Pessoas nas ruas em Foz do Iguaçu: ‘O que mais quero é voltar para casa’

O desejo de Valdecir, “cria” do Morumbi, é o de muitos que enfrentam o julgamento fácil da sociedade, que contrasta com políticas públicas e solidariedade menos efetivas.


Entre alguma doação recebida e venda de latinhas, Valdecir José da Silva sobrevive. Ele estima ter 50 anos e foi parar nas ruas devido a incongruências familiares, algo que não é nem um pouco incomum, mesmo entre os melhores sobrenomes.

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No último carnaval, Valdecir atravessou a Região Leste até o centro para juntar o que era descartável para os foliões noturnos, mas seria alguma renda a ele. De dia, passa parte do tempo na praça da Avenida Mário Filho; à noite, atravessa a via para dormir nas fachadas comerciais.

Nessa rotina, embala o desejo de um lar. “Minha família tinha duas casas e as vendeu. Vim parar na rua. O que mais quero é voltar para casa, que meus parentes venham me procurar”, narrou o seu drama, dizendo que possui familiares no Portal da Foz.

O julgamento da sociedade costuma ser cortante como uma navalha afiada; já as políticas públicas e a solidariedade, menos efetivas. A realidade das pessoas em situação de rua é complexa e multidimensional.

Entre os estigmas impostos a quem vive nas ruas está a associação com o uso de álcool e outras drogas. Acrescenta-se a ideia deturpada de “querer” permanecer nessa condição, o que seria uma “vontade/escolha” pessoal e de “não querer trabalhar”. São visões simplistas.

Dados oficiais do cadastro social do governo federal indicavam que Foz do Iguaçu somava 848 pessoas em situação de rua no fim do ano passado. O Movimento da População de Rua e de Humildes estima que esse número possa ser até três vezes maior: 2.500.

Invisibilidade, suscetibilidade à violência e falta de atendimento a necessidades básicas são problemas comuns nas ruas. A reportagem constatou desde a ausência de água para beber em dias de calor intenso até dificuldades de acesso à saúde.

Com tempo determinado para ficar no Centro POP, pessoas em situação de rua vão à Praça da Bíblia – foto: Marcos Labanca

Aos 48 anos, Almiro Mathias dos Santos tem três décadas de Foz do Iguaçu. É um “novato” nas ruas e quase não consegue explicar o motivo que o fez deixar a segurança e a comodidade de um teto. Contou ter acabado de ser chamado pelo antigo empregador e aceitou.

Nas ruas, pratica a solidariedade, com iniciativas que apoiam outras pessoas, como a partilha do alimento diário, marmitas que precisam chegar a todos. “Estou há pouco tempo nas ruas. Meu patrão já chamou para voltar a trabalhar com ele. Irei voltar”, relatou Almiro.

“Meu sonho é sair da rua”

Ao separar-se da esposa, o mundo de João José Ferreira se desorganizou. Há quatro anos em Foz do Iguaçu, veio de Rio Branco, Acre. Faz seis meses que ele perambula por vias e praças iguaçuenses.

O H2FOZ perguntou a ele se, mediante uma oportunidade, aceitaria sair das ruas. “É o meu sonho: poder sair hoje das ruas e arranjar um trabalho”, respondeu, enquanto dividia uma marmita fria com um amigo na Praça da Bíblia.

Com somente 21 anos, Winicius Damaceno está há dois em condição de rua. Apesar do pouco estudo – cursou a sexta série –, é informado e pensa rápido. E tem consciência da sua condição, que orgulha de expor. Ele revelou que apreende em vídeos com conteúdos educativos.

Entre os pensamentos em ebulição na cabeça, está o de retornar à convivência familiar. “Estou voltando para morar com a minha família já”, reportou o jardineiro, que exercia a profissão em Campo Mourão, cidade do Centro-Oeste paranaense.

Políticas públicas x “limpeza social”

Em novembro de 2024, foi realizado o Fórum da População em Situação de Rua da Tríplice Fronteira, a fim de dar voz às pessoas que vivem nas ruas e propor soluções. O resultado das deliberações está sendo finalizado.

O encontro teve como principal resultado a criação do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Municipal para a População em Situação de Rua (CIAMP Rua). É uma instância que alia instituições governamentais e sociedade civil.

Sem dar muitos detalhes, a prefeitura afirma que está preparando um plano de ação, e entabula o que considera ser um censo dessa população. O H2FOZ obteve a informação de que o projeto de levantamento foi levado ao CIAMP Rua e gerou dúvidas entre as entidades de apoio, que postulam uma contagem ampliada dessa população, “qualificado e quantificado”, ouviu a reportagem.

Na cidade, pipocam opiniões baseadas em ações de outras cidades que beiram a “limpeza social”, sem esconderem medidas ilegais. Entre elas, a remoção forçada de pessoas que vivem nas ruas, o que contraria o sistema de assistência social e é expressamente proibido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

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5 Comentários
  1. Bruno Diz

    Muitos vem de outras cidades e moram na rua, maioria usuários de álcool e drogas. Existem muitos furtos e até homicídios com arma branca cometido por esses moradores de rua. O centro POP até ajuda alguns, mas são muitos e a maioria folgados e acomodados. Deveria o Estado processar os familiares pelo abandono, responsabilizar os pais e enviar cada morador de rua para a sua cidade natal.
    O presidente dos EUA Trump deporta trabalhadores imigrantes ilegais, por que não mandar os moradores de rua de Foz que trazem problemas pra Foz do Iguaçu, como crimes e perturbação do trabalho alheio, de volta para suas terras natais? Foz do Iguaçu está parecendo curva de rio, só acumula lixo.
    O prefeito e os vereadores precisam tomar alguma iniciativa urgente.

  2. Wesley Yarley Diz

    O amigo Bruno tem um ponto muito importante, Foz está parecendo curva de rio. A cidade não era assim alguns anos atras. Cabe ao novo prefeito reverter a política aplicada pela antiga gestão pois Foz é uma cidade turística e beira ao ridículo a situação que deixaram chegar…

  3. Monique Diz

    Acho eu Bruno que você perdeu a noção de humanização. Tem sim os moradores que incomodam, mas tem os que não faz mal pra ninguém, mas não cabe a ninguém julga-los, ja que ninguém sabe o que eles passaram. Acho que falta empatia por falta não só do governo, mas de muitos por ai.

  4. Antonio Diz

    Bruno que haja iluminação em seu coração. É esse tipo de pensamento que semeia o ódio entre os pares. Um problema como esse com tantas variaveis envolve tomadas complexas de decisões, mas uma política higienista jamais sera a solução. A rua é cruel, essa visão torpe de que é uma opção deles é pra ofuscar a realidade de uma sociedade individualista e que se esqueceu do principal legado de Deus. Amai o proximo como a ti mesmo.
    Que os empresários de Foz também sejam agentes de mudança e não depositem apenas o serviço publico essas mudanças. a final, Moradores de rua precisam de casa, comida, emprego e sim em alguns casos tratamento.
    além deste publico temos 23.000 pessoas morando em favelizações es e de fato buscamos melhorar a vida destas pessoas que comecemos com uma moradia digna. quanto custaria para os empresarios de Foz, todos juntos construirem 25.000 casas simplers, mas dignas? Fica a pergunta

  5. Ale Diz

    É preciso separar o joio do trigo…muitos moradores de rua, com auxílio adequado, só precisam de um apoio para conseguir reencontrar um caminho adequado em suas vidas. Entretanto, outros usam essa situação como “muleta” para cometer crimes, alguns graves, e isso não é motivo para passar a mão na cabeça e deixá-los impunes. Outra coisa que deveria ser feita é verificar o motivo de tantas pessoas em situação de rua virem parar em Foz e se não há municípios (inclusive vizinhos) que os incentivam a vir para cá.

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