Censo: pelo menos 500 indígenas vivem em Foz do Iguaçu

Alguns são descendentes de famílias que moravam na Gleba Guarani, região de Três Lagoas que abrigou comunidade guarani

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Mestre de obras, Irineu Gil, 51 anos, nasceu na Gleba Guarani, região de Três Lagoas povoada por indígenas. Daquela época, década de 1970, o que predomina na memória dele são os traumas da remoção.

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Ele lembra ter deixado a gleba onde morava com a família quando a avó paterna trocou um pedaço de terra por uma área próxima ao Rio Tamanduazinho. De lá, conta, todos foram retirados à força: “A polícia ou o Exército tiraram a gente da terra. Derrubaram a casa e colocaram fogo.”

Como era criança, Gil tem lampejos da memória e informações de parentes para reconstruir o passado. Segundo ele, após o episódio, a família tentou recompor-se, e o pai foi trabalhar em São Miguel do Iguaçu em uma fazenda. Ele e os irmãos foram juntos.

Tempos depois, o pai se mudou para a Reserva Tekoha Ocoy, em São Miguel do Iguaçu, e Gil acabou preferindo voltar para Três Lagoas, onde cresceu na área urbana e não saiu mais. Hoje ele trabalha na construção civil e se lembra com carinho do pouco tempo que viveu na gleba.

Irineu é mestre de obras e optou por viver em Foz. Foto: Marcos Labanca/H2Foz

Sua família saiu de lá há 55 anos. Ele é um dos poucos indígenas daquela época que nasceram em Foz e ainda vivem na cidade. De acordo com o Censo Indígena, divulgado em agosto deste ano, um grupo de 473 pessoas que se identificam como indígenas mora em Foz do Iguaçu.

Todos vivem na cidade e alguns ainda têm parentes em aldeias, diz o professor Clóvis Brighenti, da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila). Esses indígenas, explica o docente, são trabalhadores urbanos e muitos têm família na região do Boicy e em Três Lagoas.

Essa contagem também inclui indígenas que hoje estudam na Unila e na Unioeste. Para o professor, o crescimento do número de indígenas vai demandar mais políticas públicas para que eles sejam atendidos.

Em todo o Paraná foi registrado aumento de 14% da população indígena. São 30.460 autodeclarados, conforme os dados colhidos em 2022. No censo anterior, feito há dez anos, eram 26.559 pessoas.

Apesar do resultado positivo para o Paraná, os números do censo são questionados em razão de inconsistências apresentadas. Em São Miguel do Iguaçu, por exemplo, somente na Aldeia Tekoha Ocoy, há cerca de mil pessoas, contudo o levantamento aponta a existência de 503 em terras indígenas no município.

INCRA e Funai removeram indígenas da Gleba Guarani durante a ditadura

A Gleba Guarani, onde Irineu nasceu, abrigou uma importante comunidade guarani. Lá os índios plantavam e estabeleciam a própria cultura com casa de rezas e cemitérios. Com o crescimento da cidade, a população não indígena começou a ocupar o espaço, até que em 1976, no período da ditadura militar, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) titulou terras indígenas.

Pesquisadora do assunto, Osmarina de Oliveira, que atua no Conselho Indigenista Missionário (Cimi), informa que a titulação fez os indígenas se dispersarem. Alguns foram para o Paraguai; outros, para Jacutinga, que ficava no distrito de Foz do Iguaçu chamado Alvorada do Iguaçu, extinto com a formação do lago de Itaipu; um outro grupo migrou para a terra indígena Rio das Cobras, região central do estado.

As informações constam em dissertação de mestrado defendida na Unila por Osmarina.  

Entre as estruturas da antiga comunidade havia um cemitério indígena, que ficava próximo a uma olaria. A área foi aterrada e atualmente serve de pasto para gado. No entanto, há muitos parentes dos guaranis sepultados no local.

Para Osmarina, o grande problema foi o aval dos órgãos públicos na desapropriação das terras indígenas. “Havia uma pressão política que cobrava do INCRA a regularização dos terrenos.” A Funai, na época, alegou que não havia presença de guaranis e abriu portas para o repasse das terras a não indígenas.

A desterritorialização ocorreu quando o general Ismar de Araújo comandava a Fundação Nacional do Índio.

Guaranis vivem em área próxima ao aeroporto

De natureza nômade, os guaranis têm o hábito de circular. No início deste ano, um grupo de 15 famílias deixou a Aldeia Tekoha Ocoy para vir morar em Foz do Iguaçu. Eles estão em uma área arrendada a convite do proprietário, onde sobrevivem da venda de artesanatos e cestas básicas. O lugar foi batizado de Arapy (Luz do Céu).

Cacique do grupo, Gilberto Martinez revela que no Ocoy as famílias passavam dificuldades pelo fato de a aldeia lá ser altamente povoada. São cerca de mil pessoas que dividem um espaço de 231 hectares.

Gilberto diz que Itaipu tem uma dívida com os guaranis. Foto: Marcos Labanca

A aldeia de São Miguel foi criada após o alagamento de terras provocado pela formação do lago de Itaipu. “A gente sabe que Itaipu tem dívidas com nós, deixaram muitos alqueires embaixo da água”, diz Gilberto.

Em Arapy, os guaranis retomaram a cultura dos antepassados. Usam bastante remédios caseiros feitos a partir de plantas que não são mais encontradas no Ocoy e recorrem aos pajés quando precisam; também mantêm uma casa de reza.

Guaranis vivem em área arrendada. Foto: Marcos Labanca/H2Foz

As crianças de 5 a 13 anos já frequentam escola.

Indígenas na Região Oeste

Foz do Iguaçu – 473 vivem na cidade.
São Miguel do Iguaçu – 767 indígenas, dos quais 503 estão na terra indígena; e 264, fora.
Santa Helena – 323 vivem aldeados, mas a terra não tem reconhecimento.
Itaipulândia – 212 vivem aldeados, mas a terra não tem reconhecimento.
Diamante D’Oeste – 463 aldeados.
Guaíra – 1.563 moram nas aldeias, porém, como as terras não são demarcadas, são considerados não aldeados.
Terra Roxa – 715 moram nas aldeias, porém, como as terras não são demarcadas, são considerados não aldeados.

(Fonte: Censo Indígena de 2023. Os dados foram colhidos em 2022.)

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