Estrada cortando o Parque Nacional do Iguaçu é incompatível com proteção da natureza

Diretora da Rede Pró-Unidade de Conservação, Angela Kuczach afirma que o projeto do deputado Vermelho trará danos à natureza e ao turismo em Foz e região. Assista à entrevista. 

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Diretora da Rede Pró-Unidade de Conservação, Angela Kuczach afirma que o projeto do deputado Vermelho trará danos à natureza e ao turismo em Foz e região. 

Aprovado para tramitar com urgência, o Projeto de Lei (PL) 984/2019 poderá ser votado pelo plenário da Câmara Federal sem passar por comissões estratégicas, entre elas a do meio ambiente, as quais teriam o papel de avaliá-lo com profundidade. A proposta do deputado Vermelho (PSD-PR) reabre o antigo Caminho do Colono para criar uma estrada-parque na área intangível do Parque Nacional do Iguaçu (PNI).

Assista à entrevista:

Diretora-executiva da Rede Pró-Unidade de Conservação (Rede Pró-UC), Angela Kuczach é uma das vozes contrárias ao projeto. Em entrevista ao Marco Zero, programa do H2FOZ e da Rádio Clube, a representante da organização ambientalista paranaense enumerou os impactos de eventual aprovação do PL para o parque, o meio ambiente e o turismo em Foz do Iguaçu e na região.

O Marco Zero é um programa conjunto produzido pelo H2FOZ e Rádio Clube FM. Entrevista, opinião, enquete, entretenimento, esporte, cultura e agenda. Todo sábado, das 10h às 12h. Participe do grupo no Whatsapp para receber as novidades.  https://bit.ly/3ws5NT0

De acordo com ela, a proposta do deputado Vermelho nada tem a ver com estrada ecológica, pois institui o desmatamento na unidade de conservação e não promove desenvolvimento. Ela expôs a diferença entre a estrada que leva às Cataratas do Iguaçu e a antiga Estrada do Colono, e sustentou que o PNI corre o risco de perder o título de Patrimônio da Humanidade concedido pela Unesco.

“Na pandemia, em meio a tantas mortes, Foz do Iguaçu com a sua economia praticamente estagnada por conta da diminuição do turismo e das fronteiras fechadas, qual é a urgência para se desmatar o Parque Nacional do Iguaçu?”, questionou, referindo-se à tramitação com urgência aprovada pelos parlamentares. “O projeto ganha um atalho e poderá ser votado sem passar pelas comissões”, disse.

A diretora da Rede Pró-UC mencionou que estradas-parques existem em vários países, há mais de um século, e servem para aumentar as condições de preservação da natureza. “O projeto do deputado Vermelho não é uma estrada-parque, mas uma deturpação de conceito, uma manobra legislativa para reabrir a Estrada do Colono, já que pela Justiça essa estrada não poderá ser reaberta nunca mais”, apontou.

“Estrada-parque não é, nunca foi e nunca vai ser uma rodovia rasgando um parque”, completou Angela. Na visão da ambientalista, a Picada Benjamim, que circunda o PNI e está associada à paisagem, poderia ser a Estrada-Parque do Iguaçu. “Mas uma estrada cortando o parque é incompatível com os objetivos de proteção de natureza desse Patrimônio Natural da Humanidade”, frisou.

Defesa do projeto

Ao justificar sua iniciativa, o deputado Vermelho argumentou que a estrada-parque traria desenvolvimento para as regiões Oeste e Sudoeste do Paraná, além de devolver o “direito de ir e vir” a moradores das cidades da região que teriam sido afetadas pelo fechamento da Estrada do Colono. Para ele, o projeto tem viés ecológico e induzirá o turismo.

“Somos responsáveis. Estamos no ano de 2021 e, se não tivermos competência e capacidade de construir uma estrada ecologicamente correta, podemos devolver o Brasil aos índios”, disse da tribuna do Congresso Nacional, ao defender a urgência na tramitação do PL. “Há muita gente envolvida. A Itaipu quer criar um projeto internacional unindo a humanidade com a natureza”, realçou.

“Esse parque existe [Parque Nacional do Iguaçu], mas antes dele existiu a estrada, em 1920. O parque é criado em 1939”, defendeu o deputado. “A estrada existe, é a PR-439, e são mais de cem municípios que ligam o Oeste e o Sudoeste. A Argentina tem duas estradas dentro do mesmo parque e, no entanto, a Unesco não tirou o título de Patrimônio da Humanidade”, declarou o parlamentar.

Efeitos ao meio ambiente

Conforme Angela Kuczach, se for aprovado, o projeto do deputado Vermelho causará o desmatamento da Mata Atlântica, já que não existe mais a antiga estrada entre Serranópolis e Capanema, que foi coberta pela floresta. “Hoje se vê espécies da flora no leito da estrada, como palmito e cedro, além de animais como a onça-pintada, anta, entre outros”, apontou.

A reabertura da via permitirá, segundo a integrante da Rede Pró-UC, a entrada de caçadores e palmiteiros, bem como a passagem de contrabando e tráfico, aumentando atropelamentos de animais. O chamado “efeito de borda”, com a projeção de luz em trechos mais densos e escuros da mata, também impactará o ecossistema, e a área estará exposta a espécies invasoras.

Rodovia das Cataratas x estrada-parque

Ao Marco Zero, Angela ressaltou não haver similaridades na discussão sobre a Rodovia das Cataratas e propostas de abertura de estada na área mais sensível do Parque Nacional do Iguaçu. Ela destacou que há nas unidades de conservação regiões distintas, sendo que em algumas áreas é permitido maior uso, a exemplo da abertura para o turismo, e outras devem ficar mais protegidas.

“Lembrando que proteção é o objetivo primordial de um parque”, sublinhou. “A região onde foi a Estrada do Colono é o coração do Parque Nacional do Iguaçu. Sua reabertura cortaria essa área onde a biodiversidade é mais especial e mais frágil, que precisa ser protegida”, defendeu.

Título da Unesco e turismo

Para Angela, o projeto do deputado Vermelho põe em risco o reconhecimento do PNI como Patrimônio da Humanidade, o que implicaria efeitos negativos principalmente para o turismo internacional de Foz do Iguaçu e região. De acordo com ela, é necessário rememorar como foi o processo de titulação pela Unesco, na década de 1980.

“Uma das orientações era para que o parque protegesse o seu território em toda a sua integridade. Isso significava a estrada fechada, ela que sempre foi ilegal”, resgatou. “A Unesco já se manifestou, na última tentativa de reabertura da Estrada do Colono, de colocar a unidade na categoria de parques ameaçados, o que perde o título. Seria uma vergonha internacional”, opinou.

A perda do título causaria um dano gigantesco à imagem do Brasil no cenário internacional. “Por que o turista estrangeiro virá para um lugar que está sendo reconhecido por destruir o meio ambiente? Isso impactaria o turismo e o desenvolvimento de Foz e região. Não adianta fazer obras no aeroporto se não cuidar da imagem da cidade”, completou.

Quem veio primeiro

A ambientalista recorre aos estudos historiográficos para refutar o argumento do deputado Vermelho de que a Estrada do Colono teria sido criada em 1920, antes do Parque Nacional do Iguaçu. Segundo ela, uma estrada estadual, a PR-439, citada pelo parlamentar com base eleitoral em Foz do Iguaçu, não pode cortar a unidade de conservação, que é federal.

“O professor doutor Frederico Freitas é uma das pessoas que mais conhecem sobre o parque. A estrada foi aberta nos anos 1950, portanto, depois da criação do PNI”, enfatizou Angela. “Temos isso documentado. Isso é história, está registrado. O deputado Vermelho pode falar o que ele quiser, mas os fatos são outros”, concluiu.

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