A primeira semana do governo Javier Milei deixou a Argentina em ebulição e levou apreensão para o comércio de Puerto Iguazú, cidade vizinha a Foz do Iguaçu. O reajuste nos preços foi generalizado e gerou preocupação no setor de turismo.
Leia também:
– Confira o pacote de medidas econômicas de Javier Milei
– Gasolina tem novo reajuste nos postos de Puerto Iguazú
– Preço da carne dispara nos mercados e açougues de Puerto Iguazú
Apesar de a desvalorização da cotação oficial do peso em 54% anunciada pelo governo favorecer os estrangeiros, em longo prazo não se sabe o que pode ocorrer. A expectativa dos comerciantes é de que alguns produtos continuem em conta para quem vem de fora, a exemplo dos vinhos, carnes e queijos. Porém, o impacto das medidas deixa uma tensão no ar.
Proprietário de um restaurante em Puerto Iguazú, Nicolas Domacinovic disse que comer na Argentina sempre vai estar mais barato que no Brasil, mesmo com o aumento de preços. Por isso, ele pensa que os turistas continuarão cruzando a fronteira para frequentar os restaurantes, atraídos pelo valor e qualidade dos pratos.
“Carne, vinho e queijo vão ficar mais caro, mas ainda continuará compensando”, afirmou. Com o reajuste anunciado, uma tábua de picanha para quatro pessoas passou de R$ 120 para R$ 140.
Outro comerciante do setor de gastronomia, Juan Pablo Bauzá prevê que o pacote do governo deva atingir duramente o mercado interno, porque as medidas vão afetar a classe média – que viaja pelo país e era beneficiada por um programa chamado PreViaje, que reembolsava 50% do custo de viagens na própria Argentina.
“Vai afetar hotéis menores, hospedagens tipo Airbnb.” Em longo prazo, clientes do Brasil que têm menos recursos devem ser impactados também, complementou o empresário.
Para ele, as empresas que atendem ao mercado internacional não devem sentir impacto, bem como a classe alta – que sempre tem dinheiro disponível. “O problema será o mercado interno. A gente sabe que vai sofrer”, antecipou.
Atendente na Feirinha de Puerto Iguazú, Célia Perez, 48 anos, já sentiu o reajuste dos preços nos supermercados. A carne, conta, que custava 2.500 pesos, foi para 5.500. “Hoje fomos ao mercado e não deu para comprar, vai ficar mais difícil”, avaliou. Nesta semana, ela percebeu queda nas vendas na barraca em que trabalha, em razão do pacote anunciado pelo governo.

Aumento da gasolina deve aliviar fila
Na reconfiguração comercial que está por vir, a expectativa é de que a corrida de brasileiros e paraguaios em busca de gasolina e diesel mais baratos acabe. Com isso, de certa forma o setor de gastronomia deve ser beneficiado, porque hoje muita gente deixar de ir a Puerto Iguazú por causa das extensas filas que se formam na aduana de entrada do país.
Na quarta-feira, 13, o combustível foi reajustado em valores que variam de 27% a 37%, conforme a rede e o tipo (clique aqui para ver os preços atualizados). A perspectiva é de que o litro da gasolina no país estacione no patamar de US$ 1 e não compense para os estrangeiros.
Com a mudança de preço e câmbio, é possível que parte da população volte a cruzar a fronteira com o Brasil para frequentar o comércio de Foz do Iguaçu.
Pedintes aumentam nas ruas
Cidade turística que atrai gente o ano todo, Puerto Iguazú tem se tornado, nos últimos anos, uma cidade de “pedintes”. A crise que se abateu sobre o país atingiu duramente a população de baixa renda, que passou a recorrer com mais frequência às ruas para tentar sobreviver.
Crianças e jovens foram “cuidar de carros” ou limpar para-brisas. Algumas mães acompanham os filhos nas ruas. Comerciantes de Puerto Iguazú comentam que muitas mães levam crianças enquanto pedem dinheiro. Algumas famílias vêm de cidades próximas. Pegam ônibus no início da manhã e voltam no final do dia. Entre essas famílias, muitas são de origem guarani.
Medidas podem gerar mais concentração de riqueza ou não surtir efeitos, dizem analistas
Professor de Ciência Política da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), Felix Pablo Friggeri avalia que o governo eleito é uma reedição de várias investidas neoliberais que ocorreram na Argentina, incluindo a própria ditadura militar, parte do governo do ex-presidente Carlos Menem e da gestão do ex-presidente Maurício Macri.
No entanto, ele considera a atual investida muito mais “brutal”. Na análise de Friggeri, as medidas anunciadas vão privilegiar os setores financeiro e agropecuário, por isso as pequenas e médias indústrias vão sofrer bastante. “A capacidade de consumo massiva vai cair muito”, frisou.
Para ele, a inflação argentina é política e representa uma tentativa de confrontar as causas sociais do país e a estrutura sindical argentina, considerada a mais forte das Américas.
Cientista política e professora na Unila, Daniela Neves classifica as medidas anunciadas de austeridade fiscal, algo comum no início de governos em contextos de crise econômica. Porém, há possibilidade de algumas ações serem descartadas com o tempo, conforme os rumos da economia.
A queda na cotação oficial do peso, por exemplo, de imediato deve trazer commodities e investimentos estrangeiros para o país, contudo, por outro lado, pode demonstrar-se desfavorável em longo prazo.
Para a professora, o impacto das medidas em Puerto Iguazú deve demorar um pouco mais para chegar em razão do período de férias, que atrai turistas e aquece a economia. Depois, será preciso avaliar se as ações de austeridade proposta pelo governo surtirão efeitos na fronteira.


