Com as Cataratas gravadas no peito

Uma das mais antigas pioneiras de Foz do Iguaçu fala sobre a aventura de ter as Cataratas como “propriedade de seu pai” – o primeiro administrador do Parque Nacional do Iguaçu

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Uma das mais antigas pioneiras de Foz do Iguaçu fala sobre a aventura de ter as Cataratas como “propriedade de seu pai” – o primeiro administrador do Parque Nacional do Iguaçu 

Adriana Alencar 

Esta história contada através das lembranças de Ana Alda de Menezes, senhora alegre e simpática de 80 anos, que viveu o Brasil da Segunda Guerra, da volta dos expedicionários, que encarou a mudança da cidade grande para o interior selvagem com espírito aventureiro, que trabalhou fora para ser independente e que, acima de tudo, foi grande companheira do pai, Mário Câmara Canto, primeiro diretor do Parque Nacional do Iguaçu, e do marido, Francisco Guaraná Menezes, auditor da Receita Federal e mais tarde, prefeito da cidade de Foz do Iguaçu. 

Mário Câmara Canto – O primeiro diretor do Parque Nacional do Iguaçu, Mario Câmara Canto, era gaúcho de Uruguaiana e filho de pais estancieiros (como eram chamados os fazendeiros no Rio Grande do Sul). 

Câmara Canto formou-se em agronomia com especialização em veterinária na Faculdade Luiz Queiroz, em São Paulo, para aprender na escola a administrar o que seria seu um dia. Foi durante o período da faculdade que conheceu Sabastiana Luiza, que veio tornar-se sua esposa em novembro de 1921. 

O jovem casal então voltou para a cidade natal de Câmara Canto, mas as dificuldades da cidade pequena, aliadas à perda da primeira filha, fizeram a esposa, um jovem criada por governanta francesa e pouco acostumada a dificuldades, desejar a volta para São Paulo, para perto da sua família e de mais recursos. De volta à capital, o estudioso Câmara Canto foi aprender cafeicultura, já que todas as atenções da agricultura nacional estavam voltadas ao café, na época. 

Algum tempo depois, Canto já era convidado a ocupar um importante cargo no Instituto Nacional do Café. A família viveu em São Paulo muitos anos, até que as mudanças políticas lhes trouxeram novos planos. 

Foz, a decisão – Em 1942, depois da extinção do então Instituto Nacional do Café, diversas vagas foram disponibilizadas para seus técnicos em diferentes estados do Brasil, como Bahia, mato Grosso e, entre eles Paraná, como a vaga para administração do Parque Nacional do Iguaçu. 

A proximidade com os outros amigos, antigos colegas de faculdade e com o estado de São Paulo, determinou a decisão da família, que começou a organizar a mudança para a nova vida. E mais um desafio, pôs à frente do técnico e estudioso Câmara Canto, que acumulava conhecimentos e precisava agora aprender sobre manejo florestal e a reserva da Floresta sub-tropical unida. 

O Caminho – Ainda em 1942, pegaram um trem em São Paulo até Presidente Prudente, depois uma espécie de bondinho até Porto Epitácio, para embarcar no Capitão Heitor, barco que os levaria, depois de sete dias, até Guairá, pelo rio Paraná. 

Em Guairá o barco era trocado pelo navio argentino Cruz de Malta, que descia pelo Paraná até encontrar o Iguaçu e em breve aportar na margem brasileira. Dona Maria Alice , irmã de Ana Alda lembra que não havia nem sinal de porto na época e a família desembarcou na barranca do rio. 

Maiores dificuldades – A família ficou morando um mês num hotel no centro da cidade, até ficar pronta a atual sede no Parque, a primeira construção a ser finalizada e que abriga atualmente o Museu e a Administração. 

Logo em seguida, durante a administração da Câmara Canto, foram construídas as casas menores, destinados à moradia de administradores e demais funcionários. 

Com 19 anos na época e um espírito aventureiro herdado do pai, Ana Alda trabalhou de caixa na construtora Dolabella, responsável pelas obras do Parque, inclusive o Hotel das Cataratas. “Tudo parecia um sonho” para a jovem Alda, filha mais velha e companheira de aventuras, junto com a irmã Maria Alice, já que a irmã Edda tinha a personalidade mais parecida com a da mãe. 

É neste momento que ela cita as Cataratas, com um brilho especial nos olhos: “cada vez que agente olhava, era mais linda”.  Sendo assim, muito embora faltasse tudo, “papai vivia as constantes dificuldades da falta de recursos”, poucos problemas afligiam a família e, certamente, um deles era a alimentação. Na Foz do Iguaçu da metade do século XX não havia nada além de mandioca e batata, não havia verduras e demais legumes. Todo o tipo de variedades tinha que atravessar o Paraná para chegar a Foz. Com o tempo, a solução foi o cultivo do próprio alimento em hortas ao redor da casa. 

Os méritos – Segundo a filha, os maiores méritos o pai estavam no ato de ser um curioso, um estudioso e um homem muito humano, que queria dividir seus conhecimentos. Enquanto diretor do Parque Nacional, ensinou técnicas agrícolas para dezenas de imigrantes que chegavam à região. Em 1943, estava pronta a escola que atenderia os filhos de funcionários do Parque Nacional do Iguaçu. 

Ainda em São Paulo, Câmara Canto colaborava freqüentemente com diversas publicações especializadas e adquiriu, ao longo da vida, uma vasta coleção de publicações científicas, que sonhava em deixar para um sucessor. Um sobrinho de Paranaguá foi o premiado ao formar-se em agronomia. 

Como pai, foi sempre um grande companheiro, daqueles que levava as filhas às festas, mas que também chamava para uma conversa séria quando se fizesse necessário, lembra a filha. 

Para Foz do Iguaçu, entre outros feitos, ficaram o calçamento do Parque até a cidade, o primeiro aeroporto (atrás do batalhão), onde aterrizavam apenas aviões de pequeno porte e o correio aéreo, a finalização de todas as obras do Parque Nacional do Iguaçu e do conhecimento e do bom convívio com seus demais. 

Em 1951, depois de 9 anos vivendo em Foz e com graves problemas de saúde, Mario Câmara Canto transfere residência definitivamente para Curitiba, em busca de cuidados médicos, onde já moravam as filhas mais novas, levadas pelos estudos. Lecionou agronomia na Universidade Federal até logo antes de adoecer e faleceu em 1968. 

Guaraná Menezes – Quando Dona Alda fala do pai e do marido, em vários momentos nos parece tratar-se da mesma pessoa. Em dado momento da conversa, Alda confirma: “eram muito parecidos em vários aspectos”, segundo ela, Guaraná era muito humano e muito bem relacionado, “um integrador”, comenta. 

Foi aos 23 anos, em 1946, que Dona Alda ganhou o sobrenome “de Menezes” e deu início a um casamento de 24 anos que, segundo nos conta, foi uma parceria muito bem sucedida. Trabalhou mais alguns anos na construtora, período em que aproveitou para viajar com o marido e conhecer várias cidades da região. Logo depois veio o primeiro filho e Dona Alda passou a dedicar-se à família. 

Guaraná, articulador -Com a chácara cheia de amigos (Guaraná tinha paixão por chácaras e cavalos de corrida), as lembranças do casamento são as mais ricas e cheias de amizades. Quando Alda encontra velhos amigos, costumava ouvir “bons tempos aqueles na casa do Tio Guaraná e da tia Alda”. Cartorários, auditores, personalidades da cidade e da região reuniram-se em torno de churrascos e falavam sobre política, desenvolvimento e dificuldades do oeste paranaense. Sobrenomes tradicionais como Rocha Loures, Delcanalle, Schimmmelpfeng, Aguirre, entre outros, eram presenças frequentes na residência do casal. 

Mas lista de visitas ilustres não se restringia à cidade e nomes importantes do cenário nacional, em visita a Foz, eram recebidos por Guaraná e Alda, que deixa escapar detalhes interessantes sobre suas personalidades: Getúlio Vargas (“muito humano”), 

Jango(“amigo íntimo”), Café Filho (simples, acessível”), Jucelino (“cheio de pose”), Perón Evita, entre outros. 

Entre um sorriso e outro, enfatiza que só não recebiam visitas dos militares, embora afirme que o relacionamento do pai “Diretor do Parque”e do marido “Auditor da Receita”sempre foi muito bom com as autoridades e o Exército local. 

A chegada do telefone – Foi em 1949, numa situação muito delicada, que o telefone foi instalado na residência do casal. Com o hábito de morar em chácaras, o casal tinha freqüentemente a casa vigiada por contrabandistas que guardavam os passos do fiscal. 

Ao contrário de Câmara Canto, que sempre teve armas em casa, Guaraná passou a ter, a partir do episódio que assustou a esposa e a família: um assalto seguido de morte de uma senhora, que clamava pelo socorro de Guaraná aos berros antes de ser executada com vários tiros. Em seguida foi instalado o telefone na residência da família, para segurança da esposa e dos filhos. 

A Política inevitável – Ao contrário do que deve parecer, Francisco Guaraná Menezes nunca teve nenhuma aspiração política. Dona Alda garante que os “culpados” foram os amigos, que passaram a fomentar a idéia do Guaraná prefeito da idade. 

E foi o que aconteceu, em 1951. Mas profissionalmente, para Dona Alda, a maior herança do marido e amigo Guaraná Menezes para a cidade de Foz, além da implantação do curso “Normal”, como era chamado na época o ginásio, foi a própria conduta do marido enquanto auditor da Receita. “Guaraná sempre se preocupou mais com os grandes. 

Nunca deu muita bola para os “formiguinhas” que atravessavam a ponte ganhando o dia-a-dia. “Foi sempre um profissional muito independente e não tinha compromisso com ninguém”, termina. 

Dessa forma , a filha, esposa e primeira dama Ana Alda de Menezes escolheu Foz do Iguaçu como sua cidade por 20 anos de sua vida. Fez muitos amigos, tem um amor especial pela cidade, que visitou freqüentemente até três anos atrás, e uma paixão eterna pelas Cataratas, que durante um tempo de sua vida fizeram parte do “quintal de casa”,e que ela faz questão de guardar consigo a imagem. 

“Com 19 anos na época e um espírito aventureiro herdado do pai, Ana Alda trabalhou de caixa na construtora Dolabella, responsável pelas obras do Parque, inclusive o Hotel das Cataratas” 

“Francisco Guaraná Menezes nunca teve nenhuma aspiração política. Dona Alda garante que os “culpados” foram os amigos, que passaram a fomentar a idéia” 

Adriana Alencar é designer e produtora cultural 

Fonte: Revista Cabeza, edição nº 11, julho de 2003

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