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Reportagem Especial

Contrabando e descaminho

Smartphones vendidos no Paraguai invadem mercado brasileiro

Cerca de dez mil celulares entram diariamente no Brasil; valor atrativo e demanda pelo produto movimentam ilegalidade.

6 min de leitura
Smartphones vendidos no Paraguai invadem mercado brasileiro
Margem de lucro dos smarthphones atrai fomenta prática do descaminho. Foto: RF

A entrada de smarthphones do Paraguai pelas fronteiras brasileiras disparou nos últimos anos. Levantamento da Receita Federal do Brasil (RFB) feito a pedido do H2FOZ revela que, somente nos cinco primeiros meses de 2025, as apreensões dos aparelhos cresceram 25% em todo o país.

De janeiro a maio de 2024, os servidores apreenderam o equivalente a R$ 180 milhões em smartphones. Neste ano, o valor retido no mesmo período corresponde a cerca de R$ 224 milhões, um aumento de 23,9%. 

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A Receita Federal estima que cerca de dez mil celulares entrem no Brasil todos os dias. Se for considerado o valor médio de US$ 200 de cada aparelho, somado ao fato de, nos primeiros 150 dias de 2025, mais de um milhão de celulares terem entrado no país ilegalmente, tem-se a cifra superior a R$ 1,1 bilhão movimentados nos primeiros cinco meses do ano.

Smarthpones do Paraguai

A importação de smartphones pelo Paraguai é um termômetro do comércio do produto no Brasil. De acordo com dados da Direção Nacional de Ingressos Tributários (DNIT), do Paraguai, em 2023 as importações atingiram o patamar de US$ 3.037 milhões, valor que representa um salto de 212% em relação ao ano de 2022.

Foram importados aproximadamente 18 milhões de aparelhos, uma das quantidades mais altas dos últimos seis anos. 

Com uma população de 6,4 milhões de habitantes, o Paraguai adquire uma fatia ínfima do produto. A maior parte é direcionada ao comércio de importados de Ciudad del Este, Pedro Juan Caballero e Salto del Guairá, para depois abastecer o Brasil e outros países sul-americanos. 

Receita intercepta 1.500 celulares na fronteira, avaliados em R$ 800 mil
Apreensão de 1.500 celulares avaliados em R$ 800 mil – foto: RFB/divulgação

Para o delegado-adjunto da Receita Federal do Brasil, Cláudio Marques, há duas situações fundamentais ao aumento da entrada de celulares no Brasil: o preço atrativo e o porte pequeno da mercadoria, que é fácil de transportar e camuflar.

Marques avalia que a movimentação de celulares pela fronteira segue a lógica do crime organizado. “Passam em pequenas quantidades e distribuem para o resto do Brasil”, frisa. A entrada de quatro a cinco celulares no país já tem um alto valor agregado, relata.

Em Foz do Iguaçu, a fiscalização alfandegária estima que apenas 3% do que passa pela fronteira seja retido.

Artimanhas para driblar fiscalização

Inúmeras artimanhas são usadas pela rede do contrabando e descaminho para passar os celulares pela fiscalização fronteiriça sem prejuízo de perda. 

Esconder aparelhos dentro de outros produtos é comum. Os servidores da RFB já encontraram celular em robôs de limpeza e capacetes, por exemplo. Somente com um motoqueiro, os fiscais apreenderam o equivalente a R$ 414 mil em celulares. 

caminhão copel celulares
No veículos de concessionária de energia havia fundo falso para ocultar celulares. Foto: PF

Para tentar enganar os servidores, os infratores utilizam embalagens de outras mercadorias para guardar os aparelhos, que muitas vezes são transportados sem as caixas.

Porém, isso não significa que o produto é entregue no destino sem a embalagem. As caixas são levadas ao Brasil para os aparelhos serem novamente embalados.

Recentemente, um morador de Foz do Iguaçu foi flagrado com quase 2 mil celulares escondidos em barris de chope vazios. A carga era equivalente a R$ 2,9 milhões.

Em outra apreensão, em abril deste ano, mais de 2 mil celulares foram encontrados escondidos dentro do caminhão da companhia de energia elétrica do Paraná. A mercadoria foi avaliada em R$ 1,7 milhão.

Os smartphones mais apreendidos são de fabricação chinesa, especialmente da marca Xiaomi, com destaque para o Poco. Mas também é comum a interceptação de carregamentos expressivos de iPhones. Já aparelhos da marca Samsung dificilmente são apreendidos.

A prática de transporte dos celulares pelas fronteiras envolve diversos perfis de pessoas. Até mesmo estudantes de medicina já foram flagrados trazendo o produto do Paraguai para o Brasil.

Motos são motor do contrabando

Em meio ao mar de veículos e pedestres que cruza diariamente a Ponte Internacional da Amizade, entre Brasil e Paraguai, as motocicletas sobressaem quando o assunto é contrabando e descaminho.

Segundo a RFB, cerca de 20 mil motos cruzam ao dia a aduana entre Brasil e Paraguai. As motocicletas se misturam a outros 45 mil veículos e aproximadamente 103 mil pessoas que passam diariamente pela fronteira mais movimentada do Brasil. 

Mercadorias apreendidas durante o procedimento da última quinta-feira (5). Imagem: Receita Federal do Brasil

De janeiro a maio deste ano, os servidores da RFB apreenderam 82 motos com fundos falsos na alfândega brasileira da ponte. Considerando que o valor médio dos smartphones, de variadas marcas, é US$ 200, o montante transportado via motos foi de R$ 84 milhões em mercadorias ilegais.

A equipe de fiscalização calcula que cada uma das 82 motocicletas apreendidas tenha cruzado, em média, a fronteira por 80 vezes antes de ser interceptada. Considerando as idas e vindas, estima-se que elas inseriram no lado brasileiro cerca de 75 mil celulares entre janeiro e maio.

Riscos aos consumidores

Presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (IDESF), Luciano Stremel Barros realça que a entrada de smartphones adquiridos do Paraguai traz prejuízos ao Brasil e aos consumidores.

“Muitos desses aparelhos não são homologados no Brasil e têm sérios riscos de proteção de dados e possibilidade de ter um software malicioso que pode acessar senhas e expor os usuários”, frisa.

O crime de inserção de celulares no Brasil para fins comerciais se enquadra no descaminho, porém Barros considera a ilegalidade como contrabando, quando o aparelho não é homologado pela Anatel.

Dados do IDESF de 2016 a 2019 já indicavam a escalada na entrada de celulares do Paraguai no Brasil. Em 2016, passaram pelas fronteiras 12.969.880 aparelhos; já em 2019, o número pulou para 13 milhões de unidades.

Na avaliação de Barros, todo o movimento de produtos ilegais acaba culminando no crime organizado, que distribui as mercadorias em grandes centros com logística sofisticada.

Para ele, é necessária uma postura da diplomacia brasileira em relação ao Paraguai, para o país importar menos certos tipos de produtos, tais como cigarros, celulares e eletrônicos, que acabam tendo como destino principal o Brasil.

Smarthpones do Paraguai – Balanço das apreensões

  • Foz do Iguaçu

Janeiro a dezembro de 2024: R$ 112.399.851,37
Janeiro a maio de 2024: R$ 45.806.466,93
Janeiro a maio de 2025: R$ 49.380.632,51
Aumento de 7,8% entre maio de 2024 a maio de 2025.

  • Paraná

Janeiro a dezembro de 2024: R$ 262.415.024,65
Janeiro a maio de 2024: R$ 93.944.515,34
Janeiro a maio de 2025: R$ 103.878.910,04
Aumento de 10,6% entre maio de 2024 e maio de 2025

  • Brasil

Janeiro a dezembro de 2024: R$ 527.190.154,97
Janeiro a maio de 2024: R$ 180.700.578,35
Janeiro a maio de 2025: R$ 223.939.700,33
Aumento de 23,9% entre maio de 2024 a maio de 2025

Fonte: Receita Federal

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    Denise Paro

    Denise Paro é jornalista pela UEL e doutoranda em Integração Contemporânea na América Latina. Atua há mais de duas décadas nas Três Fronteiras e tem experiência em reportagens especias. E-mail: deniseparo@h2foz.com.br