interna do porto e antes de adentrar ao navio, sinto meu estomago embrulhado, corro em direção ao banheiro e mesmo antes de chegar vejo um cesto de lixo e deposito nele o almoço que comi; vomito como se quisesse limpar de dentro de mim tudo que vi e ouvi nos últimos minutos; me refaço e chego até o banheiro, lavo a boca e encho as mãos de água para lavar o rosto. A água fria ao tocar meu rosto, mais parece um violento soco na cara e instantaneamente começo a chorar! Choro por eles e por mim! 

Eles são o principal problema que o mundo enfrenta neste começo de século XXI: Os MIGRANTES! Choro pelos haitianos que receberam visto humanitário no Brasil e foram jogados a própria sorte, mesmo que o visto humanitário pressuponha, casa, comida e roupa lavada, ou seja, uma mínima assistência do país que concedeu, nosso vilipendiado brasil; choro pelos milhares de migrantes que já morreram nas aguas do mediterrâneo, tentando fazer a travessia da Grécia para Itália em latas velhas sem nenhuma condição; choro pelos refugiados de Miramar, que estão fugindo da repressão; os refugiados da Líbia; choro pelo desespero que leva alguém a tentar subir em cima de um caminhão arriscando a própria vida, mesmo tentando achar uma maneira de viver melhor.” 

Hoje eu não choro mais! A raiva, essa sim continua, pois vejo que nada mudou em quase seis anos, cada vez mais o mundo capitalista produz novos migrantes; cada vez mais o desespero das pessoas em busca de uma vida melhor os faz entrar em “latas de sardinhas” sem nenhuma condição de navegar , ainda mais com lotação em excesso e os condena a um funeral no fundo do mar; cada vez mais a Grécia, templo dos Deuses, produz funeral coletivo de seres humanos migrantes. 

Lembro que ao caminhar pelo navio, já navegando rumo a Itália, havia uma carga de centenas de caminhões, muitos deles carregando carros de luxo, enquanto que durante a noite, próximo a região que navegamos, mais um barco sem condições naufragava. Vi animais de estimação pelos corredores do navio enquanto assistia pela televisão notícias de mais um naufrágio nas proximidades. 

Enquanto isso, aqueles que sobrevivem, tentam chegar a algum lugar em que possam recomeçar suas vidas. Aqui em nossa cidade, na mesma semana do naufrágio, acontecia o primeiro encontro de Migrantes, Refugiados e Apátridas de Foz do Iguaçu. Mais de cinquenta pessoas, com demandas e propostas para construção coletiva de um plano municipal do Migrante, para aqueles que o mar não acolher. 

“Imagine se não houvesse nenhum país, não é difícil imaginar. Nenhum motivo para matar ou morrer e nem religião também…” (John Lennon) 

Até quando, teremos que assistir a estas notícias que são mais do mesmo? Até quando as autoridades mundiais vão permitir que isso continue acontecendo? Até quando vamos fingir que não é problema nosso? 

Migrantes, na verdade somos todos nós! John Lennon tinha razão em querer um mundo sem fronteiras! Eu quero um mundo sem fronteiras, em que a nacionalidade seja somente uma: humanos! 

Waldson de Almeida Dias é servidor público municipal em Foz do Iguaçu. 

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Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do H2FOZ. 

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