A vacina ideal

Estamos, no momento, incrédulos e decepcionados com o fato de conhecidos e outros tantos no restante do País não atenderem ao cronograma nacional, público e local, da vacinação contra a Covid-19.

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* Flavia Julyana Pina Trench
* Regina Coeli Machado e Silva 

Estamos, no momento, incrédulos e decepcionados com o fato de conhecidos e outros tantos no restante do País não atenderem ao cronograma nacional, público e local, da vacinação contra a Covid-19. Muitos nos contam, com sorrisos vitoriosos, como se fosse uma vantagem e a prova de grande esperteza que “saiu da fila quando chegou a sua vez”, escolheram a vacina, fizeram agendamento e, melhor de tudo, não pagaram nada por ela: um feito de sucesso para quem vive em cidade de fronteira como Foz do Iguaçu, nas bordas do País. Agentes de saúde nos narram de outros não tão espertos que, quando chegam à UBS (Unidade Básica de Saúde), atendendo ao cronograma, perguntam qual vacina está disponível e, dependendo da resposta, simplesmente a recusam. Em São Paulo, na entrada de um dos postos de vacinação, antes que alguém possa perguntar e invertendo a pergunta com a mesma lógica, há um aviso escrito: “Enquanto você escolhe a marca da vacina, o vírus pode escolher você. Vacine-se já!”

O que esses relatos nos dizem? Dizem-nos do modo como todos, no Brasil e no mundo inteiro, enfrentamos a pandemia e, igualmente, dizem do modo como nos pensamos e onde colocamos o valor de nossa vida. Resumindo ao extremo, adotar ou não a quarentena se reduziu à discussão que também supôs uma escolha: a saúde ou a economia. Trata-se de uma escolha triste, duplamente trágica e visível na frase de algumas faixas afixadas nos comércios locais: “Luto para manter meu emprego”. O significado do luto aí é escorregadio. Luto é a dor pela perda irreparável de mais de 500 mil pessoas, mas, no apelo, é lutar contra as autoridades municipais e sanitárias locais, que adotam a quarentena visando à proteção de todos e à manutenção da capacidade de a rede hospitalar cuidar daqueles que ficarão doentes. A tragédia é dupla porque é a da vidas perdidas e a dos que “lutam” pelo trabalho porque não há outra saída, igualmente expostos aos mesmos riscos de serem enlutados, adoecerem ou perderem a própria vida.

Vacinação é uma estratégia coletiva de saúde pública e necessita da participação de cada um para atingir sua máxima eficácia – Foto: Christian Rizzi (AMN)

Agora, a marca da vacina tornou-se uma questão de escolha tal qual se faz para a marca do arroz na prateleira do supermercado. Mas, ao escolher, ou não, as vacinas, escolhemos também como queremos viver juntos e, assim, seguimos duas visões da vida em comum. Na primeira, vemo-nos como uma coletividade exposta aos mesmos riscos e às mesmas urgências. Por isso, atendemos ao cronograma público, agradecidos pela vacina ansiosamente esperada. Na segunda, vemo-nos como participantes de um coletivo que é uma luta darwiniana, quase predatória, em que vencer é competir pelos recursos (a vacina), é utilizar o serviço público em seu próprio interesse e gerenciar a saúde como um bem individual. Contudo, trata-se de um problema que põe em risco a vida de todos, pois não escolhemos viver neste tempo da pandemia cujo enfrentamento não é feito por indivíduos isolados, mas pela saúde pública. Portanto, quem sai do cronograma, “esperando” a vacina, faz uso do serviço público em benefício próprio. Essas visões do opostas do coletivo estão simplificadas e é difícil distingui-las. Estão o tempo todo entrelaçadas, como em nossa família.

Assim, como não escolhemos viver neste tempo da pandemia e nem mesmo escolhemos a família e o País onde nascemos, devemos receber qualquer vacina como um direito exercido, como responsabilidade e um dever pelos outros, íntimos e distantes. Afinal, compartilhamos, muitos de nós a contragosto, a mesma angústia diante do vírus.

Vacinação é uma estratégia coletiva de saúde pública e necessita da participação de cada um para atingir sua máxima eficácia. Funciona de forma parecida com o lema dos Mosqueteiros do rei, retratados no livro de Alexandre Dumas: “Um por todos e todos por um”.

Quando nos vacinamos, além da proteção individual, protegemos o grupo, aquele que ainda não se vacinou, aquele que não responde à vacina, aqueles para os quais ainda não temos vacina disponível (as crianças).

Quando chega a nossa vez na fila da vacinação, acessamos, simultaneamente, o nosso direito à saúde e exercemos um dever para com a sociedade à qual pertencemos.

Dando o braço para receber a vacina que nos cabe, na data aprazada, estamos colocando uma nova barreira, um novo bloqueio contra a circulação do SARS-COV2, não só para nós mesmos e nossos familiares, mas também para toda a humanidade. Quando recebemos a vacina, impedimos que mais pessoas adoeçam e morram, que variantes mais transmissíveis e mortais se produzam, possibilitamos que a economia se movimente, volte a crescer e menos pessoas fiquem desamparadas.

Quando alguém comparece à vacinação, ele diz – estou aqui me protegendo para proteger você também, que é outra expressão da proteção coletiva, visível por diferentes ângulos.

Para os religiosos, o ato de se vacinar pode ser visto como um ato objetivo de amor ao próximo.

Para os patriotas, o ato de se vacinar pode ser visto como um dever cívico, um compromisso com o país.

Para os militantes de diversos grupos que buscam igualdade de direitos, o ato de se vacinar pode ser uma manifestação positiva em favor do coletivo.

Para o cientista, o ato de se vacinar pode ser a validação objetiva da pesquisa científica.

Para o profissional de saúde, o ato de se vacinar pode representar a preservação da própria saúde, da sua força de trabalho, e o respeito ao seu paciente.

Para os membros de uma família, o ato de se vacinar pode ser a manifestação de proteção aos entes queridos.

Para os empresários e os funcionários, o ato de se vacinar pode ser uma forma racional e concreta de manter empresas abertas e posições de emprego preservadas.

Para todos nós, a cada vacinado, estaremos mais perto dos abraços apertados, dos beijos, das festas, das comemorações, das viagens a passeio, dos boletos pagos, do emprego garantido, das contas equilibradas.

Vacinar-se contra a COVID -19 é antes de tudo um ato de generosidade, de desprendimento e amor para com o outro.

Seja parte da solução e não do problema! Quando chegar a sua vez, com a vacina que estiver disponível e com data e horários agendados: VACINE-SE.

* Flavia Julyana Pina Trench é médica Infectologista e Professora Assistente do Curso de Medicina da UNILA.

* Regina Coeli Machado e Silva é Dra em Antropologia Social e professora Sênior da Unioeste.

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