Uma ponte de transformação, por Ronildo Pimentel

O Porto Meira e o conjunto de bairros que formam a região Sul de Foz do Iguaçu é onde ocorreram mais transformações a partir da construção da Ponte Presidente Tancredo Neves, ou Ponte da Fraternidade, como ficou conhecida antes e após sua inauguração. No início dos anos 1980, a então Rua General Meira, única via de acesso ao porto de mesmo nome no rio Iguaçu, único acesso à municipalidad de Puerto Iguazú, na Argentina.

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Ronildo Pimentel

O Porto Meira e o conjunto de bairros que formam a Região Sul de Foz do Iguaçu são onde ocorreram mais transformações a partir da construção da Ponte Presidente Tancredo Neves, ou Ponte da Fraternidade, como ficou conhecida antes e após sua inauguração. No início dos anos 1980, a então Rua General Meira, única via de acesso ao porto de mesmo nome no Rio Iguaçu, era também o único acesso à municipalidad de Puerto Iguazú, na Argentina.

O atual aglomerado de bairros e uma população de aproximadamente 50 mil habitantes eram uma utopia entre os moradores do Porto Meira antes do início da estrutura. As filas de veículos, a maioria de placa argentina, eram cenas comuns para os recém-chegados à região em meados de 1980. A concentração de viajantes era como paraíso para quem não tinha muitas opções de renda e encontrava na venda de refrigerantes, água mineral e salgadinhos tipo Pingo d'Ouro e palitos salgados uma alternativa.

A maioria entre os poucos  estabelecimentos comerciais estava localizada no entorno de onde hoje está o Colégio Três Fronteiras

Os moradores do Porto Meira, nesses anos que alternavam frios extremos e temperaturas de deserto, eram muito poucos. A maioria entre os poucos estabelecimentos comerciais estava localizada no entorno de onde hoje está o Colégio Três Fronteiras, próximo aos primeiros metros de asfalto da Avenida Morenitas, que até então não existia.

O Parque Residencial Ouro Verde, na época, era constituído pela Avenida Safira e poucas residências. A via estava longe do que é hoje, pavimentada e com calçada no canteiro central. Os primeiros habitantes dividiam espaços com uma floresta praticamente selvagem, o que fazia jus ao nome. Até então, a Escola Municipal Cecília Meireles estava instalada no mesmo prédio onde está o posto de saúde, localizado na Rua Níquel. Rios e córregos eram muito agradáveis, pois a poluição era quase inexistente.

Devido à proximidade dos Rios Iguaçu e Paraná, a pescaria era uma das poucas opções de lazer para os habitantes da região. No Iguaçu, um ponto conhecido como “As Duas Irmãs”, duas pedras de porte avantajado que aparecem quando a maré está baixa, aos poucos começou a ganhar um visual inusitado – era o início das obras no lado argentino da Ponte Tancredo Neves, único ponto visível para quem pescava do local.

Explorar a barranca do Iguaçu era uma espécie esporte favorito de um grupo de garotos que acompanhou o nascimento e o avanço da ponte da Argentina no espaço aéreo do rio. Dos primeiros visuais os meses foram passando e a obra, em direção à margem brasileira, ganhando forma.

Explorar a barranca do Iguaçu era uma espécie esporte favorito de um grupo de garotos que acompanhou o nascimento e o avanço da ponte da Argentina no espaço aéreo do rio. 

Muitos dos moradores da região eram céticos quanto ao progresso que a ponte ligando o Brasil à Argentina poderia trazer, afinal estava geograficamente longe do Porto Meira e não havia uma ligação viária. Enquanto pescavam, e a ponte ia crescendo, os garotos observavam o vaivém de balsas lotadas de veículos e passageiros.

Após a inauguração da Ponte Tancredo Neves ainda se passou algum tempo até que a estrutura tivesse de fato alguma influência na região. Aos poucos a aduana instalada no início da descida em direção ao antigo porto começou ser de pouca utilidade, e as filas de veículos leves, ônibus e caminhões deixaram de existir. Era preciso buscar alternativas de renda, principalmente para os comércios instalados às margens da General Meira.

Não demorou muito para os bairros da região sentirem o efeito da explosão demográfica que atingiu Foz do Iguaçu a partir da inauguração da Itaipu Binacional, que ficou pronta pouco antes da Ponte da Fraternidade. O Porto Meira era uma região ainda com poucos moradores no início daquela década.

Rapidamente foram surgindo novos bairros e o primeiro traçado da atual Avenida Morenitas. A via finalmente ligou o Porto Meira ao novo entroncamento rodoviário do Brasil com a Argentina.

Nesse período, o primeiro grande problema era a área alagadiça, lugar comum de morenitas, espécie de peixe usado como isca para atrair peixes carnívoros como o dourado, comum nas águas dos Rios Iguaçu e Paraná. Foram necessárias muitas cargas de terra para garantir uma passagem segura.

A construção da ponte criou uma nova perspectiva para os moradores do Porto Meira. Além da economia, muitos daqueles primeiros jovens ampliaram suas áreas de exploração da natureza. Banhar-se embaixo da via tornou-se quase que regra de um roteiro de descobertas.

Para colaborar com esse horizonte, muitos dos primeiros habitantes, que até então sobreviviam da pesca e da exploração leiteira, passaram a alugar pequenas embarcações aos aventureiros, permitindo novas possibilidades de reconhecimento da geografia local.

Um desses jovens, de nome Alexandre Franco, adorava juntar os amigos e remar rio acima. Muitas vezes chegavam até a foz do Rio Tamanduá, um dos primeiros a abastecer de água potável a população de Foz do Iguaçu, a meio caminho do limite do Parque Nacional do Iguaçu. “Foi uma época muito divertida subir o rio o máximo possível, depois deixar o bote no canal da água e descer sem precisar dar uma remada, só controlar a direção do barco”, conta.

Em meio a tanta exploração, sobrou espaço para a lenda da “Pedra Indígena”, que teria recebido pinturas dos antepassados indígenas e que só seria visível em períodos de seca no Iguaçu. Um ano de pouca chuva em todo o Paraná, principalmente no percurso do rio, foi o bastante para a pedra surgir. Descobriu-se então que não se tratava de pintura indígena, mas da obra de algum “hipponga” que aproveitou o período de estiagem para deixar sua marca no rio.

Essa é mais uma das muitas histórias que povoaram a infância e adolescência de quem habitou bairros próximos às margens desse trecho do Iguaçu no início dos anos 1980.

Ronildo Pimentel é jornalista, atualmente residindo em Curitiba e que chegou à região do Porto Meira aos 12 anos, em 1980.

 

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