Ciência começa a despontar na região onde um gênio viveu

Com universidades e instituições especializadas em pesquisa, Foz tem potencial para ser polo tecnológico, mas há dificuldade para empregar talentos.

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Estávamos em 1894. A fronteira era um lugar inóspito; a comunicação, precária; e a circulação entre Brasil, Paraguai e Argentina, dificílima, sem uma ponte sequer. Mas para um gênio, dificuldades são apenas desafios a serem superados. Foi justamente nessa época que apareceu por aqui o cientista suíço Moisés Bertoni (1857–1929), um sábio que naquele tempo fez pesquisas experimentais e deixou 530 artigos e livros publicados.

Bertoni fundou uma colônia chamada Guilhermo Teel às margens do Rio Paraná, no Paraguai, que mais tarde passou a ser chamada de Puerto Bertoni. É reconhecido por ter catalogado a estévia e morreu vítima de malária, aos 72 anos de idade, em Foz do Iguaçu.

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Passados 130 anos, Foz do Iguaçu parece querer recuperar a vocação científica deixada por Bertoni. Com universidades e instituições especializadas em pesquisa, a cidade chega ao início do século 21 com potencial para tornar-se, no futuro, um polo tecnológico de excelência.

Embora o turismo, a logística e o comércio dominem o debate quando se trata de vocação econômica, a ciência tem uma semente em Foz do Iguaçu, plantada por um gênio. São 16 cursos de mestrado e três de doutorado oferecidos por duas instituições públicas, a Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) e a Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). Há ainda pesquisas realizadas no Parque Tecnológico Itaipu (PTI), Itaipu Binacional, Parque das Aves e Parque Nacional do Iguaçu.


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Parque das Aves atendimento ortopedia
Parque das Aves investe em pesquisa. Foto: Divulgação Parque das Aves

Professor e pesquisador do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), Lucas Kerr destaca o potencial da cidade para a ciência, considerando a grande quantidade de laboratórios, grupos de pesquisa e rede de pesquisadores existentes.

O desafio agora é transformar a pesquisa em produtos e a cidade em um polo de tecnologia. E a maior dificuldade reside na instalação de indústrias e empresas decorrentes das pesquisas e na geração de postos de trabalho locais para os alunos que aqui fazem graduação e pós-graduação.

Para tornar-se um tecnopolo, a cidade precisa segurar os talentos que forma. “A gente forma bastante aluno na graduação e pós, mas temos dificuldades para segurá-los”, reconhece Kerr. Para ele, falta política para gerar empregos em áreas tecnológicas. A tendência da cidade, diz, é pensar só no turismo.

A fim de vencer esse gargalo, é preciso pensar em uma política para o desenvolvimento regional considerando as outras cidades da Tríplice Fronteira, evitando assim a saída de “cérebros”. Para isso, é preciso de incentivo governamental e fiscal, além de agências de fomento.

Na análise do professor, Foz tem um potencial para transformar-se em um tecnopolo em médio e longo prazo. Como referência, hoje há tecnopolos consolidados em São Carlos e São José dos Campos, ambas no estado de São Paulo. Também chamam atenção Campinas e João Pessoa (PB).

As cidades têm um alto índice per capita de doutores e uma concentração de universidades, incluindo públicas e privadas, algumas há mais de meio século. “São cidades que acabam produzindo um ambiente propício para troca, conhecimento e inovação entre o setor acadêmico e empresarial, o que facilita a contratação de doutores”, explica Kerr.

Em Foz, apenas a Unila concentra hoje 350 professores doutores, cuja produção intelectual resulta em livros, teses, artigos e patentes – mais restrita à área de ciências exatas. A quantidade de doutores é um parâmetro universal para avaliar o potencial de uma universidade produzir ciência. Apesar de concentrar um bom número doutores, Foz ainda está aquém de outros polos de excelência.

Para o professor, há uma tendência de desenvolvimento de ciência em várias áreas, apesar de ainda haver predominância das ciências humanas se considerados os programas de mestrado e doutorado. A área hoje é a que mais produz artigos acadêmicos na cidade.

Projetos

As universidades locais têm inúmeros projetos de pesquisa que envolvem alunos, professores e parcerias institucionais. Em uma parceria com a Universidade Federal de Pernambuco, foi criado um óculos de realidade virtual para pessoas cegas que gera descrições de áudio e cenas. A Unioeste também tem várias pesquisas na área de robótica, fronteiras e tecnologia.

A Unila, em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina, faz pesquisas com cannabis para ser usada como remédio contra o Alzheimer. Outro estudo da universidade mostrou como a falta de árvores eleva o consumo de gasolina em Foz. A universidade também tem vários estudos no combate à dengue e no âmbito da América Latina, na área de ciências humanas.

A pesquisa extramuro das universidades

A produção científica não é restrita à academia. Fora dela, há muitas instituições comprometidas com a descoberta e o saber.

No Parque Nacional do Iguaçu, o Projeto Onças do Iguaçu faz pesquisa de monitoramento de onças-pintadas, uma delas em conjunto com a Argentina – estudo da dieta das onças por meio de fezes coletadas e pesquisa social nas comunidades para entender a percepção das pessoas em relação aos felinos.

Onça-pintada Sami. Foto: Divulgação Projeto Onças do Iguaçu

Para o monitoramento desses animais são usados radiocolares com a finalidade de capturar as onças e entender a movimentação e o comportamento delas.

No PTI, um dos destaques é o trabalho com hidrogênio verde. O parque possui o Centro de Tecnologias em Hidrogênio e tem laboratórios voltados para produzir, armazenar e utilizar o hidrogênio para aplicação na indústria, energia e mobilidade.

Outra conquista do PTI veio por meio do extinto Polo Astronômico, via parceria envolvendo uma rede internacional de pesquisadores, incluindo a Unioeste e o Observatório Nacional. Foi descoberto um sistema de anéis ao redor de um pequeno asteroide chamado Cariclo. A descoberta gerou um artigo científico publicado na prestigiada revista britânica Nature em 2014.

Vista aérea do Parque Tecnológico Itaipu, que ocupa a área dos antigos alojamentos dos barrageiros. Foto: Kiko Sierich/PTI
Vista aérea do Parque Tecnológico Itaipu, que ocupa a área dos antigos alojamentos dos barrageiros. Foto: Kiko Sierich/PTI

Outra instituição onde a pesquisa é levada a sério é o Parque das Aves. Lá existe uma divisão que faz publicações com base em dados da população de aves. O parque tem comitê de pesquisa e de ética, ferramentas para realizar estudos aplicados que apoiam iniciativas nas áreas de biologia, zoologia e biologia de conservação aplicada.

Na Itaipu Binacional, o diretor-administrativo da binacional, Igor Rocha, incentiva a produção científica na cidade. Com ajuda da Itaipu, Foz do Iguaçu realizou neste ano a I Conferência Municipal de Ciência, Tecnologia e Inovação, em 4 de maio.

O evento abriu as portas para a participação da cidade na conferência estadual, já realizada, e agora na edição nacional, marcada para o final de julho.

Segundo Rocha, está investindo em esforços para a Itaipu ser produtora de ciência e tecnologia. Entre o quadro de funcionários há 30 doutores e mais de cem mestres. “Acreditamos no potencial de Foz, e a Itaipu impulsiona isso”, frisa.

Nas áreas de pesquisa da usina estão o Laboratório de Concreto e estudos relativos à qualidade da água, o que gerou um trabalho apresentado no Fórum Mundial da Água.

Conselho de Ciência

Outro importante passo para o desenvolvimento da ciência na cidade foi a criação do Conselho Municipal de Ciência, Tecnologia e Inovação (CMCTI), por meio da Lei Complementar 283/2017. A atribuição dele é debater e propor políticas públicas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica.

Presidente interno do órgão e funcionário da prefeitura, Evandro Ferreira informa que uma das contribuições do conselho foi a criação da lei com incentivos para empreendedores da área de tecnologia e inovação.

Apesar disso, apenas três empresas até agora foram beneficiadas com subsídios do Imposto Sobre Serviços (ISS). Para ele, é preciso divulgar mais a lei.

Recentemente, foi lançado o Plano Municipal de Inovação, elaborado pelo conselho, Secretaria Municipal de Tecnologia da Informação, Sebrae e organizações parceiras. A proposta é montar o planejamento do ecossistema de inovação municipal, estruturando ações nas áreas da economia criativa, saúde, logística e transporte.

Outra atuação do conselho foi no projeto Vila A Inteligente e no projeto Transformação Digital, da prefeitura.

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