Procura-se tempo desesperadamente

Mentalmente, tente lembrar quando foi a última vez que você tirou um tempo “pra sentar e conversar, falar besteira”, escreve Eliana Tao.

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* Eliana Tao

Dia desses vi uma notificação de solicitação de conversa no aplicativo de mensagens. O remetente era um tal de Sr. Tempo. No início achei que tinha clicado e ativado acidentalmente algum sistema de mensagens automáticas.

Enquanto eu procurava alguma maneira de desativar a funcionalidade, a mensagem de que não se tratava de um robô ou perfil fake surgiu na tela: justificou o contato dizendo que tinha chegado a mim após ter lido na internet a minha conversa com a Dona Ana.

Fiquei pensando o motivo da abordagem, afinal não estou procrastinando nada em minha rotina (não estou em dívida com ele), porém também poderia ser um leitor usando um pseudônimo. Ficar viajando nas possibilidades não adianta: só interagindo para descobrir. 

Cumprimentamo-nos eu e o Sr. Tempo. Não aguentei e fui logo perguntando: 

― O senhor por acaso está procurando o Dr. Pedro Rogério de Sá Neves? Sim, eu o conheço! Somos amigos. Tenho o contato dele, mas sendo bem sincera é meio complicado conseguir falar com ele, pois vive numa correria danada. De qualquer modo, posso tentar ajudar. Tratá-lo por “você”. Está bem! Obrigada pela gentileza!

— Ah! Procurou-me justamente para desabafar, falar dessa correria na qual as pessoas do terceiro milênio se encontram. Sei. E está bastante chateado por culparem você por não conseguirem fazer as atividades que precisam: seja o que for, o responsável pela pendência na imensa maioria das vezes é a tal falta de tempo.

— Falando no Pedro, tenho de lhe transmitir um pedido dele: ele quer que você não passe tão rápido… (se era só isso não sei, vamos ficar nesse vácuo, pois ele foi chamado para um procedimento urgente no centro cirúrgico). Talvez o desejo do Andrey Westphal Santa Maria – alguém que faz parte de minha vida há mais de 20 anos – ajude a compreender melhor: “Pra ir devagar, com calma, sem apressar tanto as coisas”.

— Como assim você está do mesmo jeito? A julgar pelo pedido de pessoas de profissões diferentes, que não se conhecem, terem a mesma percepção (aposto que muitas outras mundo afora) tal qual uma canção de um cantor e compositor country canadense com a impressão de que “este mundo está girando tão rápido, não há retardamento agora”, é algo a se pensar.

Reconheço que continua distribuído em 24 horas, como sempre foi, porém, apesar de o mundo ter passado por algumas revoluções industriais – que mantêm o objetivo de aumentar a produtividade em um espaço de tempo cada vez menor –, por outro lado muito tempo se perde no deslocamento das pessoas para que possam desempenhar diferentes atividades em suas rotinas.

Também vejo que o Carlitos, do famoso filme de 1936, deixou o chão de fábrica, saiu das telas de cinema e multiplica-se na atualidade com diferentes evidências do estresse. Além das “escravas do ritmo”, assim chamadas por Michael Jackson: 

“Ela dança ao romper da aurora e rapidamente cozinha sua comida: ela não pode se atrasar, não pode demorar muito. As crianças devem ir à escola. (…) Ela dança ao fogão da cozinha, o jantar é servido às nove: ele diz que sua comida está uma hora atrasada. Ela deve estar fora de sua mente, ela é escrava do ritmo. Ela trabalha muito, apenas para trilhar o seu caminho”, observa uma das músicas que tiveram lançamento póstumo.

— Em nenhum momento tiro a razão da senhorita, para nada do que expôs até aqui, mas sabe aquele ditado de que o tempo permite enxergar as coisas de modo diferente? Pois bem, existe uma justificativa para a sensação de aumento da velocidade no passar do tempo: as pessoas foram contaminadas pela aceleração de processos organizacionais e industriais. “Mas tudo é muito rápido, vamos fazer durar um pouco. Eu apontei para o céu e agora você quer voar”, queixa-se Paul Brandt em uma das canções que interpreta. 
 

— Sem mencionar o fato de que, quando têm uma brechinha de calmaria, as pessoas continuam correndo, mas para agarrar uma daquelas grandes novidades que o Cazuza via no museu e deslizar as mãos sobre as telas em velocidade supersônica para xeretar a (pseudo) vida dos outros. 

— É muito semelhante a um veículo automotor: não pode ser conduzido constantemente na marcha mais veloz e com o comando de acelerar: existem momentos em que inevitavelmente é preciso seguir em frente em marcha e velocidade reduzidas, para a saúde do motor e demais peças que contribuem para o funcionamento do meio de transporte.

É verdade, de um modo geral, as pessoas precisam (re) aprender a desacelerar antes que o motor cerebral dispare alertas mais gritantes – talvez já esteja mostrando sinais, mas como a maioria está tão acelerada e, por que não dizer, automatizada em seus afazeres, talvez não tenha notado as pistas deixadas no painel e em outras partes do veículo corporal.   

O segredo está em como promover essa desaceleração das atividades após o encerramento do expediente – aliás, existe começo e fim do horário de trabalho atualmente? Ainda que a situação econômica complicada esteja obrigando os brasileiros a transformar cada tempo livre em uma oportunidade para obter uma grana a mais para aliviar o orçamento, é possível ir mais devagar, sem uma freada brusca.

Não é necessário perguntar para o cantor, compositor e produtor musical Tiago Iorc qual a marca do chá de sumiço concentrado que ele tomou, cujo efeito passou somente um ano e quatro meses depois do anunciado nas redes sociais. A resposta está em um dos novos trabalhos audiovisuais em que o artista convida: “Chegue um pouco mais, deixe isso pra lá. Vem, desligue essa doideira. Quero te lembrar coisas triviais. Domingar a quarta-feira”. 

Também não precisa planejar isso para o próximo feriado prolongado, para as férias ou quando ficar milionário ganhando uma bolada na loteria: tudo está diante de cada um e disponível para ser feito hoje, com pouco ou nenhum custo monetário. 

 

Desacelere

Experimente a opção de ficar off-line por alguns instantes do dia e aproveite aquela rede de descanso que está lá pendurada, o passeio que o pet está pedindo faz dias, jogue-se na poltrona da sala   e desfrute algum passatempo no smartphone ou tablet sem as interferências visuais e sonoras de aplicativos de comunicação. Mentalmente, tente lembrar quando foi a última vez que você tirou um tempo “pra sentar e conversar, falar besteira”, como sugere Iorc.

Mesmo que você que esteja lendo partilhe do pensamento otimista do Renato Russo – de que “todos os dias quando acordo não tenho mais o tempo que passou, mas tenho muito tempo, temos todo o tempo do mundo. (…) Temos nosso próprio tempo” –, adote a prática que Paul Brandt aconselha diversas vezes em uma das canções de seu repertório “slow down” (desacelere). Mesmo que seja um ato cronometrado na rotina, você vai perceber que tal atitude é bastante benéfica: não menospreze meu conselho, afinal o tempo é sábio. 

* Eliana Tao é jornalista em Foz do Iguaçu e colunista do H2FOZ.

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Este texto é de responsabilidade do autor/da autora e não reflete necessariamente a opinião do H2FOZ.

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