Ligação entre oceanos Atlântico e Pacífico por Foz pode ser só utopia (mais uma) 

O governador Ratinho Jr acrescentou o Paraná nos sonhos de projetos existentes há décadas que pretendem ligar portos brasileiros aos do Chile e Peru, no Pacífico.

Por: Cláudio Dalla Benetta

A ligação entre portos do Brasil, no Atlântico, com portos do Chile ou Peru no Oceano Atlântico, é um velho sonho, que vem lá das décadas de 1980 e 1990. E até de antes. 

Há projetos de conectar o porto de Santos aos portos chilenos e peruanos, passando pela Bolívia (e não pelo Paraguai); o porto do Rio de Janeiro a portos do Peru, passando pelo Acre; e o porto do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, aos do Chile, cortando a Argentina.

Alguns desses projetos fazem parte de um "projetão" de integração maior, envolvendo vários países, via ferrovias e rodovias (e até hidrovias).

Há até um projeto que prevê a ligação entre Belo Horizonte (MG) e Valparaíso, no Chile, com ligações entre outros portos no Brasil. Como Minas Gerais não tem mar, este projeto parece até insensato. 

O Corredor para Belo Horizonte "passará (…) por outras cidades do Brasil como Uruguaiana e Porto Alegre, no Rio Grande do Sul". É assim mesmo. Não acredita? Veja aqui 

Todos exigem investimentos elevados, principalmente no Brasil, mas também nos países que serão "cortados" na rota para o Pacífico, como a Bolívia, o Paraguai e a Argentina. Só o Chile já tem a estrutura necessária para o acesso aos seus portos.

Agora, o Paraná

Encantado com a possibilidade de fazer do Paraná um "hub" logístico da América do Sul, o governador Ratinho Jr também tem a sua utopia: ele ressuscitou velhos projetos e até falou com o presidente Bolsonaro sobre a ligação entre Paranaguá e Antofagasta, no Chile.

Cargas do Paraná poderiam seguir para o Chile; de lá e de outros países vizinhos poderiam vir mercadorias para abastecer o mercado brasileiro, principalmente, e até para exportar via Atlântico, de acordo com as rotas de interesse dos exportadores.

“Com esta ligação, nós seríamos o centro de escoamento de produtos da região, fazendo do Paraná uma área estratégica”, sonha o governador, que incluiu a Itaipu Binacional – ela faria os projetos desse corredor entre oceanos.

É claro que a ideia ressuscitou depois que a Itaipu Binacional foi acionada para construir a segunda ponte em Foz, ligando com Presidente Franco, no Paraguai. E é justamente uma ponte para o transporte de cargas, por caminhões.

Vizinho e rival

Este corredor, no entanto, já tem um competidor forte. A construção da ponte entre Porto Murtinho, no Mato Grosso do Sul, e Carmelo Peralta, no Paraguai, também com recursos da Itaipu Binacional, faria do estado vizinho o "hub" regional, com as cargas seguindo do Brasil para o Chile e dos países vizinhos para o mercado brasileiro e o porto de S0antos (SP).

E, eventualmente, também pro Paraná, caso se concretize o projeto de extensão da ferrovia que hoje liga Paranaguá-Cascavel a Maracaju, no Mato Grosso do Sul.

O problema? É que esta extensão soma, em linha reta, mais de 500 km. Ou apenas 100 km menos que a ligação entre Cascavel e Paranaguá. Isso, considerando trechos planos, porque o traçado de uma ferrovia não pode incluir rampas severas.

Para viabilizar o "hub" em Foz, a ferrovia não teria que ir ao Mato Grosso do Sul, mas sim chegar até a segunda ponte, onde seria feito o transbordo das cargas dos trens para os caminhões e vice-versa.

Não considerando a questão das rampas de subida, a distância do trecho seria relativamente pequena, um pouco mais de 140 km. Mas, neste caso, além dessa nova extensão, a ferrovia paranaense precisaria ser modernizada, para transportar um volume maior de cargas no sentido Foz-Paranaguá e também no sentido oposto.

Gargalo centenário

Foto: Youtube

Entra aí a questão de que a ligação entre Curitiba e Paranaguá, pela Serra do Mar, é feita por um trecho ferroviário inaugurado em 1885. Fenômeno da engenharia, para a época, com um traçado que inclui túneis e viadutos que serpenteiam entre as montanhas, a ferrovia obviamente precisaria ser substituída por uma nova, menos serpenteante e mais apropriada a cargas pesadas. 

A atual ficaria como uma segunda via para as cargas e, principalmente, para o turismo.

De qualquer forma, o governador paranaense sonha que, depois de Itaipu concluir o projeto da ligação Paranaguá-Antofagasta, seria feita uma concessão à iniciativa privada para explorar o trecho, com prazo entre 20 e 40 anos.

Rota bioceânica

A Rota Bioceânica, outro nome para Corredor Bioceânico, parece ser a mais viável, desde que realmente seja confirmada a construção da ponte no Mato Grosso do Sul.

Ocorre que, do lado paraguaio, já estão sendo executadas obras nas rodovias que cortarão o país até o acesso aos portos do Chile (mas ainda falta muito). Na Argentina, também será preciso melhorar e adequar rodovias. 

Assim como Ratinho Jr fala em fazer do Paraná um "hub" da América do Sul, o governo do Mato Grosso do Sul pensa exatamente igual: quer fazer do Estado um centro de coleta, separação e distribuição de mercadorias, tanto para exportação quanto para importação.

Por enquanto, os sul-mato-grossenses têm mais cacife, principalmente porque a rota ligaria ao poderoso estado de São Paulo, por onde hoje são exportadas as safras agrícolas, e também porque os paulistas são os maiores consumidores do Brasil.

O Paraguai, enquanto isso, nada de braçada. Os dois planos de "hubs", no Paraná e no Mato Grosso do Sul, beneficiam diretamente o Paraguai, que terá facilidade de acesso aos portos de Santos e Paranaguá, de um lado, e aos do Chile e Argentina (na verdade, com a hidrovia do Paraná, o Paraguai já leva cargas aos portos da Argentina e Uruguai). Pra quem não tem mar, um presentão.

Mas os caminhões que levarem as cargas aos portos chilenos, voltarão vazios? Pelo menos pras entidades de agricultura do Mato Grosso do Sul, há a possibilidade, por exemplo, de trazerem feijão das regiões argentinas por onde passa a rota e também de transportar o vinho produzido no Chile ou na Argentina.

O corredor, no Brasil, atenderia, além de Mato Grosso do Sul, os estados de Mato Grosso, Goiás, leste do Paraná, oeste de São Paulo e Minas Gerais, segundo o Sindicato das Empresas de Transporte Rodoviário de Cargas e Logística de Mato Grosso do Sul.

Mais corredores

Pensa que são só esses os projetos de ligação bioceânica? Existe o Corredor Ferroviário Bioceânico Central, que prevê a construção de uma ferrovia que ligaria o Brasil ao Pacífico via Peru, beneficiando o Mato Grosso.

A Ferrovia Bioceânica, já citada, ligaria o Rio de Janeiro ao Acre, passando pelo Mato Grosso do Sul até chegar ao Peru. 

Pois esta Ferrovia Bioceânica ganhou o interesse dos chineses, que pretendem investir na construção. Entre a pretensão e as obras, pode-se passar um longo tempo, porque os chineses costumam pensar a longuíssimo prazo.

Já a Ferrovia Bioceânica Central tem (ou teria?) como financiador a Alemanha. O traçado beneficiaria cinco países: Bolívia, Peru, Paraguai, Uruguai e Brasil. É este mesmo que chegaria a Porto Alegre.

Sonhos, utopias. Não mais que isso, ao menos a curto, médio e longo prazos. A longuíssimo prazo, quem sabe? 

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