“Com mudança na política de preço, gasolina poderia estar a R$ 4”, garante especialista

Preço de Paridade Internacional (PPI) e pressão de acionistas são principais entraves do setor, explica Ricardo Hartmann, doutor em engenharia e professor da Unila.

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Preço de Paridade Internacional (PPI) e pressão de acionistas são principais entraves do setor, explica Ricardo Hartmann, doutor em engenharia e professor da Unila.

Os reajustes frequentes no preço dos combustíveis têm causado dor de cabeça para diversos setores da economia e afetado diretamente o consumidor, que faz malabarismos para driblar a alta da inflação.

Para entender um pouco mais sobre os motivos que levaram ao cenário atual, entrevistamos Ricardo Hartmann, doutor em Engenharia e coordenador do Grupo de Pesquisa em Mobilidade e Matriz Energética da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila).Para o especialista, a política de paridade utilizada pela estatal é a principal “vilã” nos aumentos dos preços. Segundo Ricardo, somente uma mudança nesse processo ajudaria a amenizar o preço dos combustíveis no país. Confira a entrevista na íntegra:


A Petrobras anunciou um novo aumento no preço dos combustíveis nessa sexta-feira (17). Na sequência, alguns donos de postos já correram para fazer o reajuste. Quando, de fato, esse aumento deveria chegar às bombas e, consequentemente, ao bolso do consumidor?

O combustível sai da refinaria e passa pela distribuição antes de carregar os caminhões que seguem para os postos de combustíveis. Isso leva um tempo. Se o reajuste na refinaria aconteceu hoje, o combustível que está no posto em Foz do Iguaçu ainda é um combustível comprado com preço antigo. Esse reajuste acontece porque os donos dos postos assim decidem e deveria chegar no bolso do consumidor depois de um novo carregamento, que depende da reserva de cada posto. Isso costuma levar entre um e três dias.

Por que essa prática mal-intencionada dos postos acontece e como ela poderia ser coibida?

É uma prática que infelizmente acontece no Brasil inteiro e é coibida por ações de fiscalização tanto por parte do Procon de cada estado como da Agência Nacional de Petróleo (ANP), que infelizmente tem um efetivo reduzido. Essa prática também é induzida pela política do PPI [Preço de Paridade Internacional],que foi instalada pelo Conselho Nacional de Política Energética. A Petrobras reajusta o preço do combustível conforme o mercado internacional, e isso causa aumentos mais frequentes, ficando mais difícil para o consumidor e para os próprios órgãos fiscalizadores coibirem essa prática.

Como funciona o PPI e como outros países lidam com essa pauta?

O PPI foi uma escolha política do governo federal, que foi instituída em 2016 pelo ex-presidente Michel Temer e confirmada pelo atual governo e a atual legislatura. Essa política vem favorecendo os acionistas privados. Por quê? O petróleo brasileiro tem um custo de extração entre US$ 15 e US$ 20 o barril. Por dia, são produzidos entre 2,5 e 3 milhões de barris, o que seria suficiente para o abastecimento do mercado interno de gasolina e diesel, mas é preciso de mais refinarias. Em 2016, tínhamos praticamente 85% de autossuficiência dos derivados, e não houve continuidade na expansão de refinarias. Mais uns três ou quatro anos alcançaríamos 100% de autossuficiência em refino e não teria a necessidade da paridade internacional.

Na prática, o Brasil produz hoje petróleo a US$ 25, mas cobra do consumidor interno como se fosse o custo de US$ 100. Isso ocorre porque os investidores internacionais, que detêm ações da Petrobras, incentivam a política do PPI. O Conselho Nacional de Política Energética poderia decidir que o preço dos derivados produzidos no Brasil fosse cotado conforme o custo de exploração do pré-sal, mais ou menos US$ 25, mais o refino, impostos e uma margem para cobrir os investimentos e o lucro da empresa. Com isso, a gasolina poderia estar na casa dos R$ 4. É isso o que acontece na Argentina, por exemplo, que tem uma empresa pública para a extração de petróleo interno. Por isso, o combustível lá é muito mais barato.

Com o projeto de lei que limita a 17% o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) é possível derrubar o preço do combustível?

O PL foi aprovado e já houve outro aumento induzido pela política PPI. Pode ser que haja outros aumentos, por exemplo, com a alta do dólar, porque o petróleo é cotado em dólar, ou se houver um aumento no conflito da Ucrânia. Essa mudança no ICMS tira recursos dos estados e municípios em setores importantes, como saúde e educação, e pode ser que não surta nenhum efeito no preço do combustível. Esse passo não resolve o problema. O que resolve é mudar essa política PPI, e isso está nas mãos do governo federal e do Conselho Nacional de Política Energética.

Em longo prazo, é possível imaginar uma diminuição no preço dos combustíveis?

Nós temos reservas de petróleo e temos refinarias. O que precisa é vontade política para enfrentar os interesses privados da indústria do petróleo. Hoje, os acionistas da Petrobras estão sendo favorecidos em detrimento da população. É preciso alterar essa política e fazer com que o preço do combustível seja calculado baseado no custo de produção, refino, lucro e os impostos. Com isso teríamos uma gasolina na casa dos R$ 4, mas é uma discussão que vai longe.

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